quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

O desafio da saúde para Jair Bolsonaro


A saúde é um dos principais desafios estruturais que Jair Bolsonaro irá enfrentar durante o seu governo.

Nos últimos dez anos, mais de quarenta mil leitos foram perdidos, sendo aproximadamente trinta e oito mil somente do Sistema Único de Saúde. As áreas mais afetadas com a perda de leitos foram psiquiatria, cirurgia geral, obstetrícia e pediatria. Atualmente, o Brasil possui dois leitos para cada mil habitantes, número inferior à média global de três e inferior ao ideal estabelecido pela Organização Mundial da Saúde que é de três a cinco leitos para cada mil habitantes.

Para agravar a situação, há o histórico problema da má distribuição médica pelo território brasileiro. Apesar de não haver um número ideal de médicos para cada mil habitantes, estima-se que o valor de 2,0 a 2,5 médicos para mil habitantes seja uma proporção razoável. O Brasil possui uma proporção de 2,18. Entretanto, a distribuição é desigual. Enquanto alguns Estados possuem um número superior a 3,0, os Estados do Maranhão e do Pará têm uma proporção inferior a 1,0.

O problema da má distribuição médica estava paliativamente resolvido com a presença dos médicos cubanos que vieram pelo Programa Mais Médicos. Com a saída dos cubanos, as vagas ficaram disponíveis para serem ocupadas pelos médicos formados no Brasil. Porém, aproximadamente 31% das vagas deixadas pelos cubanos estão desocupadas e 40% dos médicos brasileiros aprovados para o Mais Médicos já trabalhavam para o Programa da Saúde da Família, prejudicando uma área importante da saúde pública brasileira.

As vagas remanescentes serão oferecidas para médicos brasileiros formados no exterior. Médicos formados no exterior precisam passar por um exame de revalidação do diploma para poderem exercer a medicina no Brasil. O exame é conhecido como Revalida e aproximadamente 50% dos candidatos acabam sendo reprovados.

A qualidade do ensino de medicina é outro fator a ser gerenciado por Jair Bolsonaro a partir de 2019.
O Brasil possui ao término de 2018, mais de 330 faculdades de medicina. Até 2011, o país possuía apenas 188. Das 144 novas faculdades abertas, o Mais Médicos influenciou na abertura de 113, as quais surgiram a partir de 2014. Os primeiros alunos frutos do Mais Médicos irão se formar no final de 2019 e a qualidade da formação preocupa.

O Conselho Estadual de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) realiza uma prova facultativa para avaliar a qualidade da formação médica no Estado. Em 2018, aproximadamente 40% dos candidatos foram reprovados. A situação é preocupante porque apenas quatro faculdades do Estado de São Paulo estão entre os trinta e quatro cursos avaliados com nota 3 pelo Ministério da Educação. A nota máxima do MEC é 5 e os cursos, sejam de qualquer área, com notas 1 e 2 são menos de 10% do total. Portanto, o número de reprovados poderia ser maior caso a prova fosse de âmbito nacional.

Outro ponto envolvendo a qualidade do ensino médico no Brasil é a dificuldade para a obtenção de cadáveres e animais a serem utilizados para o treinamento dos estudantes. Globalmente, as escolas médicas têm utilizado simuladores de ensino para que o estudante possa ter uma prática maior durante a sua formação acadêmica em substituição de cadáveres e animais. Quanto maior a fidelidade de um simulador, maior será o seu custo. Pelo fato do Brasil possuir mais de 190 escolas privadas de medicina, será necessário saber se elas estarão dispostas a arcar com os custos.

Para finalizar, vale destacar que ao longo dos últimos doze anos, o governo abriu mão de mais de R$ 400 bilhões em impostos em favor da saúde privada. Partes dos impostos não recolhidos são provenientes de empresas farmacêuticas e hospitais filantrópicos. Entretanto, a maior parcela ocorre por abatimento de IR de pessoas físicas e jurídicas por conta dos planos de saúde.

O desafio de Jair Bolsonaro com a saúde será grande porque é um problema com diversas frentes a ser combatido. Os recursos serão escassos por conta da retomada do crescimento econômico e por conta das restrições impostas pela PEC dos gastos. Entretanto, para combater o maior problema que o Brasil possui hoje, a desigualdade social, será necessário cumprir a constituição que prevê acesso universal da saúde para a população brasileira. O atendimento à saúde com qualidade é um dos pilares fundamentais para combater a enorme desigualdade social brasileira.



sábado, 15 de dezembro de 2018

O impacto do COAF para os membros do governo Bolsonaro



O relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) caiu como uma bomba para o governo de Jair Bolsonaro. Segundo o COAF, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício José Carlos de Queiroz, teve movimentações bancárias suspeitas entre 2016 e 2017, incluindo transferência bancária no valor de R$ 24.000,00 para a primeira-dama Michele Bolsonaro.

O caso repercutiu de forma muito negativa e os desdobramentos das apurações indicaram outras possíveis irregularidades envolvendo assessores de Flávio Bolsonaro. Apesar de Flávio e Jair Bolsonaro não estarem sendo investigados, o prejuízo político é enorme, pois muitos eleitores votaram no candidato do PSL acreditando que haveria uma mudança na política brasileira. Porém, antes mesmo de começar o mandato, Jair Bolsonaro já possui seu nome envolvido com corrupção, afetando sua credibilidade e o crédito que possui com a população.

Além de atingir a família Bolsonaro, o relatório do COAF também impacta diretamente o destino de membros importantes do futuro governo.

Onyx Lorenzoni, futuro ministro da Casa Civil, pode ser o primeiro a sentir os impactos diretos do relatório do COAF por já ter chegado ao governo envolto com problemas de corrupção. Ao ser indagado por jornalistas sobre o relatório do COAF, o futuro ministro disse que querem destruir a reputação de Jair Bolsonaro e perguntou onde o COAF esteve durante o Mensalão. Apesar de não saber, o COAF produziu mais de 30 mil relatórios de inteligência que foram utilizados do Mensalão a Lava-Jato. Dias depois, Onyx Lorenzoni defendeu a investigação do caso.

Pelo fato de ser um ministro previamente envolvido em corrupção, os dias de Onyx Lorenzoni na equipe de Bolsonaro podem estar contados. Com todo o passado pesando contra si, Onyx é a escolha mais fácil de Jair Bolsonaro para dar uma resposta para a opinião pública que começa a ver seu governo com desconfiança.

