quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Paulo Guedes é o presidente paralelo

Após sete meses completos de governo Bolsonaro, ficou clara a existência de dois presidentes dividindo as atribuições do Planalto. Além de Bolsonaro, o presidente formal, há Paulo Guedes, o presidente informal do Brasil.

Recentemente, ao ser questionado pela piora de praticamente 50% dos indicadores governamentais avaliados pelo jornal A Folha de São Paulo, o presidente respondeu dizendo “falem com Paulo Guedes”. Ao jogar a responsabilidade para o ministro e fugir da pergunta, Bolsonaro revelou espontaneamente uma divisão no poder.

A divisão surgiu pela incapacidade de Bolsonaro tocar o projeto neoliberal pretendido pelo capitalismo financeiro. O presidente não apresenta as características necessárias para o projeto, mostrando-se um sindicalista militar e familiar nos anos em que esteve no Congresso.

Entretanto, Bolsonaro é útil ao neoliberalismo contanto que não atrapalhe e permita que Paulo Guedes, um embaixador do capital financeiro, faça as reformas pretendidas pelo mercado.

Paulo Guedes é, portanto, o representante do capitalismo financeiro que de fato governa o país e permite Bolsonaro continuar brincando de presidente com suas pautas irrelevantes.

É Paulo Guedes quem toca e decide os rumos e o projeto da economia, cabendo a Bolsonaro apenas a assinatura. Foi de Paulo Guedes o projeto para a reforma da Previdência. Bolsonaro nunca mostrou entusiasmo com o projeto, forçando o ministro da Economia a convencer seu superior da importância da reforma em mais de uma oportunidade.

Perceba, caro leitor, que mesmo após o surgimento de um sentimento anti-bolsonarista, contendo integrantes da esquerda e também da direita, as críticas da direita recaem sobre Bolsonaro, poupando Paulo Guedes.

A direita é simpática ao projeto neoliberal e poupa Paulo Guedes das críticas por também ser favorável à reforma da Previdência, a menos direitos trabalhistas e à reforma tributária.

É comum ao ouvirmos uma crítica ao comportamento de Bolsonaro, escutarmos elogios a Paulo Guedes na mesma frase, passando a impressão que Guedes não faz parte do governo. O que é possivelmente verdade.

Paulo Guedes está no governo somente para cumprir com a agenda neoliberal.

As agendas de ambos são completamente diferentes e Bolsonaro não demonstra preocupação com a pauta econômica. Apesar de governar para um país inteiro, Bolsonaro faz um governo para um terço da população que o apóia de modo incondicional desde o primeiro turno das eleições passadas. Tais eleitores buscam um presidente que queira melhorar a segurança urbana, combater a corrupção e defender as famílias.

Em mais de uma oportunidade, o presidente já demonstrou enfado e descaso ao ser questionado com perguntas voltadas à economia. Durante a campanha, o então candidato tratava-se de fugir da pauta econômica dizendo para perguntarem a Paulo Guedes, apelidado de “Posto Ipiranga”.

Quando tentou brincar no parquinho da economia, Bolsonaro interferiu no preço dos combustíveis fazendo o mercado acionário despencar e o capital financeiro ligar o alerta. Intromissões estatais à base da canetada não serão bem vindas. Por enquanto, o presidente entendeu o recado e parou de palpitar no governo do presidente informal.

Com menos de seis meses de governo, Bolsonaro entendeu rapidamente que terá vida longa como presidente se não interferir no governo Paulo Guedes. Para chegar ao final do mandado com chances de ser reeleito em 2022, Guedes precisa ter carta branca e pouca intromissão. Caso o contrário, a mão invisível do mercado será muito visível para defenestrar Bolsonaro do Planalto.

domingo, 4 de agosto de 2019

Povo acima de tudo, Bolsonaro acima de todos


Confesso a você, leitor, que nunca dei muita importância, além da eleitoral, para o slogan da campanha de Bolsonaro “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. O slogan repetido à exaustão por Bolsonaro candidato e por Bolsonaro presidente posteriormente sempre pareceu para mim um aceno para a comunidade evangélica. Uma comunidade que pode estar vendo na política uma forma até de aliviar a repressão religiosa sobre si mesma, ou seja, colocando no âmbito público as restrições e opressões vividas no âmbito privado que, inconscientemente, estavam vendo como pouco suportáveis.

Entretanto, depois de alguns meses de análise do comportamento do presidente, começo a ter outra interpretação sobre o slogan. Na minha nova forma de interpretar, tento observar as entrelinhas do slogan e vejo que Bolsonaro está falando sobre si mesmo ao citar Deus e sobre o povo ao falar sobre o Brasil.

Mais de uma vez o presidente já disse que todo o poder emana do povo. Portanto, se todo o poder emana do povo, quem possui o poder é povo. Sem povo, não há poder. Sendo assim, as instituições brasileiras, incluindo a própria pátria, só possuem poder por conta do povo. Logo, é o povo que está acima de tudo, desde as instituições até o país.

Acima do povo estaria Deus no slogan de Bolsonaro. Entretanto, para Bolsonaro, ele é o próprio Deus. Portanto, ele está acima do povo. Logo, também está acima das instituições e do próprio país.

Tal pensamento justifica ações do presidente que contrariam e passam por cima das instituições nacionais. O caso da indicação de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, para ser embaixador nos EUA é um exemplo. Bolsonaro passar por cima dos ritos estabelecidos pelo Itamaraty para favorecer seu próprio e admite sem o menor pudor que irá favorecer sua prole. Bolsonaro só age assim porque pensa estar acima de tudo.

Outro episódio foi a contestação de dados oficiais do INPE sobre o desmatamento. O INPE é um órgão do próprio governo. Se Bolsonaro contesta dados oficiais emitidos pelo governo sem ter conhecimento para tal, ele se coloca acima do próprio governo.

Quando o povo está acima das instituições, as referências estão perdidas. O modelo a ser seguido é sempre mais elevado do que nós. Buscamos uma grandeza a ser seguida, uma santidade quase inalcançável que nos guiará para a perfeição. Se as instituições estão abaixo do povo, elas perdem o seu valor de guia e inspiração.

Tudo o que está abaixo do povo é mundano e descartável. Bolsonaro, porém, como sendo o único acima do povo, torna-se o guia natural e única referência a ser seguida pelos brasileiros. Ele garante a si próprio um ar místico e santificado, blindando-o das acusações das instituições mundanas que estão abaixo do povo.

Por ser o guia natural mais elevado, Bolsonaro se coloca como a única opção disponível para seus eleitores em 2022.

Muitos criticam Bolsonaro por ele não ter um projeto de governo. De fato, o presidente não possui um. Porém, ele possui um projeto de poder em curso e as constantes pesquisas de avaliação que apontam uma aprovação sistemática de 30% da população mostram que está dando certo.