sábado, 22 de junho de 2019

Bolsonaro e Doria precisam de São Paulo


O professor de Filosofia da UNICAMP Marcos Nobre concedeu uma entrevista interessante ao portal UOL. Na entrevista, o professor fez uma análise única de Bolsonaro que nenhum outro pensador havia feito na grande mídia até o momento.

Um dos momentos altos da entrevista é a análise sobre a relação de Bolsonaro com os partidos da direita, em especial o DEM. Na visão do professor Marcos, Bolsonaro é um presidente de extrema-direita em um governo de direita. Portanto, possui base e apoio frágeis da população porque a quantidade de extremistas de direita é baixa.

Sabendo disso, o presidente precisa trazer para perto aqueles partidos chamados de “direita democrática”, representados pela figura do DEM. Para conseguir uma coalizão de partidos da direita, Bolsonaro tem dois caminhos: negociar ou influenciar.

Negociar com os partidos está fora dos planos do presidente. Na visão de Bolsonaro, negociar com o Congresso é fazer corrupção, mesmo o presidente sabendo que as coisas não são bem assim. No início do mandato, Bolsonaro buscou negociar diretamente com as bancadas, mas não obteve sucesso e os partidos mandaram vários recados em votações iniciais.

Sem a possibilidade de negociar, Bolsonaro irá tentar trazer os partidos da direita pela influência. Para influenciar os partidos, o presidente precisará mostrar que possui capital político. Para tanto, as eleições municipais de 2020 são essenciais.

Bolsonaro precisa das eleições municipais para preparar o terreno para sua reeleição ou para a eleição do sucessor. Se o presidente conseguir influenciar as eleições municipais elegendo apadrinhados nos principais colégios eleitorais do país, seu capital político estará comprovado e os partidos de direita irão vir para perto do PSL naturalmente na visão presidencial.

Há também outro fator importante, além de vencer, os apadrinhados de Bolsonaro precisariam derrotar os candidatos dos partidos da direita democrática. É possível que um partido grande como o PSDB não se curve inicialmente a uma coalizão com Bolsonaro para 2020. Portanto, se os candidatos de Bolsonaro vencerem os candidatos do PSDB, a ascensão do presidente sobre o partido e sobre a direita será muito grande.

O objetivo é transformar os partidos da direita democrática em comensais. No reino animal, muitos peixes menores nadam junto com grandes tubarões para obterem seu alimento com as sobras deixadas pelo grande predador. Na política, Bolsonaro quer estabelecer a mesma relação de comensalismo com os partidos da direita: para a direita continuar sobrevivendo, ela precisará estar junto com Bolsonaro ou a esquerda irá voltar ao poder.

Em um cenário tão interessante, a minha atenção está especialmente voltada para um dos principais colégios eleitorais do país: a cidade de São Paulo. A disputa municipal em São Paulo promete ser a maior desde os anos 2000 com Mário Covas, Paulo Maluf e Marta Suplicy. Muitos candidatos são especulados para disputar o posto de prefeito da cidade.

Além da acirrada disputa, há ainda a presença do governador João Doria. João Doria é hoje o líder do PSDB e possui ambições de disputar a cadeira presidencial em 2022. Particularmente, não vejo outro candidato que poderia derrotar Bolsonaro se as eleições fossem hoje, nem mesmo candidatos da esquerda, tendo em vista que Lula está preso.

É uma possibilidade quase certa a tentativa de eleição de Bruno Covas do PSDB, candidato natural de João Doria. Se Bolsonaro quiser mostrar capital político, precisará colocar um candidato do PSL para disputar contra Bruno Covas. O pleito em São Paulo de 2020 ficaria uma prévia interessante de uma provável disputa entre Bolsonaro e Doria em 2022.

Em 2018, Bolsonaro relutou em receber apoio direto de João Doria. O presidente eleito sabia que o apoio inicial iria durar até 2020, passando de aliado a adversário político.

