segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Qual o preço para conhecer Adam Levine?

Eu devo confessar que desconhecia quem era Adam Levine. Após uma pesquisa rápida na internet, descobri que Adam Levine é vocalista da banda americana de pop rock Maroom 5, um renomado conjunto musical que já conquistou diversos prêmios por suas performances ao logo dos seus mais de vinte anos de carreira.

O motivo que me fez cruzar o caminho de Adam Levine foi um vídeo que se popularizou no Facebook. No vídeo, uma garotinha de três anos de idade chora aos prantos ao saber por sua mãe que Adam Levine era casado. O vídeo teve tantas visualizações que um programa de televisão americano promoveu o encontro ente o cantor e sua pequena fã mirim, que de tanta vergonha da presença do cantor, se escondeu nos braços da mãe.

Obviamente, as pessoas que assistiram ao vídeo, o acharam engraçado, cativante e comovente. Para uma sociedade com valores distorcidos que trata animais como se fossem seres humanos e saúda atos de justiça com as próprias mãos, uma reação distinta dificilmente poderia ser esperada, pois seria improvável o discernimento necessário para perceber a crueldade que foi feita.

Uma garotinha chorar por um desapontamento ocorrido em seu mundinho inocente e infantil é realmente algo que comove desde que sua dor, mesmo que inocente, porém, a ser respeitada, não seja exposta para estranhos ao redor do mundo. Uma exposição causada justamente pela pessoa que a garotinha mais ama, confia e que deveria preservá-la: sua mãe.

A situação ganha requintes de crueldade e sadismo ao descobrirmos que a passagem foi arquitetada pela mãe da garotinha para filmá-la naquela condição. A atitude da mãe é semelhante a uma emboscada policial que arma uma situação para enganar e assim prender em flagrante traficantes e bandidos. De acordo com a própria mãe, foi em um estabelecimento comercial que a garotinha descobriu e foi aos prantos com a notícia do casamento de Adam Levine. Ao saírem do estabelecimento, já dentro do carro, a mãe da garotinha, com o celular preparado, novamente toca no assunto e faz sua filha chorar para, entre risadas, registrar o sofrimento inocente da pequena criança.

Pior do que a mãe, talvez sejam as pessoas apoiarem um vídeo de uma mãe ridicularizando sua filha apenas para conseguir os seus "quinze minutos de fama". O preço pago pela mãe para obter sua efêmera fama foi simplesmente a preservação e a privacidade da imagem de sua filha. O que a internet fará com o rosto da pequena garotinha só o tempo irá dizer.

Talvez, em pouco tempo, o grande público se esqueça e o vídeo da garotinha caia no ostracismo. Se a pequena garotinha irá se esquecer do vídeo e não sofrerá no futuro por essa situação provocada por sua mãe, dificilmente poderemos dizer ou saber. Para nós fica a reflexão sobre nossos próprios atos que por mais inocentes que possam ser, podem ser devastadores.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Quem é o rival do Corinthians?

Depois do fatídico episódio do 7 a 1 sofrido contra a Alemanha na Copa do Mundo de 2014, muito foi alardeado sobre mudanças no futebol brasileiro. Jornalistas esportivos, que se dizem especialistas, apontam o calendário das competições como foco da mudança, outros afirmam a salvação nas categorias de base dos clubes, enquanto outros argumentam que os problemas estão na forma como os clubes de futebol administram suas finanças. Entretanto, o futebol brasileiro só mudará quando a visão sobre o que é o futebol mudar.

Quando um torcedor do Corinthians é questionado sobre qual é o grande rival da equipe, ele irá dizer o Palmeiras, outros o Santos e outros o São Paulo. Para o torcedor, apaixonado pelo seu time do coração, tal resposta é aceitável. Porém, na visão do dirigente do Corinthians, a maior rivalidade corintiana não deve ser vista como sendo o Palmeiras, ou o Santos e muito menos o São Paulo.

O maior rival do Corinthians não é o Palmeiras, mas sim o filme dos Vingadores; não é o São Paulo, mas sim o canal Telecine; não é o Santos, mas sim o shopping center; não é o Flamengo, mas sim o restaurante italiano; não é o Cruzeiro, mas sim o passeio no Parque Ibirapuera com a família. Ou seja, os maiores rivais do Corinthians, e de todos os times de futebol, são todas as outras opções que possam fazer com que o torcedor não assista ao jogo, seja no estádio ou na televisão.

A visão da competição deve migrar do "dentro de campo" para o "fora de campo", pois não existe consumidor mais fiel do que o torcedor. Se o Corinthians perder para o Palmeiras em um jogo, o corintiano não deixará de torcer para o seu clube ou passará a torcer para o Palmeiras, ele continuará sendo fiel ao seu time e não consumirá qualquer produto de outra instituição. Entretanto, tal torcedor pode deixar de consumir os produtos do seu time (camiseta, ingressos para o estádio, exposição na televisão, etc.) caso haja outras opções mais interessantes.

Portanto, o futebol é uma forma de entretenimento e compete com todas as outras formas de entretenimento. Um torcedor corintiano, por exemplo, que deseja ter um bom programa de domingo, pensará em várias opções de divertimento com sua família: ir ao Parque Ibirapuera, ir ao Shopping Eldorado, ir ao cinema ou ir ao estádio assistir ao Corinthians. Para tomar a decisão de em qual lugar ir, o torcedor irá ponderar diversos aspectos (segurança, acessibilidade, preço, conforto, divertimento e duração) até escolher aquele com o melhor nível de experienciação possível.

Consumir futebol é consumir uma experiência e ganhar ou perder faz parte do jogo. O time do torcedor pode até perder, desde que ele tenha tido diversão no processo. A experiência não pode ficar restrita simplesmente na vitória do time, ela precisa ir além. O futebol tem que ser uma opção para um casal de namorados em uma quarta-feira à noite. Tem que ser um programa família no domingo. O torcedor precisa acordar de manhã no domingo e já estar no espírito do jogo, se possível, até mesmo tomar café da manhã no próprio local da partida.

Os clubes precisam prover experiência para os torcedores. Experiência de segurança, de conforto e de diversão. Nesse quesito o Palmeiras tem se destacado. Além de ser uma referência com seu novo estádio multiuso, o time paulistano busca a expansão para o ramo de gastronomia com uma linha própria de cantinas italianas.

O torcedor do Palmeiras, antes mesmo de chegar ao estádio para ver o jogo, já entrará no clima da partida ao almoçar no restaurante do time; também poderá celebrar uma vitória comendo uma boa macarronada após a peleja. Tudo isso é experiência de consumo e os clubes não podem mais dar as costas, pois dar as costas para a indústria do entretenimento, é dar as costas para um segmento que movimenta mais de US$ 70 bilhões ao ano.


quinta-feira, 14 de maio de 2015

Em que mundo vivo?

As pessoas vivem em um mundo fake. A palavra "fake" significa "falso" em inglês e uma palavra dita em outro idioma só mostra o mundo é fake. O sono das pessoas é fake; o físico das pessoas é fake; os amigos são fake; o sexo é fake; os filhos são fake; a idade é fake; o trabalho é fake; as aparências são fake; a felicidade é fake.

Para resumir o parágrafo anterior: o século XXI é inteiro fake. Talvez em nenhum outro século, o conselho de Nicolau Maquiavel sobre as aparências tenha sido levado tão a sério. Segundo o filósofo, um bom líder não precisa ser algo, ele só precisa parecer ser que as pessoas acreditarão que ele é. Ou seja, o líder não precisa ser cruel para evitar que seu povo amotine-se, ele só precisa parecer ser cruel para que as pessoas não se rebelem com medo de uma punição cheia de crueldade.

Nos dias de hoje, todo mundo quer ser aparentar ser feliz, o que é óbvio, pois a tristeza pode sinalizar momentos fraqueza, enquanto a felicidade sinaliza prosperidade e sucesso. Mas toda a felicidade cai por terra quando as pesquisas mostram que o número de pessoas afetadas pela depressão tem aumentado. Porém, para não mostrarem suas fragilidades e fraquezas, as pessoas criaram um mundo completamente artificial onde absolutamente tudo é de mentira.

Até o mesmo o ato de dormir é mentiroso. Algo tão fácil como o fechar dos olhos e esperar os sonhos chegarem precisa ser uma mentira. Dormir não é mais natural, mas sim realizado com medicamentos, substâncias também artificiais que tornam o tão desejado sono gostoso dos justos uma fantasia provocada por componentes sintéticos.

Ao acordar do sono da fantasia, o destino é o emprego, o local maior das mentiras. Funcionários fingem que gostam do trabalho e a organização finge que se importa com os funcionários com contribuições e benefícios apenas para extrair mais trabalho do trabalhador. Com o término do expediente, o funcionário parte rumo à academia, onde as fantasias com as aparências começam.

Na academia, ter um corpo saudável não é o objetivo. A ambição é ter um corpo jovem e para isso acontecer, a pessoa deverá ter músculos. Quanto mais musculoso, mais saudável e jovem, mesmo que o fim de semana seja regado com cerveja e cigarros. Pois, no mundo atual, ficar velho é praticamente um crime. Pessoas de trinta querem parecer de vinte, pessoas de quarenta querem parecer ter trinta, pessoas de cinquenta querem ter quarenta e as pessoas de sessenta querem parecer ter vinte.

Se a academia não estiver funcionando, ou estiver demorando a funcionar, a solução sempre é uma cirurgia. Um procedimento de risco utilizado, muitas vezes, sem necessidade real, apenas para esculpir um corpo irreal. O resultado de tudo isso pode ser conferido nas redes sociais, onde as pessoas compartilham suas fotos felizes para seus amigos virtuais que também compartilham suas fotos felizes, para terem juntas a aprovação virtual de uma curtida, ou "like", mesmo que ambas não conversem há um bom tempo.

Se as relações sociais são falsas, a família também é praticamente uma mentira. Os casais permanecem juntos mesmo sem amor e com muitos adultérios, deixam os filhos para serem criados pelas babás e os dão liberdade para fazerem tudo, tendo como argumento que essa é a melhor forma de educar, quando na verdade, não querem ter trabalho para educar os filhos. Preferindo optar por financiar um carro de luxo a casa própria, plano de saúde ou uma escola melhor.

A liberdade de pensamento e opinião conquistadas no século XX começam a ter efeitos no século XXI. Agora, as pessoas podem sonhar e decidirem sobre seus destinos, porém, o insucesso no cumprimento dos objetivos é doloroso. Chegar à metade do caminho e perceber que a vida não é bem como a esperada machuca e, por isso, fantasiar com o mundo ideal seja uma forma de fuga. Porém, por mais demorado que um sonho seja, o despertar para a realidade é inevitável.



quinta-feira, 7 de maio de 2015

Forte ou preguiçoso?