Um pilar importante do governo é Sérgio Moro que, apesar de defender Onyx Lorenzoni, ainda goza de enorme prestígio com população brasileira. Entretanto, quando foi perguntado sobre o COAF em um primeiro momento, Sérgio Moro fugiu da pergunta, retornando alguns dias depois para dizer que não é a função dele opinar e nem apurar o caso. A opinião pública cobrou posição do antigo juiz, muito por conta do discurso anticorrupção entoado por ele mesmo. Para agravar a situação, o COAF será de sua responsabilidade em 2019, ameaçando a reputação do pilar de sustentação mais importante de Jair Bolsonaro.

Outro pilar importante é Paulo Guedes porque o bom desempenho do governo passa pelas reformas econômicas propostas por ele. Por conta de uma infecção contraída no início do caso COAF, Paulo Guedes não declarou nada sobre o assunto. Entretanto, com a redução do apoio popular que o caso COAF pode causar, Paulo Guedes poderá enfrentar dificuldades para aprovar as reformas que julga necessárias para a retomada econômica brasileira, prejudicando assim o seu trabalho.

A deputada federal eleita Joice Halssemann pode se beneficiar do atual momento conturbado do clã Bolsonaro para assumir a liderança do partido na Câmara. Apesar de não ter se manifestado publicamente sobre o COAF, Joice trocou farpas com Eduardo Bolsonaro na disputa pelo poder dentro do PSL e o enfraquecimento da família a fortalece politicamente.

Outro membro importante do governo é o General Augusto Heleno. Em entrevista com o jornalista Pedro Bial, o futuro ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional relativizou o relatório do COAF e disse acreditar que Bolsonaro não será atingido pelo fato do valor de R$ 24.000,00 ser irrisório e, da mesma forma feita por Onyx Lorenzoni, ironizou a atuação do COAF nos últimos anos.

Diferentemente de Heleno, o general Mourão teve uma posição mais incisiva. Em diversas entrevistas, Mourão cobrou esclarecimentos sobre o dinheiro e disse que o caso provoca incômodo no governo, indo além ao dizer que, se houve “caixinha, foi uma burrice ao cubo”. Mourão afirmou ter confiança em Jair Bolsonaro, uma fala estranha por um vice afirmar que confia em seu superior. Para o vice-presidente, a justificativa de Bolsonaro dá o assunto como encerrado, entretanto, disse para a imprensa investigar o caso. A cada dia, o prestígio de Mourão cresce.

Por fim, há um personagem bônus que se beneficiou do caso COAF. Trata-se de Renan Calheiros, senador eleito pelo MDB, que buscava novamente a presidência do Senado e tinha Flávio Bolsonaro como um empecilho. Com o COAF, Flávio iniciará desgastado seu mandato e já recebeu ameaças de assessores de Renan dizendo que o mandarão para o conselho de ética se continuar minando a candidatura do alagoano. O caminho para o quarto mandado de Renan Calheiros como presidente foi facilitado.

As cartas estão na mesa do jogo político. Para sabermos os resultados concretos do relatório do COAF, precisaremos aguardar um pouco mais.



domingo, 2 de dezembro de 2018

O principal defeito de um administrador

O pior defeito de um administrador é interpretar erroneamente o contexto que a organização está inserida. Sempre que ocorre um erro de interpretação do contexto, as conseqüências são devastadoras.

Durante a Guerra de Canudos, o exército brasileiro, recém saído vitorioso da Revolta Federalista, acreditou que seria fácil enfrentar sertanejos analfabetos, desnutridos e sem qualquer tipo de treinamento militar e armamento pesado. O resultado foi um vexame do exército que, apesar de ter vencido a guerra, saiu desmoralizado perante a nação.

Outro caso de má interpretação do contexto ocorreu com a Disney no início dos anos 90 com a abertura da chamada Eurodisney. No início dos anos 90, a Disney buscou levar para a Europa a experiência do “mundo mágico Disney” e inaugurou um parque temático nos arredores de Paris. O resultado foi um enorme fracasso e o grupo precisou investir milhões para reformulação da marca e do parque, hoje chamado de Disneyland Paris.

Os exemplos anteriores ilustram o quanto a análise correta do contexto, que engloba características sociais, antropológicas, econômicas, históricas, pessoais, ambientais e tecnológicas, é importe. Tudo para dizer sobre o potencial perigo das medidas neoliberais planejadas pelo futuro ministro Paulo Guedes.

Paulo Guedes é um economista formado pela Universidade de Chicago, famosa pelo pensamento econômico conhecido como Escola de Chicago que prega um Estado reduzido e o liberalismo econômico.

A Escola de Chicago fez muito sucesso na América Latina entre as décadas de 70 e 80 durante o governo chileno de Augusto Pinochet com os Chicago Boys. Os Chicago Boys foram um grupo de economistas que estudaram na Universidade de Chicago e aplicaram as idéias liberais no Chile, resultando em um dos países com a maior liberdade econômica do mundo.

Fã do modelo e representante da Escola de Chicago, Paulo Guedes buscou instaurar o mesmo plano econômico chileno no Brasil ao fazer parte da equipe do candidato à presidência da república Afif Domingos em 1989. Afif foi derrotado e Paulo Guedes tem mais uma chance de colocar sua idéia em prática trinta anos depois. O problema é que a idéia de Paulo Guedes pode estar trinta anos atrasada.

O contexto global mudou radicalmente. Se nos anos 70 o mundo vivia dividido por dois blocos hegemônicos, as conexões e as trocas rápidas são o que ditam a modernidade. Baumann diria que a “modernidade é líquida” e o capital viaja livre entre as fronteiras dos países.

Se o contexto global é diferente, o contexto dos dois países também é pouco similar. Em 1973, ano do início do governo Pinochet, o Chile tinha um PIB, com valores atualizados para hoje, de US$ 17 bilhões e atualmente possui um PIB de US$ 33 bilhões. O PIB brasileiro é de US$ 2 trilhões.

Se a população chilena era de apenas 10 milhões em 1973 e hoje é de 18 milhões, a população brasileira é de 209 milhões.