Se para alguns a eleição de 2022 está muito longe, as eleições de 2020 estão logo ali. Para as pretensões de dois dos principais candidatos ao pleito, a disputa em São Paulo é estrategicamente importante. Se a disputa em São Paulo já é interessante pelo embate indireto ente Doria e Bolsonaro, tudo ficaria ainda mais interessante se um candidato da esquerda vencesse a disputa.

terça-feira, 11 de junho de 2019

Sérgio Moro nos coloca numa vida retirante


O vazamento das mensagens entre Sérgio Moro e o Ministério Público causaram um problema que transcende a esfera do campo jurídico. Ao mostrar que mantinha relações com um dos procuradores enquanto era juiz, Sérgio Moro violou o artigo 254 do Código do Processo Penal, a saber: o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes se, dentre outras situações previstas nos incisos, for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles e/ou se tiver aconselhado qualquer das partes.

Ao violar o código, Sérgio Moro pode ser considerado alguém sem isenção para julgar o caso, provocando a possibilidade de nulidade do processo. Em termos mais simples, a nulidade significa a invalidade de um processo que descumpriu pressupostos previstos na lei. Se o processo for considerado inválido, todas as sentenças podem ser consideras inválidas e um novo processo pode começar.

Caso ocorra a nulidade, muitos condenados pela Operação Lava Jato poderiam ser beneficiados, caso do ex-presidente Lula e do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Na verdade, falar em benefício é equivocado, pois, se o julgamento não foi imparcial, é impossível dizer se os condenados são de fato culpados ou inocentes até um novo julgamento ocorrer.

Se os vazamentos continuarem ao ponto de ficar indefensável o argumento de que não houve violação do Código do Processo Penal, muito condenado que estão cumprindo pena poderiam ser libertados até a ocorrência de um novo julgamento.

Se nós puxarmos na memória, a Operação Satiagraha foi totalmente anulada pelo Superior Tribunal de Justiça. Na época da operação, a Corte utilizou a tese dos frutos da árvore envenenada que consiste na idéia que se a árvore está podre, os frutos gerados por ela também estão por conseqüência.

Para críticos da Lava Jato, as conversas já reveladas são suficientes para caracterizar parcialidade do agora ministro e mácula da operação. Mas e se os eventuais futuros vazamentos agravarem ainda mais a situação?

Se isso ocorrer, os caminhos disponíveis serão tortuosos.

A primeira possibilidade é a situação ficar da forma como está. Todos os processos continuam válidos e todo o judiciário encara as trocas de mensagens como algo normal. Se isso ocorrer, o país estará rasgando o Código do Processo Penal e todo o Poder Judiciário cairá em descrédito.

No cenário internacional, o Brasil passará a ser visto com desconfiança. Entretanto, uma parcela considerável da opinião pública, composta por integrantes da classe-média, ficará satisfeita. O idealismo da classe-média brasileira acredita ser válido descumprir leis para cumprir as leis.

A segunda possibilidade é a nulidade, seja ela total ou imparcial. Apesar de parecer ser o mais correto do ponto de vista jurídico, tal caminho precisará passar pelo descontentamento populacional.

Se no final a Operação Lava Jato resultar em nada e políticos presos há anos começarem a ser libertados por falhas legais na condução dos processos e da operação, qual será o sentimento por parte da população brasileira?

Para muitos brasileiros, a Lava Jato foi um marco histórico, um ponto de ruptura onde tempos mais justos viriam para o Brasil. Com a Lava Jato, o brasileiro, principalmente os idealistas presentes na classe-média, começaram a acreditar que a impunidade havia terminado. Os poderosos também seriam julgados e condenados pelo rigor e severidade da lei da mesma forma que ocorro com o povo.
Se a Lava Jato “acabar em pizza”, o já grande sentimento de incredulidade com as instituições poderá ficar maior. Muitas pessoas irão acreditar que os vilões venceram.

Entretanto, se a Lava Jato continuar, nós não estaremos de volta ao patamar onde ela começou? Se Sérgio Moro não for punido por ter descumprido as regras, ele não estará passando impune após ter cometido um grave delito? Se a nulidade não ocorrer por Sérgio Moro possuir relativo prestígio popular, não estaremos frente à impunidade de uma figura poderosa?