Diversas pesquisas sobre produtividade dos trabalhadores apontam o trabalhador brasileiro como sendo pouco produtivo em comparação aos demais países. Tal resultado é preocupante, pois se queremos ser um dos principais países do mundo, precisamos aumentar a nossa produtividade para que a máquina econômica posso girar cada vez mais. Entretanto, melhor a produtividade dos trabalhadores é uma tarefa bem complexa.

Para que um trabalhador seja produtivo, alguns fatores devem existir para que ele possa desempenhar o máximo de sua capacidade. Um bom ambiente de trabalho é crucial para um funcionário exercer todo o seu potencial. A dificuldade está em criar tal ambiente, pois muitos trabalhadores chegam em seus postos de trabalhos estressados e desgastados psicologicamente e a organização pouco pode fazer para contornar uma situação pela qual ela não tem o controle.

Em muitas cidades do Brasil, como São Paulo, o deslocamento do trabalhador de sua casa ao trabalho é uma verdadeira batalha. Se a opção for pelo trem, metrô ou ônibus, o funcionário deverá acordar cedo para enfrentar lotações onde a briga por centímetro quadrados é ferrenha. Além do desconforto de estar em um local apertado com diversos outros desconhecidos, o trabalhador ainda tem que enfrentar os odores típicos de uma lotação, como a sudorese e de alguns alimentos consumidos por passageiros durante o percurso, e deve estar em constante atenção para evitar pequenos furtos que eventualmente ocorrem.

Ao chegar ao local do trabalho, após um percurso de mais de uma hora, o trabalhador já está estressado e altamente desgastado com todo o desconforto do percurso percorrido, sem as condições físicas ideais para desempenhar o máximo de sua performance. Ao término do expediente, o cenário se repete e mais uma vez ocorre uma batalha para voltar para a casa, onde poderia descansar depois das adversidades do trabalho e do deslocamento, entretanto, sua noite de sono não é das mais revigorantes, pois logo cedo ele deverá estar novamente em pé. Por essas razões, muitos trabalhadores afirmam que o deslocamento até o trabalho é mais desgastante do que o próprio labor.

Uma alternativa que evita as lotações é a opção pelo transporte individual, entretanto, mesmo sendo mais confortável, a batalha também é árdua. O tráfego intenso das grandes cidades exige do motorista uma atenção redobrada para evitar colisões e acidentes com outros carros ou motos. Outra preocupação são os congestionamentos e os possíveis arrastões que podem ocorrer. Portanto, mesmo com o transporte individual, o estresse e o desgaste do deslocamento até o trabalho também são grandes.

Outro fator que contribui para a baixa produtividade do trabalhador brasileiro é o seu nível educacional. Infelizmente, por conta do sistema educacional deficitário, muitos trabalhadores apresentam dificuldades em desenvolver e interpretar relatórios e resolver problemas simples. O baixo nível educacional e os transtornos do deslocamento são fatores que ocorrem independentes à vontade do trabalhador, entretanto, não se pode eximi-lo de toda a culpa.

Muitos trabalhadores possuem um desempenho aquém do esperado mesmo com baixo nível educacional e com todos os transtornos de deslocamento. É comum funcionários utilizarem o e-mail do trabalho para enviarem pornografia, acessarem Facebook e WhatsApp do celular com o wi-fi da empresa, dormirem no banheiro durante o expediente e beberem cerveja durante o horário de almoço. Portanto, apesar de parecem hábitos inofensivos, são situações que prejudicam a performance no trabalho.

Tanto os hábitos do trabalhador, mesmo em escala menor, quanto o ambiente corroboram para a baixa performance no trabalho, entretanto, verificar a produtividade dos trabalhadores de um país somente pela análise fria de um número é insuficiente. É necessário entender, em primeiro lugar, o contexto do ambiente que cerca o trabalhador. Chamar um funcionário de preguiçoso pode, muitas vezes, ser leviano e injusto, pois pegar uma lotação com pessoas se acotovelando, esfregando, com cheiro azedo de marmita e no calor de uma cidade tropical não o faz um preguiçoso, mas sim um forte.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Sem jeitinho tem brasileiro?

O senso comum acredita que o jeitinho brasileiro é simplesmente uma forma de subversão das normas e leis para que uma pessoa consiga o que deseja. Um exemplo claro de um jeitinho ocorre quando uma pessoa está em uma repartição pública e é atendida por um atendente, uma autoridade e por ela está imbuído. O atendente não sabe quem é aquela pessoa e nem faz questão de saber, custa a atender a solicitação e cria dificuldades burocráticas. Diante do impasse gerado, um jeito de solucioná-lo de forma conciliadora é solicitado: geralmente a solicitação ocorre quando há um elo em comum, como torcerem pelo mesmo time de futebol, serem da mesma região ou terem parentes próximos.

A situação descrita anteriormente é talvez o exemplo mais comum e evidente da manifestação do jeitinho brasileiro. Porém, existem outros diversos exemplos muito mais corriqueiros que passam de forma despercebida pelo grande público. Na verdade, o jeitinho brasileiro é um elemento muito mais presente na nossa sociedade e cultura do que podemos pensar.

O que ocorreu no exemplo da repartição pública foi um nivelamento hierárquico: a autoridade, na figura do atendente, que deveria ser impessoal e atender todos da mesma forma, é igualada ao nível hierárquico do cidadão comum, e algo teoricamente impessoal passa a ser pessoal. Portanto, o jeitinho brasileiro é a igualdade hierárquica que ocorre quando pessoal e impessoal são misturados. De tal modo, é possível perceber que o cerne do jeitinho é a mistura; e o povo brasileiro, culturalmente, adora misturar as coisas.

A figura do mulato, forma como os brasileiros são reconhecidos no exterior, as mulatas do samba, por exemplo, é uma mistura. O povo brasileiro é uma mistura de povos e raças que originaram um povo mestiço, ou mulato. O problema do mulato é que ele não possui um lugar na sociedade, pois ele não é negro e nem branco, ele não se encaixa em nenhum dos dois grupos. O mulato não consegue se posicionar no grupo dos negros ou no grupo dos brancos, permanecendo sempre em um estágio intermediário.

Estágio intermediário também presente nas tradições culinárias do brasileiro, o qual prefere sempre uma boa comida cozida a um prato cru. O cozido é um estágio intermediário entre o sólido e o líquido, o que privilegia muito mais as misturas típicas do brasileiro, como o tradicionalíssimo arroz com feijão. Na culinária típica brasileira, arroz e feijão são cozinhados separadamente para no prato virarem juntos o "arroz feijão", uma combinação muitas vezes acompanhada da farofa, integrando ainda mais as cores e os sabores dos alimentos em uma separação impossível.

Porém, o ápice da mistura é a sua manifestação, celebração e aclamação na maior e mais tradicional festa brasileira: o carnaval. O carnaval é a maior representação de mistura de classes sociais e equalização dos níveis hierárquicos, onde pessoal e impessoal se confundem a todo o momento. Somente no carnaval, a nobreza vem do povo: o Rei Momo, um nobre vindo da plebe, rege sua corte nas ruas, onde classes sociais se misturam e podem ser o que desejarem ser. Somente no carnaval, um lixeiro pode ser médico, um advogado um mendigo e um policial infringir as leis, tudo isso permitido pelo uso das fantasiais, a contraposição maior da impessoalidade e autoridade dos uniformes: um policial uniformizado, representante da lei, não pode beber na rua, porém, para um folião fantasiado de policial a história é diferente.

Por conta da falta de hierarquia e mistura presentes no cotidiano da vida do brasileiro, quando uma situação impessoal ocorre, ele não a entende e busca o nivelamento hierárquico para deixar o fato no nível pessoal, pois seu modo habitual é assim e, nesse instante, surge o jeitinho brasileiro como ele é corriqueiramente conhecido. Por essa razão, quando as pessoas pedem o fim do jeitinho, elas estão pedindo o fim da cultura brasileira, pois a cultura brasileira é o jeitinho. Pedir o fim do jeitinho é pedir o fim do arroz com feijão, é pedir o fim do carnaval e pedir o fim de todos os brasileiros, pois somos todos mulatos, uma mistura inseparável que personifica e representa o jeitinho brasileiro.


quinta-feira, 23 de abril de 2015

Burocracia: ruim ou necessária?

Quando uma pessoa escuta a palavra "burocracia", provavelmente, um sentimento de desânimo instaura-se em seu corpo. A conotação da palavra é das mais negativas e uma rápida associação com papelório, demora, filas e procedimentos técnicos surge na mente da pessoa. Entretanto, por mais negativa que a burocracia possa parecer, ela é boa e fundamental para a existência das organizações.

A conotação negativa existe pois, muitas pessoas desconhecem a origem da burocracia e seus principais objetivos. A origem da burocracia surgiu com o sociólogo prussiano Max Weber. Ao analisar a sociedade da época, Weber percebeu que a obediência das pessoas estava fundamentada na aceitação das normas e dos quadros administrativos. Tal percepção era contrastante com as outras formas de obediências aceitas até então: a tradicional e a carismática.

A obediência tradicional, representada pela figura do líder tradicional, é uma forma irracional de respeito, as pessoas seguem o líder tradicional, pois "sempre foi assim" e não possuem a opção de mudar. Geralmente, a liderança tradicional está na família, em organizações familiares e hereditárias. Por essa razão, nem sempre o líder tradicional é o mais adequado para o posto, as pessoas o aceitam pela figura que ele representa, mas não por suas capacidades.

Da mesma forma, a liderança carismática também é irracional. As pessoas seguem o líder carismáticos por sua capacidade de cativar e muito pelo dom da palavra. Lula, Fidel Castro, Jesus Cristo e Hitler são exemplos de líderes carismáticos. O líder carismático tem um alto poder de influência sobre os seus liderados, os quais o seguem em um misto de obediência e admiração.

A obediência, pautada em normas e chamada de liderança burocrática, percebida por Max Weber, difere totalmente dos outros dois tipos de liderança. Agora, as pessoas aceitam o seu líder não pela pessoa que ele é, mas sim pelo cargo que ele ocupa. Dessa forma, a liderança burocrática é impessoal e independe do grau de parentesco com o dono da empresa ou da habilidade com a fala, ela irá depender da posição na hierarquia do cargo. Por essa razão, o respeito deixa de residir na pessoa e passa a ser pelo cargo ocupado.

A impessoalidade descrita por Max Weber soou interessante para as organizações que passaram a adotar procedimentos para impessoalizar certos aspectos da organização. A busca das organizações era melhorar a rapidez das decisões, redução do nível de atrito, aumentar a confiabilidade, ter uniformidade nas rotinas e precisão nas definições. Dessa forma, surgiram as normas formalizadas, a comunicação formalizada, rotinas e procedimentos formalizados, especialização da administração, previsibilidade do funcionamento e a hierarquização da autoridade.