O Chile é um país com um território infinitamente menor que o brasileiro. O território pequeno e coberto pela Cordilheira dos Andes dificulta qualquer tipo de produção agrícola, limitando o país a exploração de metais. Sem uma produção interna forte, a única opção é a abertura do mercado. Entretanto, o Brasil possui território para produzir e produz em grande quantidade, principalmente produtos agrícolas. Em um governo neoliberal, como ficariam os subsídios agrícolas dos produtores rurais?

Com os pontos anteriores foi possível notar que os contextos brasileiros e chilenos são completamente diferentes. As dimensões de ambos os países, sejam elas econômicas, populacionais e territoriais são incomparáveis. Aplicar medidas que deram certo há quase 50 anos em um contexto semelhante ao que a cidade de São Paulo possui hoje pode ser devastador.

Outro fator de complicação para a “Política Guedes” é a mentalidade social democrata que a população brasileira possui. Paulo Guedes tentará colocar em prática uma visão econômica diferente da população brasileira.

Para agravar a situação, criado durante o governo Pinochet, o modelo previdenciário chileno, pensado em ser implantado no Brasil, resultou em um aumento considerável de suicídio em pessoas com mais de 80 anos. Considerada como um exemplo há época pelo FMI, a previdência chilena apresenta um modelo privado e alguns aposentados recebem em torno de 30% de um salário mínimo. Sem condições de arcarem com seus custos de vida, os idosos chilenos têm optado por retirar suas próprias vidas.

É óbvio que menos intervenção do Estado e maior liberdade individual é excelente e quase todos desejamos isso. Porém, sem analisar corretamente o contexto brasileiro, Paulo Guedes pode colocar em prática uma política incompatível com a identidade do Brasil.


sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Cotas, a verdade nunca dita


O Brasil melhorou seus índices educacionais ao longo dos últimos anos. Apesar de ainda termos uma educação precária, nossos índices já foram muito piores. De acordo com o censo realizado pelo IBGE em 2000, apenas 77% da população entre 5 e 15 anos era alfabetizada. Em 2010, ano do último censo do IBGE, a quantidade de brasileiros que frequentavam a escola na mesma faixa etária da pesquisa anterior era de 96%. Um aumento considerável.

Se formos levar em consideração apenas a população de 15 anos ou mais, a taxa de analfabetismo, segundo dados do IBGE, caiu para 7% em 2017. Número acima da meta de 6,5% estipulada para 2015, porém, mais baixo do que os 7,2% registrados em 2016.

Entretanto, segundo pesquisa realizada pela Pearson, entre os 40 países analisados, o Brasil aparece na 39ª posição no ranking de qualidade da educação. Para piorar, de acordo com dados da OCDE, o Brasil é o país que possui o menor salário mínimo para professores do ensino fundamental ao médio entre os 40 países membros da organização.

Tal cenário problemático na educação nacional obriga o governo a tomar medidas como a criação da polêmica política de cotas.

Apesar de existirem muitas opiniões, sejam elas contrárias ou favoráveis, todas são praticamente unânimes em um ponto: nenhuma sabe o real motivo da política de cotas existir. Muitas pessoas de ambas as opiniões acreditam que as cotas existem para corrigirem injustiças históricas realizadas contra determinado grupo. Outras opiniões acreditam que as cotas são uma forma de compensar o ensino básico de péssima qualidade que temos. Todos estão errados.

As cotas não existem para ajudar pessoas consideradas incapazes de entrarem em uma faculdade pública ou serem aprovadas em um concurso público. Muito pelo contrário. Achar que a política de cotas menospreza a capacidade de certas pessoas por pressupor que determinados grupos são incapazes de atingirem determinadas posições é um equívoco porque, se fosse assim, o problema já teria sido resolvido.

A política de cotas não é uma política social e tampouco uma política educacional. As pessoas pensam a política de cotas como se fossem políticas de acesso, como as modificações exigidas por lei para estabelecimentos poderem receber cadeirantes. A modificação física com a construção de uma rampa é uma política para beneficiar o indivíduo cadeirante, diferentemente da política de cotas que busca beneficiar grupos.

Portanto, a política de cotas é uma política cultural. Ela existe para acelerar um processo de acesso de determinados grupos a determinadas posições. Com a política de cotas, certos grupos podem chegar a ocupar mais rapidamente certas posições e espaços, reduzindo assim o estranhamento de ter tais pessoas realizando certos tipos de trabalho.

Tal ideia de benefício ao grupo é o que torna a política de cotas uma política cultural porque as cotas não estão beneficiando o indivíduo agraciado pela política. O benefício ao indivíduo é um subproduto. O indivíduo com o benefício das cotas faz parte de uma política cultural maior com o objetivo central de criar possibilidades de haver pessoas em posições que elas não estão e nem estariam.

À medida que mais pessoas de diferentes grupos sociais começam a ocupar postos antes reservados a apenas um segmento social, quebra-se a cultura de determinadas ocupações serem exclusivas de estratos sociais pré-estabelecidos. Portanto, o estranhamento causado ao nos depararmos com pessoas em locais que não estamos acostumados a vê-las reduz, formando um novo paradigma cultural que aquele trabalho pode ser realizado por qualquer indivíduo.

A política de cotas existe para acelerar algo que demoraria séculos para ocorrer. Caso o processo de acesso a tais posições fosse realizado pelas vias naturais de desenvolvimento educacional, haveria uma perpetuação de uma cultura equivocada de que certos trabalhos são exclusivos de determinados grupos.

Não é esperado que a política de cotas exista para sempre. Ela é uma medida paliativa que deixará de existir quando cumprir seu objetivo. O tempo que levará para que o objetivo seja cumprido dependerá apenas de nós mesmos.



quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O que mais irá embora além dos médicos?



O governo de Cuba optou pela retirada dos médicos cubanos do Programa Mais Médicos por conta das declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro contra a ditadura do governo da ilha caribenha. A decisão cubana reacendeu um problema histórico brasileiro que é a má distribuição médica no território nacional. Com saída de Cuba do Programa Mais Médicos, mais de oito mil médicos cubanos deixarão o país sem médicos em áreas afastadas.

Lançado em 2013, a medida recebeu críticas e elogios da sociedade e de pessoas especializadas no assunto. Entretanto, com a saída de Cuba do programa, muitos têm afirmado que o Mais Médicos era uma forma de financiamento da ditadura cubana e uma afronta aos direitos dos trabalhadores caribenhos e, portanto, o rompimento seria uma forma de combater a ditadura comunista e afastar relações nacionais com nações à esquerda. Porém, tais argumentos são facilmente contestados com um pouquinho de profundidade em estratégias de relações internacionais.