Qualquer que seja o caminho adotado pela nação, Sérgio Moro trilhou a rota para que ambos retornem para o ponto inicial. Se eu posso tirar algo de bom em toda a situação crítica que Sérgio Moro colocou a sociedade brasileira, é a lembrança de Vida Secas onde, no final do livro, Graciliano Ramos mostra que nós sempre voltamos para o ponto inicial.

quinta-feira, 6 de junho de 2019

O PT é decepcionante


A estratégia política do Partido dos Trabalhadores é decepcionante. Lula está preso fisicamente e o partido está mais em Curitiba do que o ex-presidente. As idéias de Lula percorrem livres os ares brasileiros, tornando o presidente uma figura livre para influenciar e inspirar as pessoas.

O PT, por sua vez, prende-se a uma idéia cada vez mais obsoleta e fadada ao fracasso que é a campanha “Lula Livre”. Deixando de lado toda a discussão se Lula é inocente ou culpado, ou se Lula é preso político ou preso comum, é preocupante todo um partido, que é o maior partido da esquerda com a segunda maior bancada do Congresso, esteja sendo conduzido por um único mote que depende exclusivamente de uma única pessoa. Se Lula morrer amanhã, o que será do PT?

Todos já sabem que a figura de Lula é maior do que a do partido. Lula é quase um partido, uma espécie de organização ou entidade pública e política. Lula não depende mais do PT, mas o PT depende de Lula e depende exclusivamente do ex-presidente. E o problema está justamente na dependência exclusiva.

Quando o PT disse que iria percorrer o Brasil com Fernando Haddad intensificando a campanha “Lula Livre”, eu torci o nariz inicialmente, mas refleti e vi que a estratégia estava potencialmente correta.

Falta ao PT um herdeiro político de Lula. Falta ao partido alguém que possa herdar o capital político e os votos do ex-presidente. No momento, não há ninguém no PT que o eleitor possa olhar a figura e ver Lula refletido nela.

A eleição de 2018 comprova tal situação. Nas primeiras pesquisas de intenção de voto, Lula liderava com folga. Com a impugnação da campanha, Haddad conseguiu herdar votos para ir ao segundo turno, mas não para vencer. Haddad era o candidato de Lula, mas não era Lula. Ser o candidato e não o “filho” de Lula custou a eleição para Haddad.

Percebendo tal situação adversa e a idade avançada de Lula em 2022, a estratégia de percorrer o Brasil com a campanha “Lula Livre” parecia um ato correto a ser feito. O PT faria caravanas pelo país com Fernando Haddad entoando o nome e o rosto de Lula em todos os locais do Brasil. Em quatro anos, Haddad poderia ser visto como o herdeiro político de Lula pelos brasileiros. Seria tempo suficiente para sedimentar no imaginário popular que Lula agora é Haddad.

Mas não foi isso que aconteceu até o momento.

O PT intensificou a campanha “Lula Livre”, mas não tem percorrido o país com Haddad fazendo “corpo a corpo” com a população. Muito pelo contrário. Gradativamente, o partido ficou desinteressante.

Fernando Haddad virou colunista no jornal A Folha de São Paulo. Em um mundo cada vez mais visual, onde reinam os vídeos e os memes, a linguagem escrita parece um isolamento. Haddad não participa de entrevistas ou de programas na internet. O segundo colocado nas eleições de 2018 está no ostracismo midiático simplesmente por ser irrelevante.

Haddad e PT não são vistos como oposição ao governo. São apenas um grupo que repete de modo previsível “Lula Livre”. Se quiserem alguém para atacar o governo ou fazer alguma declaração que possa aumentar o ibope, chamem Ciro Gomes. Se na liderança da oposição o PT ainda comanda, no interessa da mídia, o partido já está em segundo plano.

Se fosse bem conduzida, “Lula Livre” seria ótima para o partido conseguir forjar um nome para o futuro eminente. Entretanto, prefere utilizar uma retórica vazia e sem interesse midiático.

A campanha “Lula Livre” não fortalece o PT, apenas o enfraquece. O PT deveria ser maior do que os seus membros. Um dia, todos irão deixar o partido de alguma forma e a organização continuará existindo. Entretanto, o partido parece aceitar seu tamanho diminuto e submisso a Lula e trabalha para fortalecer cada dia mais a figura do ex-presidente.

Lula não é o PT, mas o PT quer ser Lula. Se o PT quer ser Lula e está preso a ele, o partido terá de se conformar de morrer junto a Lula.