Todos esses atributos foram aplicados com o intuito de ter maior previsibilidade do comportamento humano e padronizar o desempenho dos funcionários. Entretanto, como tudo em excesso faz mal, a burocracia excedeu alguns limites e disfunções acabaram surgindo. Problemas como excesso de papelório, resistência a mudança, apego a regras e a regulamentos e dificuldades no atendimento e relação com o público foram algumas das disfunções que provocaram a associação negativa com a palavra "burocracia".

Entretanto, apesar de soar negativa para muitos, a burocracia aprimorou de forma significativa o desempenho organizacional. A impessoalidade da burocracia evita, pelo menos na prática, favorecimentos pessoais injustos, alegação do desconhecimento de normas, a formalização da comunicação ajuda a evitar desentendimentos e fornece um respaldo legal para funcionários e clientes em suas atribuições. Portanto, a burocracia é essencial e sua conotação negativa não vem desde sua criação e aplicação, o negativismo surge quando exageros são cometidos. Por isso, se quiser usar a burocracia, use, mas não abuse.


quinta-feira, 16 de abril de 2015

Qual o papel da elite?

As recentes manifestações pedindo o impeachment presidencial seriam cômicas se não fossem trágicas. O pedido de impeachment nas atuais condições é o mesmo que cobrar presentes de natal em julho e cobrar menos corrupção na política é o mesmo que pedir para tubarões deixarem o mar para os surfistas. A pessoas tem o direito de protestarem, mas precisam fazer com responsabilidade.

As manifestações pedindo impeachment presidencial, além de prejudicarem nossa reputação internacional, promovem a distração perfeita para o legislativo desaguar processos controversos que estavam engavetados. Desde o início das manifestações, ações controversas como a PEC da maioridade penal, a retomada da lei antiterrorismo, o projeto de autonomia do Banco Central e a PEC da terceirização tramitaram pelas bancadas do legislativo sem a devida atenção do povo brasileiro, pautas muito mais significativas do que o impeachment presidencial. Os poucos manifestos relacionados aos temas anteriores não chegaram nem perto da mobilização provocada pelos protestos contra o governo federal.

Entretanto, apesar de menores, os protestos para discutir a redução da maioridade penal e a PEC da terceirização foram muito mais objetivos e coerentes do que as manifestações com propósito de mudar o Brasil com pedidos de impeachment e fim da corrupção. Se os mobilizados pelas manifestações do impeachment quiserem realmente mudar o país, eles devem primeiro saber qual o seu papel na sociedade. Apesar das tentativas de generalização do governo federal, é inegável que a maioria dos manifestantes eram parte da elite.

O problema é que a elite brasileira não conhece o seu papel na sociedade. A função da elite nas sociedades é, basicamente, indicar comportamentos nas mais diversas áreas, ou seja: sinalizar comportamentos econômicos, como poupança, educação financeira e adesão a práticas econômicas tidas como ótimas; indicar aspectos da vida social, como o modo de comer, o modo de beber, o modo de se relacionar e os hábitos desejáveis nas relações humanas; também é esperado da elite um certo comportamento estético, como a capacidade de apreciar, avaliar e produzir artes. A elite também precisa apontar para a sociedade os rumos e modelos políticos para melhorar a política em si em sua melhor acepção.

Portanto, ser elite é um trabalho árduo e não pode ser medíocre, no sentido literal da palavra. A elite precisa ser avant premiere nas mais diversas áreas. Ela precisa se sobressair perante a sociedade e indicar rumos, pois o povo olha para ela e a respeita nesse espectro.

Atualmente, no Brasil, a elite deixa a desejar em suas funções. Ser elite não é usar roupas de marca e sentir-se culto só porque viajou ao Louvre para tirar fotos da Mona Lisa, é preciso ter cultura para tomar uma posição e guiar a sociedade, independente de qual for. Se a elite achar que a maioridade penal deva ser reduzida, então vá as ruas para manifestar seu apoio.

A elite precisa mostrar ao povo que as mobilizações sociais realmente têm força para mudar o país. Porém, para fazer isso, ela deve sair do superficial e aprofundar-se em questões mais específicas. Por essa razão, se a elite quiser mudança, ela não deve ir as ruas pedindo impeachment presidencial ou o fim da corrupção, é preciso tomar um posicionamento e dizer se é a favor ou contra a maioridade penal ou se é a favor ou contra a PEC da terceirização, por exemplo.

Independentemente de qual for o posicionamento, ele precisa haver e ser apresentado, pois somente dessa forma a sociedade tem condições de indicar quais suas necessidades para os governantes. Enquanto a elite não aprender qual o seu papel, os mecanismos de pressão que poderiam ser utilizados continuarão fracos e insipientes. Por essa razão, a elite precisa realmente assumir o seu papel diferenciado e não apenas ser diferente por conta do poder econômico.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

O que fazer com a Amazônia?

Desde muito cedo o brasileiro aprende que a Amazônia é um patrimônio nacional. Ele aprende a importância dos rios, da floresta e de todo o ecossistema com riqueza incalculável. O brasileiro é educado a se revoltar a qualquer tentativa de países estrangeiros de dizerem que a Amazônia é um patrimônio global e fica revoltado com histórias de organizações estrangeiras que vieram, exploraram e patentearam substâncias brasileiras e as comercializam sem render um centavo para o Brasil. Porém, o brasileiro, apesar de todo o sentimento de posse, não é educado para responder a uma pergunta muito simples: o que fazer com a Amazônia?

Na verdade, o Brasil não sabe ao certo o que fazer com a Amazônia; é como se fosse um exame periódico de rotina que todos sabem a necessidade, mas não dão importância. Os países estrangeiros sempre tiveram muito mais interesse na floresta do que o próprio brasileiro. A primeira expedição exploratória da Amazônia foi feita pela Espanha, a segunda por Portugal e outras várias de países estrangeiros em busca de substâncias nativas, como o chamado "Pau-rosa", utilizado pela Chanel em seu perfume mais o conhecido, o Chanel Nº 5.

Com fim do ciclo da borracha no início do século XX, período áureo da região, fazendo Manaus ficar conhecida na época de "Paris dos trópicos", a Amazônia perdeu grande parte de sua relevância econômica. Um fato curioso sobre o ciclo borracha foi como ocorreu o seu fim: o primeiro caso de biopirataria da história, quando sementes da seringueira foram contrabandeadas para países asiáticos onde a plantação encontrou as condições ideais para um regime intensivo. Desde o fim do ciclo da borracha, a Amazônia busca uma forma de reencontrar a sua exuberância econômica.

Com solo pobre de nutrientes e várias áreas alagadas onde o nível da água sobe tanto que inviabiliza até mesmo o plantio de arroz, a região é péssima para grandes produções agrícolas. Uma alternativa econômica seria a pecuária, porém, para haver as pastagens necessárias para o gado, a floresta precisaria ser derrubada e leis ambientais proíbem tal ação. Sem agricultura e pecuária, a floresta precisa ser de alguma forma, dentro da legalidade, explorada.

Como as atividades de exploração legal são escassas, uma alternativa que surge é atividade ilegal, as quais prejudicam o ecossistema e ferem a reputação internacional do país. Infelizmente, sem uma alternativa econômica, a floresta acaba rendendo mais "deitada" do que em "pé". Por essa razão, uma das formas de preservar a Amazônia é criando alternativas econômicas para que ela seja mais interessante "em pé".

Uma das formas seria desenvolvendo o turismo local. Entretanto, mesmo com um potencial, a região carece de estrutura para atender o turista. Para desenvolver o turismo, a demanda exerceria um papel fundamental com consumidores exigindo melhores serviços, porém, a história ensinou que os brasileiros não possuem o mesmo interesse pela Amazônia que os estrangeiros, por isso não é do costume do turista brasileiro viajar para a região.

Felizmente, as autoridades parecem estar abrindo os olhos para tal potencial. A construção da Arena Amazônia para a Copa do Mundo exerceu um papel fundamental para colocar a Amazônia no radar do turismo. Considerada por muitos como um "elefante branco", pois o futebol amazonense é fraco e nenhum time local teria condições de colocar um bom publico regularmente no estádio, a arena não pode ser vista como tal.

O papel da Arena Amazônia foi muito além de sediar jogos da Copa do Mundo: com a escolha de Manaus como sede do evento, o Brasil colocou holofotes para a região. O país mostrou para o mundo, para si mesmo e para o próprio Estado do Amazonas que o turismo é uma atividade possível e rentável. O "elefante branco" poderá ser no futuro o símbolo da preservação da floresta, pois mostrou uma alternativa rentável para manter a Amazônia em pé. Se conseguirá ser, só tempo irá dizer.



quinta-feira, 2 de abril de 2015

Ser contra ou a favor da redução da maioridade penal?

A maioridade penal poderá ser reduzida no Brasil. A Câmara dos Deputados aprovou a proposta que reduz a maioridade penal de 18 anos para 16 anos. Qualquer posição tomada sobre o assunto é polêmica e gera controversa. A própria votação da proposta foi marcada por tensões e bate bocas. Por essa razão, um posicionamento sobre o assunto iria desagradar alguma das partes e meus argumentos seriam duramente criticas por outros bons argumentos.

Tomar posição pode significar muitas vezes não tomar posição. A neutralidade também é uma forma de posicionamento. Mais importante do que querer influenciá-los com minha opinião, irrelevante sobre o assunto, pois não sou ninguém, é estimulá-los a tomarem sua própria decisão sobre o assunto. O seu posicionamento não deve vir baseado em minha opinião, mas do seu entendimento sobre os fatos. Só depois de entender ambos os lados, você decide onde quer ficar. Por isso, a proposta de hoje não é defender um lado, mas ajudá-lo a escolher um.

Os argumentos contra a redução da maioridade penal são vários. Alguns dizem que tal medida fere diretamente a Constituição, pois a idade penal é uma cláusula que não pode ser alterada por congressistas. Entidades nacionais e internacionais criticam o nosso sistema penitenciário, sendo considerado cruel e degradante, o que não contribuiria para a reinserção do menor infrator na sociedade. Fora que a decisão está sendo baseada em casos isolados e não em dados estatísticos.

Se a decisão fosse baseada nos números, não haveria motivos para reduzir a maioridade penal, pois os crimes cometidos por menores representam 0,9% do total, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Para um número tão pequeno, a melhor alternativa seria um investimento maior em educação e em políticas públicas para proteger o jovem do crime. Ademais, não há uma relação direta entre reduzir a maioridade penal com a redução da criminalidade.