Na verdade, o Brasil tem potencialmente mais chances de sair perdendo do que ganhando com o afastamento de Cuba.

A saída de Cuba do Programa Mais Médicos representaria uma perda de US$ 300 milhões para os cofres nacionais. Obviamente, o impacto seria sentido para um país que possui restrições comerciais impostas pelos EUA. Entretanto, o valor pago pelo Brasil ao governo de Cuba é inferior a 3% do total recebido pelas exportações de serviços de saúde cubanos. Anualmente, Cuba recebe US$ 14 bilhões com a exportação de bens e serviços, sendo US$ 11 bilhões recebidos pelo envio de profissionais da saúde.

Também é relevante destacar a relação comercial entre os dois países. Enquanto Cuba exportou em 2017 para o Brasil US$ 20 milhões, nós exportamos o valor de US$ 346 milhões. Portanto, sem o valor do Programa Mais Médicos, enviado indiretamente pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), a balança comercial com Cuba possui um saldo favorável ao Brasil superior a US$ 326 milhões.

O principal produto de exportação brasileira para Cuba são cortes de aves ou outros despojos congelados com um valor de US$ 58 milhões. Atualmente, as exportações de frango brasileiras sofreram um duro golpe com o embargo imposto pela União Europeia. O Brasil era o maior exportador de frango para o bloco com uma receita de quase US$ 800 milhões ao ano.

As relações internacionais, principalmente as comerciais, são marcadas pela tensão e sempre passíveis de retaliações. A velocidade com que o governo cubano tomou a decisão de retirar os médicos do território nacional chama a atenção. A resposta cubana foi muito rápida, indicando possível existência de margem para negociação e espaço para retaliação. Não existem ingênuos na diplomacia.

O comércio internacional funciona de modo semelhante ao comércio realizado em um shopping. É muito mais fácil você conseguir alguém para vender do que alguém para comprar. Cuba poderia substituir a carne de frango brasileira pela mexicana ou pela carne argentina ou pela americana. Os EUA são os maiores produtores mundiais de carne de frango e gradativamente estão retomando relações diplomáticas com Cuba.

Para agravar a situação, o ministro da saúde, Gilberto Occhi, disse que o governo brasileiro não irá arcar com os custos logísticos da saída dos médicos cubanos do país. O Brasil, por sua vez, poderia dar mais dignidade para os médicos cubanos, tendo em vista que a relação comercial, excluindo os valores do Programa Mais Médicos, é favorável a nós.

A opção por sair do acordo é justificada por todos os argumentos apresentados. Todos os argumentos apresentados são válidos apesar de rasos. Entretanto, o acordo deveria ter sido desfeito de modo a preservar as boas relações internacionais entre os países.

Por mais que Cuba possa ser considerada um país comunista e ditatorial pelo próximo governo, os cubanos são um bom cliente e o dinheiro recebido deles é importante. O dinheiro não tem ideologia, classe social ou gênero. O dinheiro tem valor. Nós precisamos aprender tal lição.


segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Qual a causa para a má distribuição médica?


Após declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro, o governo de Cuba decidiu abandonar o Programa Mais Médicos, retirando aproximadamente dez mil médicos cubanos do território brasileiro.

Instituído pela Lei nº 12.871, de 22 de Outubro de 2013, o Programa Mais Médicos tem como objetivo combater a má distribuição médica no Brasil. Apesar de dados do estudo intitulado Demografia Médica apontar que o Brasil possui 2,18 para cada 1.000 habitantes, o grande território, parcialmente coberto por florestas densas, cria um enorme desafio para a garantia do acesso universal à saúde garantido pela Constituição de 1988. Enquanto algumas regiões como o Rio de Janeiro e o Distrito Federal possuírem mais de 3,0 médicos para cada 1.000 habitante, Estados como Maranhão e Pará possuem menos 1,0 médicos para cada 1.000, número bem abaixo da estimativa ideal de 2,0 a 2,5 médicos para cada 1.000 habitantes.

A distribuição equitativa de médicos é um problema social e político que afeta praticamente todos os países do mundo. No Brasil, o problema da má distribuição médica é antigo e diversos governos tentaram criar medidas para combatê-lo, à saber: Projeto Rondon; Programa de Interiorização do SUS (PISUS); Programa de Migração do Trabalho para a Saúde para o Interior (PITS); Telessaúde; Programa de Apoio à Formação de Doutores Especialistas em Áreas Estratégicas; Fundo de Financiamento do Estudante do Ensino Superior (FIES); Programa de Valorização dos Profissionais de Saúde Básica (PROVAB). Entretanto, mesmo com todos os esforços, o problema permanece até os dias atuais.

A principal responsável pela má distribuição médica no Brasil é a desigualdade social e econômica brasileira. Enquanto São Caetano do Sul e Florianópolis possuem IDH superiores a Portugal e Chile, Fernando Falcão (MA) e Melgaço (PA) são piores que Serra Leoa, Haiti e Moçambique. Ao todo, vinte e oito municípios brasileiros têm IDH inferior ao Haiti e novecentos e vinte e sete possuem IDH piores do que Angola. Colocar um médico para trabalhar em tais regiões é semelhante a colocá-lo para trabalhar na parte mais pobre e miserável da África.

O problema da distribuição médica é muito complexo de ser resolvido. O problema existe porque o Brasil é desigual. Entretanto, para reduzir a desigualdade, são necessários médicos. Porém, para ter médico, é preciso reduzir a desigualdade. Um problema gera o outro em um ciclo sem fim.

O fato de o Brasil ser desigual gera desigualdade no acesso de opções de lazer e entretenimento, opções de consumo, oportunidades de emprego para o cônjuge e boa educação para os filhos dos médicos. Portanto, a solução simples e superficial defendida por muitos de pagar mais para os médicos ocuparem tais regiões é insuficiente. Se uma pessoa tem dinheiro e não tem como e onde gastá-lo, o dinheiro perde a utilidade porque só existem duas formas de utilizá-lo: comprar produtos e serviços ou queimar o papel para aquecimento durante o frio.

