quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Bem vindos ao fascismo cultural


Aparentemente, depois do “marxismo cultural”, vivemos um tempo de “fascismo cultural” onde o mais importante é a união ao invés da polarização. No fascismo cultural a política tende a se unir, deixando de existir a polarização para a convergência de todos os interesses em um único objetivo que é o bem da nação, como se o bem da nação para os mais pobres fosse o mesmo para os mais ricos.

Porém, as diferenças não importam no fascismo cultural. Todos devem deixar seus interesses de lado para lutarem por um país melhor, seja lá o que isso queira dizer. Mas se as pessoas estão unidas, significa que todos estão no caminho.

Em um mundo pós-moderno, a ideia do fascismo cultural é muito sedutora, pois, assim como os gravetos que compõem o fascio, as pessoas são frágeis individualmente. A falta de conexões profundas e duradouras provoca a liquidez do ser humano que passa a adotar formas variadas com o transcorrer das situações. Assim como uma poça d´água na calçada que muda de forma conforme o vento, a vida do homem na pós-modernidade também varia de forma, provocando incertezas e inseguranças com o futuro. Hoje, o indivíduo pode estar casado, amanhã, divorciado; hoje, o indivíduo pode estar trabalhando como médico, amanhã, pode estar trabalhando como advogado. É um mundo de infinitas possibilidades, mas também de muitas incertezas e as relações pessoais frágeis provocam um sentimento de impotência e insegurança nos indivíduos.

Portanto, para sentir-se mais forte e seguro, o indivíduo, cada vez mais individualizado na sociedade, busca a proteção grupo. A poça d´água busca se aglutinar ao lago para poder ter estabilidade. Por conta do seu tamanho e volume, dificilmente o lago sofrerá grandes mudanças porque a quantidade de poças d´água é tão grande que apenas haverá mudanças se algo muito brusco ocorrer. Há uma sensação de segurança dos indivíduos ao fazerem parte de um grupo maior. É a união fazendo a força de todas as varas jutas compondo o fascio e o fascismo.

No estado de união do fascismo cultural, aqueles que pensam diferente do grupo são cooptados a pensarem da mesma forma ou serão severamente punidos. É a concentração do poder pela violência e a hostilidade com a democracia, confundidos com o próprio estado democrático. Tudo por conta de um sentimento de lealdade ao grupo e à figura do líder.

O líder é fundamental para dar rumo e sentido na vida dos indivíduos que incerta. Se os indivíduos possuem incertezas para que qual rumo tomar, a figura do líder mostra o caminho como se fosse um guru ou conselheiro espiritual.

Outra característica fascista presente no fascismo cultural é a vitimização. Quantas vezes políticos fascistas culturais já disseram serem vítimas da maldita polarização que dominou o Brasil?

Assim como o fascismo busca inimigos fictícios, o fascismo cultural encontrou na polarização o inimigo a ser combatido. Todas as pessoas podem emitir a suas opiniões desde que não sejam polarizadas. A política precisa ser pasteurizada, pois a polarização apenas atrapalha o bom andamento da democracia e o desenvolvimento do país.

Os fascistas culturais dizem que enquanto as pessoas brigam na guerra “direita contra esquerda”, o Brasil não irá prosperar. Portanto, deve haver uma união dos pensamentos onde todos pensam iguais, contanto que seja o pensamento do líder fascista.

O leitor e a leitora mais atentos deve ter percebido que evitei posicionar o fascismo cultural na direita ou na esquerda. Obviamente, há um propósito para tal. Isso porque o fascismo cultural, diferentemente do fascista cultural, é democrático. Ele não possui fronteiras ou divisões, podendo existir tanto na esquerda quanto na direita.

Se você, leitor ou leitora, ouviu falar sobre união das esquerdas para derrotarem a direita, fique sabendo que você está de frente para o fascismo cultural.


quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Macron é perfeito para Bolsonaro

Jair Bolsonaro escolheu Emmanuel Macron como seu adversário internacional. A política bélica de ataque à oposição para manter a militância ativa em um constante terceiroo turno também será utilizada internacionalmente.

Os momentos de conflitos são especialmente apreciados pelo presidente que sempre viu nos embates uma possibilidade de aumentar sua popularidade. Basta lembrar das brigas, enquanto Bolsonaro era deputado, com Maria do Rosário e Jean Wyllys. Não podemos esquecer também do período eleitoral onde Bolsonaro, ainda candidato, crescia sempre quando era atacado.