Entretanto, apesar de serem bons motivos para que a maioridade penal não seja reduzida, também existem igualmente bons motivos para a redução. O primeiro é o sentimento de impunidade presente no ar. Tanto infratores quantos as vítimas sentem-se impunes e tal sentimento aumenta a violência. Jovens sabem que não serão punidos como os adultos, por isso perseveram em cometer delitos. Tal condição promove o aliciamento de menores, principalmente para participarem do tráfico de drogas, pois suas punições, caso ocorram, serão menores.

Já que gostamos de comparar o Brasil com países de primeiro mundo, devemos fazer em todas as situações. Nos EUA, por exemplo, crianças com idade superior a 12 anos podem passar por processos judiciais como os adultos.

A maioria da população brasileira, segundo dados do instituto CNT/MDA, é favorável a redução da maioridade penal. Além do mais, a PEC 171 não alteraria a Constituição de 1988, apenas colocaria novas regras. Entretanto, tal debate sobre mudança constituição é muito contraditório e dependerá exclusivamente da interpretação de cada pessoa sobre os fatos.

O problema sobre a escolha de cada pessoa em reduzir ou não a maioridade penal é a decisão enviesada. Todo o sentimento de impunidade provocado pela violência, desigualdade e corrupção presentes no Brasil concebem um forte anseio por justiça. Para satisfazer tal anseio, as pessoas podem estar querendo reduzir a maioridade penal para terem um falso sentimento de "justiça sendo feita".

É claro que tomar uma posição com uma análise totalmente fria e sem inferências pessoais é impossível. Pessoas que já tiveram a terrível sensação de impotência perante a violência causada por um menor não irão opor-se a redução da maioridade penal. Tal tipo de posicionamento é totalmente justo e compreensível, pois só quem compartilhou tais momentos de terror entende como é a situação.

Qualquer posição tomada é justa e válida, pois o debate sobre a redução da maioridade penal é complexo e, no momento, muito mais um jogo de poder político do que uma tentativa de melhora da sociedade. Porém, prefiro pensar de maneira otimista e ver que, pelo menos, algum debate sobre melhorar a vida das pessoas está sendo feito.


quinta-feira, 26 de março de 2015

Amá-los ou odiá-los?

O deputado federal Pastor Marco Feliciano é um político muito inteligente. Se suas posições ideológicas e políticas são controversas e questionáveis, sua inteligência e capacidade de manuseamento das massas é admirável. O deputado sabe como ninguém utilizar a massa em seu favor para manter os holofotes sobre si.

O destaque de Marco Feliciano não está em usar seus eleitores para atrair a atenção da mídia, mas sim em usar aqueles que são os mais contrários aos seus ideais: os homossexuais. As posições conservadoras do deputado muitas vezes vão de encontro aos interesses dos homossexuais, algo que geralmente repercute e gera revolta. Feliciano sabe disso e também sabe que o apetite da mídia por polêmicas é tão grande quanto ao de um fugitivo no deserto.

A estratégia de Marco Feliciano é muito simples: agir polemicamente perante um grupo, na maioria das vezes os homossexuais, e esperar a revolta reverberar na internet. A televisão, assídua por tópicos potencias geradores de audiência, busca na internet assuntos em destaque comentados pela população. Como Marco Feliciano está na pauta dos mais discutidos, programas de TV o convidam para aparecer em seus shows e aumentar a audiência por apresentar uma personalidade controversa.

Apesar de ser muitas vezes criticado em tais programas, Marco Feliciano sabe como utilizar muito bem o tempo gratuito que recebe por tais aparições. De uma campanha de um pouco mais de 210 mil votos em 2010, o deputado conseguiu em 2014 expressivos 398.087 votos, sendo o terceiro deputado federal mais votado no Estado de São Paulo; mais que o dobro de votos do segundo colocado do partido. Tal aumento considerável pode ser creditado à campanha contrária dos homossexuais ao pastor.

A ingenuidade dos homossexuais com Marco Feliciano é assustadora, pois fazem exatamente o que o deputado quer. Ao acessarem, comentarem ou compartilharem as notícias polêmicas do deputado, os homossexuais não estão protestando, muito pelo contrário, estão apenas colocando holofotes em cima do pastor. A polêmica é tudo o que o Marco Feliciano quer para poder continuar aparecendo gratuitamente na televisão.

A polêmica mais recente provocada por Marco Feliciano foi o boicote aos produtos da empresa Natura. O boicote é motivado pelo patrocínio da empresa de cosméticos a novela Babilônia da Rede Globo. Na trama da novela, as atrizes Fernanda Montenegro e Nathália Timberg interpretam um casal homossexual que em determinado momento da história, protagonizaram um beijo lésbico. De acordo com Feliciano, tal atitude é um ato "contra a moral da família brasileira".

Após tal declaração, os homossexuais, novamente, protestaram contra a homofobia do pastor, porém, Feliciano não é homofóbico, muito pelo contrário, ele ama os homossexuais, pois são eles que, indiretamente, o elegem. O problema em "dar mídia" para um candidato é o sistema eleitoral brasileiro com o seu chamado quociente partidário. O quociente partidário calcula quantas cadeiras um partido terá a partir do total de votos de todos os seus candidatos, portanto, se um candidato for muito bem votado, caso do Pastor Marco Feliciano, ele pode trazer consigo vários outros candidatos de seu partido, mesmo com votações baixas.

Com tal panorama em mente, os partidos buscam possíveis "puxadores de votos" para receberem cada vez mais votos e aumentar o quociente eleitoral. Com um quociente eleitoral maior, mais candidatos serão empossados e a representatividade partidária no congresso também será maior. Portanto, a reação dos homossexuais a Marco Feliciano fica pior com a presença do quociente eleitoral, pois mais votos significam uma possibilidade maior de candidatos com a mesma ideologia assumirem cargos de poder.

Para encerrar, deixo ao Pastor Marco Feliciano os meus parabéns, não pela sua ideologia, pois isso não vem ao caso na discussão, mas por sua enorme capacidade de articulação das massas. Já para os homossexuais, deixo o meu alerta: muitas vezes, a melhor forma de protestar é com o silêncio. E por mais modernos que se julguem, vai um aprendizado aprendido com minha antiga avó: o desprezo é a melhor forma de combater alguém que o incomoda.

quinta-feira, 19 de março de 2015

Quem vencerá 2018?

No dia 18 de março, o instituo Datafolha divulgou o resultado da pesquisa de aprovação do governo da presidente Dilma Rousseff. Desde o governo de Fernando Collor, com 68% de avaliação "ruim/péssimo", um governo não ultrapassava a marca dos 60% em tal critério. Com 62% de "ruim/péssimo", a atual presidente apresente números semelhantes aos períodos que antecederam o impeachment de Collor. Entretanto, na mesma pesquisa do Datafolha, a avaliação do congresso e do senado foi de 50% de "ruim/péssimo", mostrando um descontentamento com toda a classe política e não apenas com Dilma Rousseff.

Por mais desesperador que o resultado do Datafolha possa ser para as ambições do governo com as eleições de 2018 e animador para as ambições da oposição, o jogo ainda não está acabado. No atual momento, tanto situação quanto oposição precisam manter a calma e os ânimos no lugar. A oposição precisará conter a euforia vinda da parcela da população que a apoia para evitar o surgimento da soberba em detrimento de um bom trabalho opositor que dá sinais de surgimento. Um erro da oposição poderá colocar tudo a perder, pois a situação não está derrotada e tem uma última cartada para 2018: Luiz Inácio Lula da Silva.

A situação almeja continuar no poder e, se meios racionais não são possíveis, fará uso da emoção para convencer o eleitor, e não há ninguém mais capaz de mexer com o emocional do eleitorado brasileiro do que o ex-presidente Lula. O ex-presidente tem o carisma e o histórico necessário para convencer a população, mesmo com as altas taxas de rejeição do governo de sua colega partidária. A oposição, por outro lado, não teria como apelar para o emocional da população, pois não tem em seu plantel um político que rivalize em carisma com Lula, sobrando apenas o argumento racional.

Com o auxílio de um bom "marketeiro", Lula surgiria em 2018 como a figura do "redentor", aquele que seria capaz de resgatar o Brasil da crise. Lula poderia utilizar o discurso que em 2003, quando assumiu, a situação econômica era pior, bem como a credibilidade com a comunidade internacional, mas com as políticas adotadas por ele, o país teve seu apogeu econômico. Se ele foi capaz de tudo isso antes e em uma situação menos favorável, com certeza poderia repetir agora.

Se quisesse, Lula poderia ser ainda mais emocional e atingir o íntimo dos seus eleitores. A ascensão econômica de várias pessoas durante os anos 2000, que trouxe diversas melhorias para a vida da população, poderia ser facilmente creditada a ele: "se você está comendo carne hoje, é por minha causa", "se você tem casa própria, é por minha causa" e "se você tem carro, é por minha causa", e tudo isso sem deixar de lado o mercado, pois o desempenho econômico do governo Lula foi bastante satisfatório.

O que poderia afetar a campanha de Lula em 2018 seria a forte associação com Dilma Rousseff. No entanto, em outras ocasiões, como no mensalão, o ex-presidente apresentou um pragmatismo ao ponto de deixar de lado antigos aliados para sustentar seu poder. Se já fez antes, poderia muito bem fazer de novo e com mais de três anos até as eleições de 2018, desassociar sua imagem de Dilma não seria tão complexo. Existe a possibilidade de Lula adotar um discurso humano ao assumir o erro pela indicação de Dilma Rousseff como candidata a presidência. Ao assumir o erro, Lula seria colocado como uma figura humana e próxima a população, reforçando ainda mais sua característica popular.

O caminho para 2018 já começou a ser traçado e passará obrigatoriamente pelas condições de saúde de Lula. Por mais derrotado que o governo possa parecer, a figura do ex-presidente é carismática e o torna forte candidato como próximo presidente. O risco de Lula está em uma derrota que poderia manchar sua trajetória política.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Estou sendo manipulado?

O filósofo Immanuel Kant dizia que existem dois tipos de vontade: a vontade do mundo e a vontade do homem de forma individual. Anos depois, Schopenhauer apresentou um ponto de vista diferente sobre a vontade: a vontade individual, na verdade, estava condicionada à vontade do mundo. Segundo Schopenhauer, toda vez que temos uma vontade, na verdade, a temos por conta da influência exercida pelo mundo; um exemplo de tal fenômeno são os modismos, onde condicionamos nosso comportamento por conta de algo momentaneamente aceito por um determinado grupo.

Ainda sobre vontades, temos Adam Smith com uma opinião sobre as manifestações trabalhistas. Segundo Smith, as manifestações trabalhistas não ocorrem por vontade dos próprios trabalhadores, mas sim dos donos dos meios de produção, os quais usavam pessoas influentes entre os empregados para articularem tais movimentos. A maioria dos trabalhadores, obviamente, não sabia que estava sendo usada como massa de manobra para realizar os interesses de seus patrões.