Além da falta de opções para gastar o dinheiro, a enorme desigualdade brasileira prejudica o acesso à estrutura mínima ideal para o médico realizar o atendimento. É extremamente comum os postos de saúde de cidades menores sofrerem com o abastecimento de produtos simples e necessários como gaze, esparadrapo e papel higiênico. Lembre que novecentos e vinte e sete municípios possuem IDH piores do que de Angola.

Em uma situação de calamidade como várias cidades estão, o risco de um médico ser processado por algum procedimento mal realizado é muito grande. Para um médico, um processo judicial possui um nível de estresse semelhante a problemas financeiros graves e morte de pacientes. Portanto, mesmo com um alto salário, que o médico não teria como usufruir, ir para algumas regiões é muito arriscado.
Os médicos cubanos aceitaram a ir para tais regiões porque ficariam provisoriamente e tiveram garantias não atendidas de que teriam boas condições de trabalho. Eles nunca foram a primeira opção para a ocupação. Em primeiro lugar seriam os médicos brasileiros formados no Brasil e depois os médicos brasileiros formados no exterior. Se após as duas seleções as vagas continuassem sem ocupantes, os médicos cubanos seriam chamados.

O problema da má distribuição médica é muito complexo e problemas complexos exigem soluções complexas. Soluções complexas exigem mais do que frases prontas e discursos rasos como “Mais Médicos Brasileiros” e que médicos são elitistas. Uma boa forma de iniciarmos o combate aos problemas complexo do país é com seriedade e profundidade de ideias.



sábado, 17 de novembro de 2018

De que lado você está?


Estamos vivendo um período de guerra cultural no mundo e também no Brasil. Talvez, o termo “guerra cultural” possa ser considerado impróprio por alguns porque um embate entre culturas é algo maior onde um país tenta impor seus valores a determinadas nações, utilizando a cultura como propaganda de um estilo de vida. Os Estados Unidos sempre foram excelentes em tal prática de guerra fria ao utilizarem o cinema como forma de propagação cultural. De tantos vermos nos cinemas as crianças americanas fantasiadas e pedindo doces, começamos a ter os mesmos hábitos no dia 31 de outubro.

O termo mais apropriado talvez seja “batalha ideológica” por se tratar de algo menor do que uma guerra e mais relacionado com sobreposição de pensamentos ideológicos do que sobreposição de culturas. Entretanto, “guerra cultural” é obviamente um termo muito mais chamativo e impactante, sendo necessário em uma sociedade que adora o espetáculo.

Compreender que vivemos em uma sociedade do espetáculo é importante para entender a guerra cultural. Em uma sociedade do espetáculo, as pessoas deixam de consumir produtos ou serviços e passam a consumir o espetáculo que tais produtos ou serviços proporcionam. Quanto maior o espetáculo, maior a chance de consumo e, principalmente, maior o valor transmitido. Vencer a guerra cultural passa pelo quanto de espetáculo uma ideologia proporciona.

Outro ponto importante da guerra cultural é a iconografia. Toda cultura possui representações visuais de símbolos e imagens que transmitem algum significado e determinam características da cultura adotada. A iconografia é uma das representações máximas de uma cultura e guia o comportamento e sentimentos das pessoas abrangidas pela cultura.

Quando a iconografia é colocada na sociedade do espetáculo, ocorre a transmissão de tais símbolos e entendimentos para todo o imaginário coletivo. Na guerra cultural dos Estados Unidos, os filmes são os maiores espetáculos que pulverizam a comunicação cultural para os outros países. Na guerra cultural brasileira, ou batalha ideológica, as redes sociais fazem o papel dos filmes.

A grande falha da esquerda nos últimos anos foi a falta de entendimento do novo paradigma democrático. A democracia hoje é feita online por vídeos, fotos e mensagens. Quem dominar a propagação de conteúdo em tais canais irá vencer a guerra cultural.

Após as manifestações de junho de 2013, explodiram diversos movimentos com inclinação à direita no Brasil. Por serem pioneiros, tais movimentos dominaram a comunicação e conseguiram propagar a iconografia desejada. Ajudados por uma onda conservadora global, os movimentos de direita cresceram, ocuparam espaços e criaram barreiras contra a penetração de movimentos de esquerda de grande expressão nas redes. Com discursos bélicos, ataques pessoais e conteúdo acessível para a classe média, os movimentos de direita compreenderam e desenvolveram o espetáculo que a sociedade queria consumir para dominarem o imaginário popular.

Com o domínio das mídias, foi possível desenvolver a iconografia necessária para blindar o avanço da esquerda e propagar a mensagem da direita ao poder. Ao longo dos anos, políticas raciais e sociais foram associadas a aspectos negativos; a pobreza foi associada a uma questão de meritocracia e esforço pessoal; e o comunismo e o socialismo foram ligados com a miséria e a opressão. Sem as pessoas entenderem de fato o que cada um dos pontos anteriores significava, a guerra cultural vencida pela direita associou tais arquétipos de modo negativo ao imaginário popular. Portanto, quando ouvimos comunismo ou políticas de cotas, instantaneamente pensamos em algo negativo.

Apesar dos movimentos de esquerda também terem buscado a associação de elementos da direita com ideações negativas, como o fascismo e o nazismo, o impacto foi muito menor. Primeiramente, o espaço a ser utilizado já estava ocupado por integrantes da direita com uma estrutura muito maior e com mais abrangência para uma defesa rápida com mais espetáculo. Em segundo lugar, a iconografia utilizada pela esquerda era incompatível com o imaginário popular já dominado e o discurso “lacrador” já demonstrava sinais de fadiga.

Para a esquerda equiparar forças na guerra cultural, será necessário uma reformulação do discurso e repaginação da iconografia utilizada. O discurso lacrador e politicamente correto perdeu força. Qualquer ícone dito de esquerda que iniciar a fala com discurso “lacrador” será imediatamente associado a vitimização e perderá força. A abordagem precisa ser feita de outra forma.

sábado, 3 de novembro de 2018

Desde quando começamos a ter protagonismo geopolítico?