Isso mostra que o interesse das pessoas pode ser influenciado e manipulado. Tal condição é algo terrível, pois o ser humano torna-se impotente perante as vontades do mundo. Ele torna-se uma peça fácil de ser utilizada, um mero peão em um jogo de xadrez, para realizar interesses terciários desconhecidos.

A manifestação do dia 15 de março para o impeachment da presidente Dilma é uma situação clara que manipulação de massa. A insatisfação com a presidente ganhou tal proporção após o resultado das últimas eleições, quando uma elite, revoltada por não ter seus interesses atendidos, começou a clamar pela remoção da presidente do seu cargo. O principal argumento para o impeachment é a corrupção que escancarada com as denúncias na Petrobras.

O que a maioria da população brasileira não compreende é que o principal objetivo da corrupção não é deixar os políticos mais ricos, mas sim a manutenção do poder. Portanto, o que está jogo atualmente, não é o impeachment da presidente e sim as eleições de 2018. O impeachment surgiu nas elites da população, porém, não está presente na pauta dos partidos políticos.

As declarações dadas pelos políticos tratam sobre impeachment e não de impeachment, uma diferença muito grande. Não há nenhum partido político falando de impeachment, nem a própria oposição. O interesse em 2018 ficou muito claro com a declaração do senador Aloysio Nunes do PSDB, o qual disse querer "ver a presidente Dilma sangrar". Uma declaração dita como agressiva pelo Partido dos Trabalhadores. Um exagero por parte do PT, pois foi uma declaração de mau tom, mas não agressiva. Aloysio Nunes apenas usou uma metáfora para dizer que espera a deterioração política de Dilma.

O PSDB, finalmente, depois de praticamente dez anos, sai das sombras para assumir seu papel político como oposição. Depois de muito tempo de "oposição pequenininha que cabe dentro de um fusquinha" começa a fazer barulho. O que é excelente para o bom andamento da democracia. E não há estardalhaço maior do que uma manifestação pedindo impeachment presidencial.

Na cabeça das pessoas, elas estão marchando para tirar do poder um presidente que não atende aos critérios estabelecidos. Contudo, toda a insatisfação e a vontade de impeachment serão utilizados sabiamente pela oposição para preparar o terreno das eleições de 2018. Os manifestantes, mais uma vez, serão utilizados como massa de manobra para que os interesses de terceiros sejam atingidos. O que pode ser encarado como amoral por alguns, é extremamente normal e não há nada de errado, pois a oposição está apenas cumprindo, finalmente, o seu papel de fazer barulho.

Se o que está em jogo são, na verdade, as eleições de 2018, a oposição começa o seu ataque movendo os seus peões que marcham e bradam sua insatisfação. A situação, mesmo com rei praticamente isolado, pois sua rainha não demonstra sinais de simpatia, tentará sua defesa com um bispo, um cavalo e alguns poucos peões. Em um cenário de derrota praticamente certa, é preciso ter cautela, pois na política, assim como no xadrez, a habilidade do jogador em mover suas pedras é capaz de reverter uma derrota.

quinta-feira, 5 de março de 2015

O que são trade-offs?

Todos sabem que fazer escolhas é algo difícil. Optar por algo não é necessariamente "escolher". Em um ponto de vista pessimista, quando uma escolha é feita, na verdade, outras possíveis opções são deixadas de lado. Por exemplo: um estudante que opta por fazer o curso de direito em sua graduação está abrindo mão de fazer medicina, odontologia, engenharia, física, administração e etc.

Algumas escolhas são mais fáceis de fazer, outras, entretanto, são tão difíceis que provocam até dor. As escolhas mais difíceis da vida são aquelas que perduram por mais tempo e preterem mais opções, como o casamento. Quando um homem e uma mulher decidem se casar é uma escolha delicada, pois ao tomarem tal decisão, estão abrindo mão de poderem se relacionar sexualmente com qualquer outro parceiro para o resto de suas vidas.

Por outro lado, ao se casarem, um homem e uma mulher terão para o resto da vida uma companhia para compartilharem os fardos e alegrias da vida. Como visto no exemplo anterior, o casamento, assim com qualquer escolha, possui conflitos por causa da presença de pontos positivos e pontos negativos. Esses conflitos presentes nas escolhas são chamados de trade-offs.

Os trade-offs são os conflitos que surgem quando há um "perde-e-ganha" na escolha, por exemplo: em um jogo de damas, o jogador sacrifica uma peça para poder "comer" outras três peças do adversário. Atrelado ao conceito do trad-off está o chamado custo de oportunidade. Ao realizar uma escolha, o tomador da decisão avalia várias opções antes de decidir qual a melhor a ser tomada, ao escolher, outras opções são deixadas de lado e os benefícios de cada uma também não são atingidos; os benefícios não atendidos pelas escolhas renunciadas são os "custos de oportunidade".

Imagine um treinador de um time de futebol antes de um jogo importante. A decisão do treinador está em montar um time mais defensivo ou um time mais ofensivo. O trad-off do time defensivo é uma chance menor de sofrer gols contra uma chance também menor de marcar gols, enquanto o trad-off do time ofensivo é uma chance maior de sofrer gols contra uma chance maior de marcar gols. Caso o treinador faça a opção pelo time mais defensivo, o custo de oportunidade é a chance maior de fazer gols e ganhar o jogo, por outro lado, caso escolha um time mais ofensivo, o custo de oportunidade está na chance maior de sofrer gols e perder o jogo.

A melhor decisão a ser tomada pelo treinador irá depender do contexto da situação que ele está inserido. Caso o time adversário seja mais técnico e melhor, a decisão mais acertada talvez seja a opção por uma escolha mais decisiva. Porém, caso o time do treinador precise da vitória, mesmo com um adversário melhor, a opção mais ofensiva talvez surja como sendo a apropriada.

Em um contexto simples, como o descrito anteriormente, tomar uma decisão é aparentemente algo fácil. Porém, alguns trad-offs não são tão claros e passam despercebidos por mais elementares que possam ser. Atualmente, por conta de crise hídrica, muito tem sido visto na mídia sobre racionar água e energia elétrica. Uma das práticas ditas e aceitas de forma quase unânime é a troca dos chuveiros elétricos pelos solares. Entretanto, apesar da economia de energia elétrica, o chuveiro solar demora mais para deixar a água na temperatura apropriada, o que faz o gasto de água ser maior.

O trade-off do aumento do consumo de água com o chuveiro solar é elementar, porém, por conta do enorme senso comum de que é a melhor opção para a crise hídrica, as pessoas não se atentam para essa questão do aumento do consumo de água por causa da demora em esquentá-la. O senso comum age como uma viseira que impede as pessoas enxergarem e questionarem as situações do mundo ao seu redor. Para ver com clareza as situações é necessário remover a "viseira do senso comum" e ter sempre em mente que, assim como uma moeda, todas as situações tem dois lados.




quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Vamos discutir política?

A população brasileira não sabe discutir política. As discussões políticas promovidas pela população são corriqueiramente pautadas em um único tema: corrupção. A corrupção presente no país é sempre utilizada como forma de criticar o governo "A" ou o governo "B", porém, corrupção e política são assuntos diferentes mesmo estando ligados. Discutir corrupção na política é um assunto, mas discutir política pela corrupção é infantil.

De acordo com o dicionário, "corrupção" é o ato de se corromper, oferecer algo para obter uma vantagem em uma negociação onde uma pessoa é favorecida e outra é prejudicada. Tal tipo de situação acontece diariamente em nossas vidas e não nos revoltamos como quando a corrupção é com o governo. Quando compramos uma roupa, o vendedor recebe uma comissão pela venda, o valor dessa comissão já está embutido no preço que pagamos; os laboratórios de medicamentos pagam jantares para médicos e os valores desses eventos estão presentes nos preços dos remédios nas farmácias; bancos dão presentes para seus melhores clientes e é o restante da clientela que arca com tais custos. As situações descritas são apenas alguns exemplos em que nós somos prejudicados e outras pessoas favorecidas.

O que acontece na política é a mesma coisa. Ouso dizer que não exista um paralelepípedo colocado nas nossas ruas que não tenha a chamada "corrupção" embutida, ou "comissão", para usar uma expressão do mercado. Isso faz parte do jogo e está presente em âmbito mundial, federal, estadual e municipal.

Muitas pessoas dizem que o Brasil é um país corrupto, porém, corrupto com relação a quem? Comparado com China, Rússia e Índia, países com grau de desenvolvimento semelhante ao brasileiro, o Brasil é menos corrupto. Obviamente, se comparado com países mais desenvolvidos, a corrupção no Brasil será maior. Porém, não podemos nos enganar e achar que nos países mais desenvolvidos não há corrupção.

A corrupção presente nos países desenvolvidos pode ser menor, mas existe. A diferença para os países em desenvolvimento são as margens. Por conta do desenvolvimento, os países desenvolvidos já possuem margens apertadas por serem economias maduras, em contrapartida, países como Brasil, por terem espaço para crescer, possuem margens fartas mais propícias à corrupção.

Outro ponto que conta é a extensa cobertura da mídia em torno de assuntos relacionados à corrupção. Escândalos de corrupção são muito atraentes e costumam render muitas notícias, por essa razão ocupam um espaço considerável nos jornais. Os jornais precisam de assuntos para vender e quando não possuem algo novo, "espremem" uma notícia até que ela se esgote; um bom exemplo foi o carnaval. Durante os dias de folia, os telejornais, principalmente, "esqueceram" os escândalos de corrupção e se concentraram quase exclusivamente em cobrir a maior festa brasileira.

Por conta da cobertura midiática sobre o assunto atrelada ao nosso "complexo de vira-lata", nos consideramos um país muito mais corrupto do que é e imaginamos que os demais países não sejam. Tal percepção é um grande equívoco que transportamos para as nossas discussões políticas, como se discutir política fosse discutir corrupção. A corrupção está presente em todas as esferas, em todas as áreas, em todos os lugares e em todos os países. Alegar que governo "A" é melhor, ou dizer que escolheu votar em candidato "B" por conta da corrupção é imaturidade.

A corrupção está institucionalizada no ser humano, por isso, discutir política pela corrupção é semelhante a discutir o sexo dos anjos. Uma discussão política de verdade é discutir as instituições, as políticas econômicas, o relacionamento externo e as políticas públicas que cada governo estabelece para o seu povo. Contudo, infelizmente, ainda somos muito imaturos politicamente

A discussão sobre a corrupção deve pautar em como a política pode criar mecanismos institucionais para evitá-la. Porém, enquanto continuarmos discutindo a corrupção pela corrupção ou política pela corrupção, assuntos vagos e que não irão resultar em nada, debates realmente relevantes, como reforma política e política externa nacional, que poderiam gerar alguma mudança, continuam abafados. A população brasileira precisa realmente aprender a como discutir política para sermos mais politizados, e, dessa forma, gerarmos alguma mudança.



quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A moda é me alienar?

Um fenômeno que tenho observado emergir é o estilo "fones de ouvido". Com certeza, você, leitor, já deva ter visto ou deva conhecer alguma pessoa com estilo "fones de ouvido". As pessoas adeptas ao estilo "fones de ouvido" são facilmente identificadas nas ruas, nos escritórios de trabalho, nas universidades e nos shoppings: são pessoas que sempre estão utilizando fones de ouvido.

Os fones de ouvido, nos dias de hoje, deixaram de ser um aparelho para ouvir música para virarem um acessório da roupa. Os fones não são muito diferentes dos relógios, bonés, brincos, colares e óculos escuros. Eles viraram um estilo de vida que vai muito além do objetivo inicial de ouvir música sem perturbar os vizinhos.

Quando uma roupa ou acessório é utilizado, uma mensagem é comunicada e a todo o momento estamos enviando mensagens às pessoas ao redor. Um homem que anda em um carro de luxo passa a mensagem de bem sucedido, uma mulher de batom vermelho passa a mensagem de sedução, uma roupa de marca passa a mensagem de status e assim por diante. No caso dos fones de ouvido, uma mensagem misantropa.

A comunicação visual de uma pessoa com fones de ouvido é clara e em bom som: "não se aproxime e nem tente conversar comigo". Em uma situação de um grande centro urbano com os barulhos do tráfego ou no transporte coletivo é até compreensível tal misantropia. Porém, em um ambiente coletivo de trabalho, estudos, lazer ou até mesmo familiar, onde pessoas conhecidas estão ao redor, o uso e fones de ouvido é injustificável, a não ser que a pessoa não tenha o menor interesse nas outras a seu lado, o que seria, no mínimo, desrespeitoso.

Nenhuma pessoa é obrigada a gostar ou a se relacionar com todos a sua volta. Em diversos momentos, precisamos de nossa fase de introspecção, porém, fazer disso um estilo de vida misantropo é preocupante. Nós precisamos nos relacionar com outras pessoas, é uma das necessidades básicas do ser humano, mas o uso dos fones nos impede.

Como uma pessoa pode se relacionar com as outras se a mensagem comunicada é de "não me perturbe", ou pior, "não estou interessado em você"? A pessoa "estilo fones de ouvido" está isolada em seu mundo, alheia ao restante do universo que não o seu. Uma situação extremamente arrogante, como se o restante do mundo pudesse desaparecer e nada iria mudar, porque nesse universo particular criado entre um fone de ouvido e outro, aquela pessoa é a mais importante.

O desligamento do mundo real fica explícito quando esses "seres superiores" são requisitados a voltar para a nossa realidade. A reação da pessoa é como se ela tivesse que sintonizar o cérebro para o mundo ao redor. Porém, em alguns casos, a volta ao mundo real é apenas parcial, pois muitos nem se dão ao trabalho de retirar ambos os fones do ouvido, apenas puxar para o lado é o suficiente, ou seja: um recado rápido do tipo "seja breve, não quero desperdiçar meu tempo com você".

A situação está cada vez pior com a moda da ostentação. Hoje em dia, ter e falar que tem já não basta, tudo deve ser grande, porque o importante é ser visto. Por esse motivo, os fones de ouvido estão cada vez maiores, chegando quase ao ponto de fagocitar a orelha do usuário. O tamanho do aparelho e da espuma são tão grandes que a impressão é da orelha estar vedada.

O fato curioso está no público adepto ao estilo "fones de ouvido", são pessoas jovens e de uma geração que se julga altamente conectada ao mundo. Mas com qual mundo essas pessoas estão conectadas? Com o mundo criado por elas entre seus fones ou com o mundo real? Provavelmente, elas estão conectadas com o mundo que eles acreditam ser o real.




quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Para onde vai o Euro?

Para começar o texto de hoje, serei direto: a União Europeia está nas cordas. Em uma luta de boxe, quando o lutador fica preso às cordas, sua situação não é das mais privilegiadas. Nesse tipo de cenário, atacar é praticamente impossível; a falta de espaço reduz a mobilidade e impede o recuo, tornando o lutador altamente vulnerável às investidas de seu oponente. Em uma situação como essa, o melhor a ser feito é defender e aguentar o máximo o prejuízo até o gongo soar, caso o contrário, a luta será perdida.

Infelizmente, se o lutador fica preso às cordas logo no início do assalto, o tempo até o soar do gongo é lento e interminável, um calvário angustiante que coloca a fé de qualquer pessoa à prova. No caso da União Europeia, não só a fé está à prova como também a paciência. O motivo apontado pelos europeus tem nome e localização geográfica: Grécia.

A presença da Grécia na União Europeia é um erro antigo desde a sua aceitação como membro do grupo no início dos anos 80. Para evitar um avanço político soviético pelo oeste da Europa, a União Europeia decidiu aderir os gregos como membros em uma manobra mais política do que criteriosa. A manobra europeia foi uma tentativa de contenção da União Soviética que já havia dominado todo o leste europeu e na época buscava estreitar relações com os gregos.

Como se um erro não bastasse, vinte anos depois da adesão ao grupo, no dia primeiro de janeiro de 2001, a Grécia se tornou o primeiro país, fora os fundadores, a aderir ao Euro, a moeda única da União Europeia. Mesmo com os rigorosos critérios de adesão, os gregos conseguiram adotar a moeda única do bloco, provando ser um país estável e seguro. Entretanto, a segurança durou até o primeiro sinal de instabilidade: a crise de 2008.

Com a crise de 2008, a União Europeia necessitou resgatar financeiramente seus membros mais fragilizados para que o bloco não padecesse, pois prosperidade e desenvolvimento dos membros são dois de seus ideais. Entretanto, para que o resgate fosse feito, o dinheiro utilizado teve que ser deslocado das economias mais poderosas para as mais fragilizadas. Dessa forma, o que poderia ser utilizado em prol das economias mais fortes, como a Alemanha, teve que ser utilizado por outros países.

Nessa situação, uma das nações mais afetadas foi a Alemanha, pois por ser o país economicamente e geopoliticamente mais forte do bloco, caberia a ela resgatar seus vizinhos, entre eles a Grécia. Apesar de o resgaste econômico ser praticamente uma obrigação, ele não é visto com bons olhos pela população germânica. A população alemã questiona o dinheiro proveniente de seus impostos serem emprestados aos gregos, por exemplo, ao invés de investido em seu próprio país. Na cabeça dos alemães, se os gregos não souberam se administrar, não é problema da Alemanha.

A situação da União Europeia ficou ainda mais delicada após as eleições gregas vencidas por um partido de esquerda. O novo governo grego propõe ao restante do bloco econômico um afrouxamento da anistia imposta a Grécia e recentemente desistiu de entrar com um ventilado pedido de perdão da dívida. A Alemanha, principal credor do bloco, por sua vez, já afirmou que não enviará mais dinheiro aos gregos sem o programa de anistia.

Enquanto as negociações políticas caminham, a população grega sofre com desemprego e aumento nos níveis de pobreza. A Grécia alega que a não aceitação da Alemanha dos pedidos sobre o programa de austeridade são uma afronta à democracia, pois é o desejo de sua população. Porém, a Grécia esquece que democracia é uma via de mão dupla e não pode desconsiderar o desejo da população alemã.

Para o Banco Central dos EUA, a saída da Grécia da zona do Euro é apenas uma questão de tempo. Para os alemães, a saída grega seria desastrosa e culminaria com o fim da moeda única, pois seria compreendido que países com velocidades de funcionamento tão diferentes não combinam para ter o mesmo dinheiro circulando.






quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A Petro te frustrou?

Nos últimos meses temos acompanhado pela imensa cobertura da mídia um dos maiores escândalos de corrupção do Brasil: o caso da Petrobrás. Quase diariamente, os noticiários são tomados com notícias de novos escândalos e desvios de dinheiro que são revelados com as investigações da "Operação Lava Jato". Hoje em dia, é praticamente impossível não ligar a televisão ou visitar um site de notícias que não traga ao menos uma notícia sobre o assunto.

Mais atentos que a população em geral ao caso da Petrobrás, os acionistas da empresa acompanham e reagem de forma coletiva a cada nova notícia divulgada. Se em 2008 as ações preferenciais da Petrobrás chegaram ao valor aproximado de R$ 41,00, nos dias atuais, seu valor ronda a casa dos R$ 8,00. Tal derretimento no valor acionário, tendo como uma das causas os escândalos de corrupção, resultou em uma ação judicial de acionistas americanos à Petrobrás.

As pressões por parte dos acionistas, mídia e população foram tão grandes que resultaram na renúncia da engenheira química Graça Foster da presidência da Petrobrás. A escolha por Graça Foster ao cargo de presidente da empresa foi uma tentativa de realizar uma opção mais técnica e menos política. Entretanto, como a Petrobrás é um agente importante para controlar a inflação do país, as decisões sobre preços permaneceram a cabo de seu acionista majoritário: o governo.

Uma das últimas pressões que ganhou os noticiários recentemente foi referente à divulgação do balanço contábil da Petrobrás do terceiro trimestre do ano passado. A divulgação do balanço contábil, segundo a mídia, frustrou as expectativas e não divulgou as perdas contábeis por corrupção. A companhia deu a justificativa que não conseguiu encontrar uma metodologia para realizar o cálculo e irá se informar junto às entidades competentes em como realizá-lo.

Entretanto, do ponto de vista contábil, a queixa da mídia não possui qualquer tipo de fundamento. É válido o questionamento se o balanço é lícito por não possuir uma auditoria responsável e também é possível questionar a veracidade dos números apresentados, porém, dizer que o balanço não contém as perdas por corrupção é absurdo. Nos padrões contábeis atuais, não há campos a serem preenchidos com valores referentes à "corrupção".

Calcular contabilmente as perdas com corrupção é a mesma situação que calcular a perda com custo de oportunidade: é possível fazê-lo economicamente, porém sem qualquer valor para a contabilidade. A companhia pode, em uma nota explicativa no balanço, divulgar um valor estimado para as perdas com corrupção. Porém, os números que estamos vendo na mídia são apenas meras estimativas do real valor perdido.

Portanto, o balanço contábil da Petrobrás pode ser frustrante por vários motivos, por ter tido seu lucro reduzido, por exemplo, mas não por ausentar as perdas por corrupção. A "frustração" que a mídia está dizendo é apenas poeira levantada que encobre a verdade da população. É por conta do episódio do balanço da Petrobrás, por exemplo, que precisamos sempre estar atentos e sempre questionarmos a informação que nos chega.