Um dos pontos que tenho achado positivo no presidente eleito Jair Bolsonaro é a capacidade de voltar e rever alguns conceitos e decisões. Depois de decidir pela fusão do Ministério da Agriculta com o Ministério do Meio Ambiente, Jair Bolsonaro repensou e decidiu mudar sua opinião, tendo em vista que tal junção seria péssima para os negócios. Grandes consumidores do agronegócio brasileiro possuem regras ambientes muito severas para compra de produtos agrícolas e tal fusão poderia impactar negativamente os negócios, causando preocupação em vários ruralistas, como Blairo Maggi.

Agora, a polêmica da vez é a transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.

Durante muitos anos, a capital de Israel foi Tel Aviv, sendo Jerusalém uma cidade praticamente neutra por ter importância religiosa para cristãos, judeus e muçulmanos. Em 2017, o governo de Israel decidiu mudar a capital do país para Jerusalém, um ato considerado como uma afronta para a comunidade muçulmana, causando ainda mais atrito em uma região conflituosa. Logo em seguida, Donald Trump e os EUA, aliados históricos de Israel, reconheceram a nova capital e mudaram a embaixada de local.

O restante do mundo, ou pelo menos os países que possuem alguma importância internacional, permaneceram neutros diante da ação israelense porque qualquer posicionamento equivocado pode insuflar grupos terroristas árabes contra suas nações. A União Europeia, temendo um caos maior na Europa por conta do terrorismo, mostrou-se contrária à mudança em diversas oportunidades.

Em geopolítica, muitas vezes a melhor posição a se tomar é justamente não tomar posição. Esperar pelos desdobramentos é quase sempre a melhor opção a se tomar principalmente em um conflito ético e religioso complexo e espinhoso como a situação envolvendo Israel e Palestina.

Entretanto, o presidente eleito Jair Bolsonaro, em uma ânsia de demonstrar um protagonismo internacional que o Brasil não tem, decidiu endossar a decisão israelense e americana mudando a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém. Mesmo se for uma decisão para aumentar o apoio dos cristãos no Brasil, Jair Bolsanaro já tem um respaldo considerável de tal grupo. Além do mais, tal mudança em nada beneficia os cristãos porque Jerusalém é “posse” dos judeus agora, deixando de ser um território acima dos conflitos religiosos históricos.

Obviamente, a decisão foi vista de modo negativo pela comunidade internacional e, até o momento, os impactos positivos da mudança são mínimos frente à indisposição causada com os países árabes.

Apenas um dia após a declaração de Jair Bolsonaro, o Hamas, partido político palestino, considerado por alguns como um grupo terrorista, considerou a medida como sendo hostil em direção ao povo palestino e ao mundo árabe e muçulmano. Ao apoiar Israel, Jair Bolsonaro afrontou o Hamas e nos colocou em uma potencial rota para o terrorismo árabe.

O Brasil é um país completamente livre do terrorismo internacional. Nossos problemas internos já são enormes sem a preocupação de termos bombas explodindo nos metrôs. Diferentemente dos EUA e União Europeia, nós não temos a expertise necessária para combater o terrorismo. O combate ao terrorismo é uma tarefa árdua e extremamente complexa e mesmo com os avançados serviços de inteligência que EUA e União Europeia possuem, ataques ocorrem com certa freqüência.

A decisão de Jair Bolsonaro causou um problema geopolítico desnecessário para o Brasil. Nossas preocupações são outras e estão no âmbito social e econômico.

Porém, a decisão de Jair Bolsonaro é tão nociva para o Brasil que possivelmente afetará acordos de comércio internacional com o mundo árabe. Juntos, os países árabes são o segundo maior comprador de proteína animal brasileira. Para se ter uma noção da importância do comércio com os árabes, em 2017, as exportações para tais países somaram US$13,5 bilhões e o superávit para o Brasil foi de US$ 7,17 bilhões. De acordo com Rubens Hannun, presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, a decisão de Jair Bolsonaro abre portas para concorrentes como Turquia, Austrália e Argentina.

O comércio de carne com os árabes já passou por ruídos por conta da Operação Carne Fraca e da greve dos caminhoneiros. Porém, nada tão severo quanto a mudança da embaixada para Israel.

Em menos de uma semana, Jair Bolsonaro tomou duas decisões que impactam diretamente o agronegócio brasileiro, setor que o ajudou a eleger-se. Se o presidente eleito continuar tomando decisões prejudiciais ao agronegócio, nossa principal fonte de exportações e superávit comercial, o apoio será perdido em pouquíssimo tempo.

Da mesma forma que Jair Bolsonaro reviu a posição de fundir o Ministério da Agricultura com o Ministério do Meio Ambiente, espero que a decisão de mudar a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém também seja revista. Caso o governo continue tomando decisões prejudiciais ao agronegócio e mantenha a decisão sobre Israel, o presidente eleito, além de perder o apoio dos ruralistas, também irá perder o apoio das elites que começarão a ter a tão sonhada experiência de viver na Europa mesmo estando no Brasil. Experiência completa, incluindo o temor ao terror.

domingo, 28 de outubro de 2018

Bolsonaro presidente



Jair Bolsonaro é o novo presidente do Brasil. Com sentimentos aflorados, vamos respirar para tentarmos analisar com calma e seriedade pontos importantes para além da superficialidade.

Os que se preocupam com as questões sociais podem ficar tranquilos porque nada irá mudar. O interesse do presidente eleito com tais pautas é puramente a margem para negociação com a esquerda. Com a redução dos ministérios prometida por Jair Bolsonaro, a quantidade de cargos disponíveis para compor aliados será menor e o afrouxamento de tais pautas sociais será necessário para a que haja aprovação das pautas econômicas como privatização, reforma da previdência, reforma trabalhista e reforma tributária.

O grande problema está nas mudanças nos direitos trabalhistas. Se Jair Bolsonaro fizer as mudanças afetando todos os brasileiros, ele afetará também os militares que o apoiaram, perdendo um apoio importantíssimo do qual ele não é tão bem visto pelo alto escalão do exército como as pessoas imaginam. Basta lembrar que Jair Bolsonaro foi expulso do exército por indisciplina e o grande apoio que recebeu vem do baixo clero. Por outro lado, se Jair Bolsonaro mantiver os direitos dos militares, ele terá uma indignação muito grande da população que o elegeu, causando a revolta dos sindicatos que poderão atuar livremente na oposição já que deixaram a base aliada do governo.