Como artifício político visando à eleição presidencial de 2018, as declarações da mídia sobre a não divulgação das perdas por corrupção nos balanços contábeis da Petrobrás são válidas. Porém, não passam de falácias, pois nenhuma organização do mundo tem condições, contabilmente, de divulgar suas perdas por corrupção. Tal questionamento da mídia brasileira fica ainda mais sem cabimento se levarmos para uma escala global.

A mídia internacional não questiona as perdas contábeis por corrupção das petrolíferas russas, por exemplo. Em ranking sobre a corrupção nos países divulgado pela ONG Transparency International, a Rússia ocupa a posição número 136 dentre 175, enquanto o Brasil está na posição 69. A colocação brasileira é ainda melhor que dos outros BRICs, China e Índia, os quais não possuem suas empresas questionadas por não trazerem perdas com corrupção em seus balanços contábeis.

Criticar uma empresa por não divulgar suas perdas com corrupção em seus balanços contábeis é algo tão absurdo quanto criticar um paralítico por ele não poder andar. A diferença entre ambos está no fato que a impossibilidade do paralitico andar é evidente, enquanto a impossibilidade de uma empresa, para o grande público, apresentar contabilmente suas perdas por corrupção é mais obscura que o balanço da Petrobrás.







quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Água valendo mais que diamantes?

A crise hídrica enfrentada pelo Brasil, principalmente pela cidade de São Paulo, faz surgir uma situação interessante: água valendo mais que diamantes. O filósofo e economista Adam Smith explica o paradoxo da água, um produto essencial para a vida, valer menos que diamantes, um mero supérfluo, em razão de sua abundância. Como o atual momento da cidade paulista é de escassez, pela lei da oferta e demanda, quando um produto é rarefeito, seu preço aumenta.

Na realidade, não é o preço da água propriamente dito que irá aumentar, pois a água não tem preço. Vale salientar que a água consumida por nós não é tributada, pagamos pelo serviço de sua distribuição até nossas torneiras. Portanto, encarecendo o serviço, o custo da água fica, indiretamente, mais caro para o consumidor.

Paralelamente ao preço elevado, vemos um aumento no valor atribuído a água. Em vários anos, nunca um produto tão abundante em cenário brasileiro teve tanta importância atribuída. Com o encarecimento da distribuição, previsão de racionamento e escassez, a elite paulistana já começa a investir na construção de poços artesianos em seus próprios quintais, investimento que pode chegar a R$ 150.000,00, mais caro que vários colares de diamantes da Tiffany & Co..

A perfuração de poços artesianos, algo tão trivial em fazendas e pequenos sítios, começa a aparecer na cidade de São Paulo. Algo tão simplório como perfurar a terra até chegar ao lençol freático passa de algo comum da vida do campo para ser objeto de luxo na grande cidade. Devido à escassez de água, a elite tem a oportunidade de mostrar seu poder não mais com carros ou joias, mas sim com um posso artesiano no quintal, exibindo sua total independência da escassez da distribuição da Sabesp.

Para os que não podem perfurar seu próprio poço artesiano, o panorama só deve agravar nos próximos dias. O presidente da Sabesp, Paulo Massato Yoshimoto, afirmou que se os volumes dos reservatórios não aumentarem, a companhia adotará uma medida drástica de racionamento: dois dias com água e cinco dias sem. Um cenário alarmante e pouco higiênico se formos pensar em como utilizamos a água em nossas casas.

Nós utilizamos a água para tarefas simples e de escala primária em nossas necessidades: lavar as mãos, tomar banho, usar a descarga, lavar a louça, lavar a roupa, limpar a casa, aguar o jardim e para beber. O psicólogo americano Abraham Maslow, autor da chamada "Pirâmide das Necessidades", colocaria tais tarefas na base de sua pirâmide, local das necessidades fisiológicas e mais simples de serem satisfeitas. Entretanto, apesar de básicas, se tais necessidades não forem satisfeitas, os outros patamares mais complexos da pirâmide não poderão ser atingidos.

O mais intrigante de toda a situação é ver como a água se tornou algo tão desejado pelos paulistanos ao ponto de ser um objeto de demonstração de poder. A situação é no mínimo curiosa se formos lembrar que após as eleições presidenciais, diversos paulistanos criticaram e ofenderam de forma pesadas as pessoas nascidas na Região Nordeste do Brasil. Região Nordeste tão castigada e flagelada pelas constantes secas que assolam a região durante vários meses do ano.

Chega a ser peculiar o paulistano sofrer do mesmo mal que obrigou e ainda obriga os imigrantes da região Nordeste a migrarem até São Paulo. Não podemos chamar a situação de castigo divino, pois ela é no mínimo mais uma das enormes ironias do destino. O paulistano que tanto ofendeu o povo do nordeste terá a oportunidade de, pelo menos por um curto período de tempo, saborear o gosto amargo de uma das principais dificuldades do nordestino: a seca.

Entretanto, diferentemente do sertanejo nordestino que migra durante a estiagem, o paulistano não tem para onde ir: ele está preso em sua própria selva de pedra. A seca faz parte da cultura nordestina; o povo aprendeu a enfrentá-la ao longo dos anos e se adaptar, algo São Paulo desconhece. Resta saber se o paulistano será como a definição Euclides da Cunha sobre o sertanejo: "(...), antes de tudo, um forte.".

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

De quem é a culpa?

No último mês de dezembro, o desenho animado "Os Simpsons" completou 25 anos de exibição nos Estados Unidos. O desenho é um sitcom que retrata a vida da família Simpsons, um retrato dos lares da classe média americana que representa com precisão os desafios da vida de qualquer cidadão da classe média no mundo. O protagonista da animação, o pai de família Homer, é dono dos momentos mais cômicos do programa, sendo dono da memorável frase "a culpa e eu coloco ela em quem eu quiser!".

A célebre frase de Homer não poderia corroborar de forma melhor com Oscar Wilde e sua famosa expressão "a vida imita a arte (...)". O melhor exemplo atual de "vida imitando a arte" é a crise hídrica em São Paulo. A população, no caso os consumidores de água, colocam a culpa no Estado; o Estado, por sua vez, coloca a culpa em São Pedro; já São Pedro, por intermédio dos ambientalistas e alguns pesquisadores, coloca a culpa de volta na população dando novamente início ao processo de transferência de culpa.

Todos estão transferindo a culpa para terceiros, pois acham que dessa forma não terão o ônus da responsabilidade recaindo sobre suas costas. Entretanto, mesmo os eximidos também terão contrapartidas a serem pagas. Portanto, mesmo os consumidores jogando toda a culpa para a responsabilidade do Estado, seja federal ou estadual, eles também terão sua responsividade.

O termo "responsividade" possui várias definições, uma delas refere-se a algo que traga e tenha resposta. Porém, a resposta pode não ser clara e nem fácil de ser dada. No caso da responsividade dos consumidores frente à crise hídrica, a provável resposta é enganosa por ser aparentemente simples: racionalização de consumo.

Entretanto, apenas racionalizar o consumo pode não ser a responsividade esperada. O professor da PUC Goiás, Altair Sales Barbosa argumenta que os problemas com os reservatórios de água são irreversíveis por conta da destruição do Cerrado. Porém, o argumento do professor é questionável: Euclides da Cunha em "Os Sertões" argumenta que os períodos de seca são cíclicos. Ademais, algumas pessoas questionam a existência do aquecimento global, e outras até afirmam que o planeta está, na verdade, resfriando.

O debate sobre o clima chega a ser até mais complexo do que a discussão se comer ovo faz bem ou faz mal. Por conta de sua complexidade, a responsividade dos consumidores é igualmente complicada. Antes de falarmos sobre racionamento, é preciso discutir qual o papel dos consumidores no mercado.

A pauta de discussão presente está centrada em três pontos: de quem é a culpa, quando vai chover e racionamento de água. Todavia, não há nenhum questionamento sobre qual o papel dos consumidores perante a situação. Enquanto os consumidores não estiverem muito claros sobre suas funções e como desempenhá-las, a responsividade será inexistente.

Muito além da questão simples do racionar o consumo de água, os consumidores devem entender que deverão mudar seu comportamento de consumo. Portanto, a discussão não é o quanto a torneira ficará aberta, mas sim a necessidade dela em ser aberta. Caminhamos, inexoravelmente, para um comportamento de consumo semelhante ao europeu.

Quem já teve a oportunidade de utilizar banheiros públicos ou de hotéis no velho continente sabe como são as instalações. Os poderosos chuveiros dão lugar a um chuveirinho um pouco mais largo e com mais pressão que uma ducha íntima, a descarga dos vasos sanitários, por sua vez, não são afixadas na parede, mas sim caixa acoplada para uma maior eficiência no uso da água. Maior eficiência no uso hídrico que já começa a aparecer em nossos banheiros.

A preocupação com a quantidade de água utilizada pela descarga é um indício de um movimento em direção a uma mudança de comportamento. Porém, esse papel não está claro na mente dos consumidores. Cada pessoa tem que ter intimamente qual a sua real necessidade em abrir uma torneira, se isso não for presente, todo o debate sobre consumo de água será em vão e nem mesmo medidas como a cobrança pelo uso da água e não somente pela sua distribuição terão efeito.


quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Poderia me dizer a verdade, Mario?

O ano de 2015 iniciou de forma melancólica para os fãs de videogame. No início de janeiro, a Nintendo, conhecida pelos jogos do encanador Mario e dos monstrinhos Pokémon, anunciou o encerramento de suas operações no Brasil culpando os elevados impostos e a logística deficitária do país. Segundo a companhia, tais elementos prejudicavam sua competitividade no mercado brasileiro, pois diferentemente de seus concorrentes Sony e Microsoft, a Nintendo não possuía indústrias em solo nacional.

É possível dizer que a carga tributária brasileira interferiu diretamente nos planos da Nintendo, porém, acreditar cegamente como sendo o único motivo de sua saída é ingenuidade. O segmento dos videogames, ocupado pela companhia, é a maior fonte de receita do ramo do entretenimento, muito na frente dos filmes de Hollywood ou outras indústria de entretenimento. A grande verdade por trás do fim das operações da Nintendo no Brasil são suas vendas pífias.

Lançado em 2012, o videogame Wii U, principal produto da Nintendo, não vendeu como o esperado mesmo sendo mais barato que os demais concorrentes. Com um pouco mais de dois anos, um ano a mais no mercado que os videogames de Sony e Microsoft, o Wii U atingiu o montante de 8,5 milhões de unidades vendidas ao redor do mundo. Para servir de comparação, o Xbox da Microsoft, mesmo com pouca relevância no forte mercado japonês, atingiu um valor superior a 10 milhões de vendas, já o Playstation da Sony em apenas dois meses conseguiu superar as vendas do Wii U e atualmente está com mais 18,5 milhões de unidades vendidas.

A diferença para seus concorrentes não está apenas nas vendas. As capacidades técnicas do aparelho são muito inferiores aos concorrentes, sendo comparáveis com videogames de gerações anteriores. A baixa potência técnica do Wii U resultou, logo após o seu anúncio oficial, uma derrocada no valor das ações da Nintendo.

Em sua defesa, a Nintendo alega que seu foco nunca foi potência gráfica, mas sim a diversão proporcionada pelos seus jogos. Infelizmente, a companhia não conseguiu comunicar seu diferencial aos consumidores, sendo o péssimo marketing do Wii U, publicamente assumido pelo presidente Satoru Iwata, um dos motivos para o fracasso do produto. Paralelamente ao marketing deficitário, uma de seus principais marcas, os jogos solo do encanado Mario, começam a apresentar pouco fôlego junto ao público, resultando em vendas nada satisfatórias.

Segundo especialistas, os jogos exclusivos, como o caso do Mario, são o principal propulsor das vendas de um videogame. Nesse aspecto, o ano de 2014 foi decisivo para a Nintendo que lançou praticamente todos os seus jogos exclusivos e pouco surtiu efeito nas vendas do Wii U. Em contra partida, os principais jogos para Xbox e Playstation ainda não foram lançados no mercado.

Para piorar o panorama da Nintendo, a companhia é conhecida publicamente por ter péssimo relacionamento com as produtoras de jogos. Por possuir fortes marcas exclusivas como Mario e Donkey Kong, a Nintendo nunca foi uma exímia negociadora com os produtores, os quais gradativamente foram se afastando. Com as produtoras afastadas, a oferta de jogos para os consumidores fica reduzida, assim como a atratividade do videogame.

Isolada dos produtores, desacreditada pelos acionistas, inferior aos concorrentes, com marketing deficitário e pouco aceita pelo mercado mundial, a Nintendo chega a ser quase ofensiva ao jogar toda a culpa pela sua saída do Brasil nos impostos. Entretanto, se algo de positivo pode ser destacado é justamente a maneira como a Nintendo divulgou sua saída do mercado brasileiro: ao jogar toda a culpa nos impostos, a empresa incitou seus fãs que "levantaram poeira" e permitiram a Nintendo sair sem dar mais explicações que seriam desastrosas para o valor de suas ações.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Liberdade de expressão ou falta de respeito?

O ano de 2015 iniciou de forma sangrenta e lamentável. Ofendidos por uma charge publicada pelo jornal francês "Charlie Hebdo", fundamentalistas islâmicos invadiram a sede do noticiário em Paris e executaram de forma cruel vários funcionários da organização. Um ato brutal, bárbaro e deplorável que não merece respeito e muito menos ser discutido.

Curiosamente, na mesma semana do atentado ocorrido em Paris, o humorista Renato Aragão foi duramente criticado na internet por uma declaração na qual dizia que antigamente, negros e gays não se ofendiam com as piadas feitas sobre eles. Retornando ao atentado ao jornal francês, após o ataque, milhares de mensagens, inclusive brasileiras, classificavam o episódio como sendo um "atentado à liberdade de expressão". Ora, caro leitor, o elemento que motivou as mortes em Paris foi uma charge, ou seja, uma piada, sobre a religião Islâmica. Se uma piada sobre a religião Islâmica é considerada liberdade de expressão, porque uma piada sobre negros ou gays também não é?

Repito para o leitor desatento: o atentado terrorista em Paris é injustificável, brutal, condenável e inadmissível em qualquer hipótese. O ponto central da discussão do texto é o que as pessoas estão chamando de "liberdade de expressão". Da mesma forma que piadas sobre negros, gays, pobres e etc. são condenáveis, piadas de cunho religioso, onde o Islã se encontra, também são! Não é pelo fato de não me sentir ofendido que posso caracterizar as charges do "Charlie Hebdo" como liberdade de expressão. Se por acaso eu o fizer, abro um precedente perigoso para um racista alegar estar apenas exercendo sua liberdade de dizer o que bem entender.

Como tudo na vida, a liberdade de expressão também possui um limite. O limite da liberdade de expressão é o respeito. Eu posso dizer tudo para todos desde que não fuja do respeito com o próximo. Portanto, da mesma forma que uma piada racista e homofóbica extrapola o limite do respeito, uma charge debochando de uma religião também.

Entretanto, o que mais me incomodou nessa história de "liberdade de expressão" foi a hipocrisia de várias pessoas defendendo uma charge ofensiva como liberdade de expressão. O engraçado é que o "politicamente correto" simplesmente desapareceu ultimamente. De uma hora para outra, as pessoas ficaram liberais e adeptas a qualquer tipo de manifestação. Gostaria de saber até quando tais cidadãos continuarão a defender a "liberdade de expressão".

Porém, essa minha indagação é tola e muito simples de ser respondida: até quando tais pessoas sentirem-se ofendidas. É muito fácil defender a "liberdade de expressão" de algo que não me ofende. É banal achar ridículo os islâmicos se ofenderem por uma simples charge sobre Maomé, da mesma forma, os islâmicos nos acham ridículos por brigarmos e matarmos por causa de um time de futebol.

Em uma sociedade repleta de hipocrisia, muitos, como Renato Aragão, irão dizer: "mas antigamente podia fazer piada e ninguém se ofendia". Os que possuem tal argumento estão corretos, entretanto, antigamente as pessoas também podiam andar durante a noite, deixar as portas da frente da casa abertas, ter relação sexual sem camisinha sem medo de AIDS e confiar cegamente na palavra de um estranho, porém, não é porque antigamente se podia que hoje nós fazemos. Durante os anos, a sociedade mudou: se não posso caminhar durante a noite, se não posso deixar minha porta aberta, se não posso ter relação sexual sem medo da AIDS e se também não posso confiar cegamente na palavra de um estranho, eu também não posso continuar fazendo as mesmas piadas ofensivas.

Uma das primeiras regras de Nicolau Maquiavel em "O Príncipe" é para não solucionar erros com novos erros. Se a sociedade errava no passado com as piadas racistas, não devemos justificar esse erro com novos erros, pois estaremos agindo da mesma forma que os terroristas em Paris: buscaram a solução de um erro (a charge ofensiva) com outro erro. A solução para o problema em questão é simples porém, complexa: respeito. Portanto, antes de ficarmos com a jacobice em dizer "um atentado contra a liberdade de expressão", devemos erguer e bradar a bandeira do: menos hipocrisia e mais respeito!

Qual seu segredo, Scooby-Doo?

Reconhecido pelo Guiness Book como o dublador há mais tempo emprestando a voz para um mesmo personagem, Orlando Drummond é um dos maiores humoristas da história do Brasil. Caso você não consiga associar nome a pessoa, certamente deve conhecer sua inigualável voz: Popeye, Alf, Gato Guerreiro e Scooby-Doo (personagem que o levou ao Guiness Book) são alguns dos inúmeros trabalhos de dublagem de Orlando. O trabalho de Orlando também teve grande notoriedade com o personagem Seu Peru do humorístico "Escolinha do Professor Raimundo".

Recentemente, em uma matéria da Rede Bandeirantes, Orlando, com mais de 95 anos de idade, anunciou sua aposentadoria. Durante a matéria que foi ao ar no programa "Tá na Tela", a entrevistadora conversou com Orlando e o levou para dar uma caminhada pelas ruas nas proximidades de sua residência no Rio de Janeiro. Mais interessante do que a própria reportagem, o caminhar e a fala de Orlando chamaram muita atenção, pois não condiziam com um senhor de 95 anos: sem qualquer tipo de apoio ou dificuldades, Orlando caminhava perfeitamente e mantinha uma conversa em ritmo normal, não possuindo a característica "voz cansada" dos idosos.

Com 95 anos de idade, Orlando Drummond conseguiu um feito que todos desejamos, porém, que poucos conseguem: envelhecer com qualidade. Além do grande desejo de seguir os mesmo passos, fica uma pergunta difícil de ser respondida: qual o segredo de Orlando? Provavelmente, a resposta está no fato de Orlando Drummond ter trabalhado por mais de 70 anos e postergado ao máximo sua aposentadoria.

Realizar sua aposentadoria é um direito que as pessoas têm, seja por invalidez ou pelo tempo. Contudo, o conceito de "aposentar" no Brasil é equivocado. Para os brasileiros de um modo geral, aposentar significa literalmente "parar de trabalhar", como se fossem férias remuneradas eternas, e nesse aspecto que está todo o problema.

Um ponto negativo com o conceito brasileiro de aposentar é a falta de ocupação. Sem trabalho ou outras responsabilidades, o idoso perde a sensação de utilidade e se acomoda em um mundo sem preocupações. Uma pessoa que sempre foi requisitada, ativa e cheia de responsabilidade, quando chega a uma situação como essa pode ter a sensação de invalidez e chegar até a depressão.

Outro problema ocorre quando a pessoa deixa de ser remunerado pelo salário para receber a pensão da aposentadoria, um valor inferior à pecúnia pelo labor. Com um rendimento mensal reduzido, consequentemente, o poder de compra também diminui, resultando em uma queda do padrão de vida após a aposentadoria. Em contrapartida, aumentam os gastos com remédios e planos de saúde.

Por conta da elevação da expectativa de vida do brasileiro, é muito provável que tenhamos problemas previdenciários como ocorridos na Itália e outros países europeus. Com a possibilidade de tal situação ocorrer em cenário nacional, é provavelmente que cada vez mais o benefício das pensões continue diminuindo gradativamente. Uma sinalização de tal movimento são os novos aposentados de cargos públicos, os quais, diferentemente do passado, não recebem suas pensões com valores integrais de seus antigos salários.

Com tal cenário em vista, é importante que o povo brasileiro comece a fazer suas próprias aposentadorias. É possível com um depósito mensal de R$ 500,00 na caderneta de poupança, ao final de 37 anos, praticamente o mesmo prazo da idade ativa de um trabalhador antes de aposentar, ter o montante de R$ 1.000.000,00. Com juros de 0,56% ao mês, tal valor renderia ao aposentado um ganho mensal superior a R$ 5.000,00, um excelente reforço para a manutenção do padrão de vida pós-aposentadoria.

Após ter a segurança financeira estabelecida, o aposentado poderia realizar outras atividades, como trabalhos voluntários. Um funcionário aposentado de um banco, por exemplo, poderia continuar trabalhando como voluntário de uma ONG, onde contribuiria diretamente para a sociedade com sua experiência adquirida nos anos de labor. Uma atividade que o manteria em exercício, porém com mais tempo livre e sem as antigas grandes responsabilidades. Dessa forma, o conceito de aposentar deixa de ser simplesmente "parar de trabalhar" para ser "parar de trabalhar pelo dinheiro". Uma definição mais apropriada que preserva a qualidade de vida pós-aposentadoria.