Para piorar a situação, há a inclinação para uma composição com o DEM, um partido da base aliada do governo Michel Temer. É muito provável que Jair Bolsonaro tenha vários aliados que atualmente compõem com o atual governo. Tal situação é uma armadilha para o presidente eleito porque, se deixar de compor com a atual base do governo, terá pouca governabilidade, porém, se compor, poderá ser visto como uma continuação do governo Michel Temer, governo que teve a maior margem de reprovação da história.

É importante lembrarmos que muitos eleitores do presidente eleito tiveram seus votos na esperança de uma mudança do sistema e no antipetismo, muito mais do que um voto fiel à figura de Jair Bolsonaro. Portanto, existe uma fragilidade no apoio do eleitorado que poderia ver como uma enorme traição a composição com o governo Michel Temer.

Paralelamente, há aquela que talvez seja a grande eleição: Lula contra Ciro pelo controle da oposição. Sem sair da cadeia, sem aparecer publicamente e sem o apoio declarado do terceiro colocado no primeiro turno, Lula conseguiu que seu candidato tivesse aproximadamente 45% dos votos válidos. Uma votação muito expressiva para um candidato desconhecido, mostrando uma relevância de Lula e indignação com o presidente eleito.

Seu opositor, Ciro Gomes, sabe que teria suas pretensões políticas destruídas caso declarasse apoio a Fernando Haddad e por isso declarou voto em favor da democracia. Em declaração após votar, Ciro Gomes foi além e disse que nunca mais irá fazer campanha para o PT. Uma clara posição de deslocamento do PT na tentativa de ser uma opção viável para a esquerda. Jogada inteligentíssima para alguém com pretensões para 2022.

O embate entre Lula e Ciro Gomes será muito interessante de ver e analisar as declarações de cada um dos lados. Fernando Haddad, inteligentemente, irá condicionar sua derrota na falta de apoio de Ciro na tentativa de arranhar a imagem de seu futuro concorrente na oposição que será fácil de ser feita porque Jair Bolsonaro criou armadilhas para si com seu plano de governo, necessário para sua aprovação e vitória. Existe uma grande massa de pessoas havidas e capazes para realizarem oposição, mas precisarão de um guia. Portanto, fiquemos atentos aos próximos passos de Ciro Gomes, do PT e de Lula, tendo sempre em mente a disputa para 2022 e o controle da oposição.

Aos derrotados, desejo calma e seriedade porque a situação não será tão ruim quanto imaginam. Aos vencedores, desejo calma e seriedade porque a situação não será tão boa quanto imaginam.

sábado, 27 de outubro de 2018

Será Lula o grande vencedor?



Apesar de muitas pessoas considerarem o ex-Presidente Lula uma figura execrável, temos que admitir, por mais que possa doer em alguns, a sua genialidade política. Alguns podem rebater o meu dizer com adjetivos para desqualificar a pessoa, referindo-se ao seu gosto por etílicos ou ao fato de sua prisão, porém, nunca contestarão sua capacidade política e a eleição de 2018 é mais um prova do quanto Lula é genial e poderoso.

É discutível se Lula foi o melhor presidente do país. Alguns dizem que foi Getúlio Vargas. Outros podem questionar que Lula apenas soube aproveitar a onda deixada por FHC e o bom momento chinês. Entretanto, méritos a Lula que soube surfar tal onda apesar da crise de 2008. Lula surfou tão bem a onda que encerrou seu governo com uma aprovação recorde e se tornou uma verdadeira instituição. Instituição que, mesmo arranhada, ainda o faz o homem mais poderoso da América Latina, capaz de atuar e influenciar diretamente no resultado da eleição de 2018 mesmo estando preso.

Praticamente todos os eleitores de Jair Bolsonaro, mesmo a parcela de 20% da população brasileira com ideações fascistas, justifica seu voto com sentimentos anti-PT, possivelmente travestidos de sentimentos anti-Lula, pois Lula é a figura principal do Partido dos Trabalhadores. Nas manifestações pró Bolsonaro, é comum ver o Pixuleco. Se Lula fosse irrelevante igual Haddad, sua imagem jamais estaria sendo utilizada para angariar e consolidar votos em Bolsonaro.

Também é verdade que praticamente todos os eleitores de Fernando Haddad estão votando em um poste de Lula. De dentro cadeia e sem aparecer publicamente, Lula vai conseguir que seu candidato tenha 45% dos votos aproximadamente. Uma votação altamente expressiva para um candidato completamente desconhecido do grande público, sendo suficiente para consolidar o PT e Lula como a principal oposição ao governo de Jair Bolsonaro.

Lula sabe que dificilmente iria conseguir governar um país de dentro da cadeia. Porém, conseguirá fazer a oposição perfeitamente.

Arrisco dizer que Lula sabia que desde o princípio dificilmente iria vencer a eleição. Desde 2014 quando Dilma venceu as eleições de modo bem apertado, uma “onda azul” tomou o mundo e elegeu diversos governantes em vários países. No Brasil, a “onda azul” elegeu diversos prefeitos na eleição de 2016 e iria reverberar até 2018. Talvez, Lula pensasse que o possível vencedor da atual eleição seria Geraldo Alckimin ao invés de Jair Bolsonaro.

Na coluna de Mônica Bérgamo do jornal A Folha de São Paulo, Lula diz abertamente que a vitória apertada de Jair Bolsonaro mudará o patamar da oposição e que o saldo já é positivo mesmo em caso de derrota nas urnas. A vitória apertada alçará a oposição para um novo patamar, complicando a situação do novo governo.

Mesmo alguns podendo dizer que o discurso de Lula é fala de conformismo com a derrota, eu discordo. A “onda azul” global e os resultados da eleição de 2014 indicam que a vitória do PT seria muito difícil. Portanto, seria muito importante para o projeto de poder de Lula que ele tivesse o controle da oposição após 2018.

Ao longo dos anos, Lula sempre solapou todas as grandes figuras da esquerda, com exceção de Ciro Gomes. Entretanto, mesmo de dentro da cadeia, Lula conseguiu articular a neutralidade do PSB que inclinava apoio a Ciro, isolando o pedetista e reduzindo seu tempo de televisão para poucos segundos. A jogada minou o crescimento e as pretensões políticas do adversário, reduzindo a influência de Ciro Gomes ao Nordeste onde Lula é igualmente influente.

Com o término da eleição, Lula atingiu seus objetivos: conseguiu dar a um candidato desconhecido uma votação expressiva, minou outros postulantes ao controle da esquerda, manteve o PT vivo e relevante com a maior bancada do Congresso Nacional, comandará a oposição e reforçou sua imagem de poder.

O grande sonho de Lula é sair da cadeia para o Palácio do Planalto como Nelson Mandela, perpetuando sua imagem de herói para a história. A ganância de poder do ex-Presidente é tão grande quanto sua genialidade. No fim, a eleição de 2018, mais do que eleger Jair Bolsonaro, serviu para consolidar Lula como o homem mais poderoso do Brasil e da América Latina, um espectro que rondará continuamente o Brasília até 2022.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

O Brasil é de esquerda. E agora?


Em pesquisa recente do Instituto Datafolha, foi revelado que o brasileiro tem perfil com tendências à esquerda. Tal informação é muito importante por revelar pontos relevantes do perfil do eleitorado e pautar a disputa para 2022.

Após o período da redemocratização, o Brasil elegeu apenas um candidato visto como representante da direita, Fernando Collor, e está prestes a eleger o segundo, assumidamente um direitista, Jair Bolsonaro. Mesmo Fernando Henrique Cardoso, que fez um governo à direita, era visto como um social democrata quando eleito. Portanto, historicamente, o brasileiro tem uma simpatia com a esquerda.

A pesquisa do Datafolha revela que a vitória de Jair Bolsonaro é mais um voto de protesto contra o Partido dos Trabalhadores do que um “endireitamento” da população. Para embasar o argumento, vamos aos números: 51% acham que a ditadura deixou mais realizações negativas do que positivas, 72% discordam da proibição de greves, 51% discordam da intervenção nos sindicatos, 61% discordam da proibição de existência de partidos, 72% discordam da censura, 71% discordam do fechamento do Congresso Nacional, 62% discordam de prender suspeitos sem a autorização da Justiça e 80% discordam da tortura.

Já que a população possui um viés à esquerda, a pergunta que surge é: por que Jair Bolsonaro irá vencer a eleição?

A pesquisa do Datafolha revela que 42% não acreditam que ocorrerá uma nova ditadura e 19% acham que há pouca chance de ocorrer. As informações mostram que as pessoas confiam na democracia e acreditam em um Estado democrático. Portanto, as campanhas que associam Jair Bolsonaro à ditadura são ineficazes, pois uma parcela considerável da população acha que ela nunca irá voltar a ocorrer. É como tentar assustar um adulto com histórias de monstros que ele deixou de acreditar há tempos.

Também é relevante destacar o descrédito das instituições, sejam elas os partidos políticos, a imprensa, a política em si e a “instituição Lula”, mesmo Lula ainda sendo muito poderoso. Porém, é necessário dizer que aproximadamente 20% da população brasileira é de fato fascista e votaria em um candidato da direita de qualquer forma. Se estiver duvidando, basta ver que 23% concordam com a censura, 21% concordam em fechar o Congresso Nacional e 32% acham que a ditadura foi positiva.

Com os números apresentados, é possível analisarmos o panorama político atual: é bem provável que o governo de Jair Bolsonaro seja um desastre. O motivo para o desastre anunciado é bem simples: falta coesão dentro da equipe presidencial. Jair Bolsonaro nunca foi um neoliberal como Paulo Guedes, muito pelo contrário, as posições do candidato sempre foram estatistas. Os militares que o apóiam são estatistas e outros neoliberais. O seu vice-presidente é insubordinado. Os apoiadores eleitos para o Congresso Nacional são fracos e estão lá por interesses particulares. Será apenas uma questão de tempo para as cabeças começarem a bater.

E, aparentemente, já começaram: Jair Bolsonaro que era contrário ao 13º salário já começa a dizer que haverá um 13º no Bolsa Família, revelando um passo à esquerda. Pois, Jair Bolsonaro sabe que o eleitor brasileiro é simpático com a esquerda e precisará abandonar algumas idéias de direita para governar.

Longe de Brasília, mais precisamente em Curitiba, está o Ex-Presidente Lula que, apesar de todos os seus defeitos, sabe ler e interpretar contextos políticos como poucos. Lula dificilmente poderia comandar o país da candeia. Porém, pode muito bem comandar a oposição. Lula sabe que o brasileiro é simpático à esquerda e tem ciência que a porta de entrada para seu retorno ao poder estará aberta com o provável desastre do governo de Jair Bolsonaro.

Entretanto, existe um obstáculo entre Lula e sua volta ao Palácio do Planalto: Ciro Gomes.

Apesar de Ciro Gomes ter tido apenas 12% dos votos, ele sai extremamente fortalecido da eleição de 2018. Ciro Gomes é o candidato ideal para canalizar toda a simpatia da população com a esquerda: está desvinculado do Partido dos Trabalhadores, tem menos sede por poder do que Lula, é inteligente e, mais importante de tudo, é, até o momento, honesto.

De todos os programas de governo dos presidenciáveis, o de Ciro Gomes era o melhor. O programa de Ciro Gomes era tão bom que todos os debates foram pautados por ele e partes consideráveis foram incorporadas nos programas de Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. Talvez, somente Geraldo Alckmin possuísse um programa de governo capaz de discutir com o de Ciro Gomes. Entretanto, o programa de Ciro Gomes era tão bom que estará aplicado em 2019, seja por Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad.

É importante mencionar que Ciro Gomes conseguiu resistir ao Ex-Presidente Lula. Lula sempre conseguiu colocar em escanteio seus pares políticos de destaque para poder comandar a esquerda de forma absoluta, falhando apenas com Ciro Gomes.

O futuro revela uma disputa ferrenha pelo controle da oposição entre Lula e Ciro até 2022. Enquanto a população está entorpecida com a “caça” aos comunistas da Guerra Fria à brasileira, os bastidores estão fervendo. Talvez, desde o princípio, o que esteve de fato em jogo sempre foi o controle da esquerda, tendo a disputa presidencial ficado em segundo plano. Aquele que comandar a esquerda em 2019 será o presidente em 2023.

Se o plano de Lula era, desde o começo, comandar a esquerda e não o Palácio do Planalto, ele usou todos nós. Se isso for verdade, só posso admitir que Lula é um gênio. Se a inteligência de Ciro conseguirá derrotar a genialidade de Lula, precisaremos esperar mais alguns anos pela resposta. 

Aguardemos.