Entretanto, as brigas internas ficaram pequenas para Bolsonaro. Sem uma oposição contundente, não há com quem antagonizar, restando ao presidente mirar seus ataques em territórios no exterior.

Para tanto, o presidente viu em Macron um adversário frágil e possível de ser chamado para o conflito. Ao atacar Bolsonaro, Macron deu ao presidente alguém para combater internacionalmente com a prerrogativa de estar defendendo os interesses nacionais.

Em uma estratégia de destruição da credibilidade das instituições, defender os interesses nacionais, principalmente a Amazônia, nosso maior patrimônio, coloca Bolsonaro como um símbolo patriótico, o único representante moralmente aceito pela população para representá-la.

Ao atacar Bolsonaro, o francês caiu em uma armadilha. Macron será usado por Bolsonaro como instrumento de validação do seu patriotismo. É o confronte ideológico e sem importância contra o marxismo cultural atingindo escala global.

Mas por que Bolsonaro escolheu justamente Macron, o presidente francês, para ser seu adversário internacional se Angela Merkel, chanceler alemã, também o confrontou? A resposta é muito simples economicamente: enquanto a Alemanha ficou na 6ª posição dos países que mais importaram produtos brasileiros em 2018, a França de Macron ficou na distante 21ª.

Se em 2018, a França importou US$ 2,2 bilhões aproximadamente, a Alemanha importou praticamente o dobro com um saldo de US$ 5,2 bilhões. Se comparada com a Holanda, o quarto destino das exportações brasileiras e principal comprador de produtos brasileiros na Europa, a França é piada frente aos US$ 13 bilhões exportados para os Países Baixos em 2018.

Para você ter uma idéia leitor, os valores das exportações brasileiras para a França são inferiores aos seguintes países europeus: Holanda, Alemanha, Espanha, Itália, Bélgica e Reino Unido. Elas também são menores do que as exportações para Hong Kong, Cingapura e Coreia do Sul, países muito inferiores a França em tamanho e população.

Portanto, deflagrar uma guerra de insultos contra Macron é possível e interessante para Bolsonaro. A França não é um parceiro economicamente estratégico como a China, mas também não é geopoliticamente insignificante como Cingapura. Os franceses possuem o tamanho perfeito para Bolsonaro antagonizar: é um gigante europeu que não fará nenhum mal econômico ao Brasil.

Geopoliticamente, o confronto com a França também é interessante para Bolsonaro por Macron ser contrário ao Brexit. Em uma busca de aproximação cada vez maior com o presidente americano Donald Trump, atacar adversários políticos de Boris Johnson, Primeiro-ministro do Reino Unido, é interessante para Bolsonaro.

Macron é jovem, inexperiente e frágil. Seu rosto angélico de olhos claros demonstra zero ameaça ou intimidação. Ele é o adversário que Bolsonaro nunca pediu, mas sempre procurou. Macron é simplesmente perfeito!

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Paulo Guedes é o presidente paralelo

Após sete meses completos de governo Bolsonaro, ficou clara a existência de dois presidentes dividindo as atribuições do Planalto. Além de Bolsonaro, o presidente formal, há Paulo Guedes, o presidente informal do Brasil.

Recentemente, ao ser questionado pela piora de praticamente 50% dos indicadores governamentais avaliados pelo jornal A Folha de São Paulo, o presidente respondeu dizendo “falem com Paulo Guedes”. Ao jogar a responsabilidade para o ministro e fugir da pergunta, Bolsonaro revelou espontaneamente uma divisão no poder.

A divisão surgiu pela incapacidade de Bolsonaro tocar o projeto neoliberal pretendido pelo capitalismo financeiro. O presidente não apresenta as características necessárias para o projeto, mostrando-se um sindicalista militar e familiar nos anos em que esteve no Congresso.

Entretanto, Bolsonaro é útil ao neoliberalismo contanto que não atrapalhe e permita que Paulo Guedes, um embaixador do capital financeiro, faça as reformas pretendidas pelo mercado.

Paulo Guedes é, portanto, o representante do capitalismo financeiro que de fato governa o país e permite Bolsonaro continuar brincando de presidente com suas pautas irrelevantes.

É Paulo Guedes quem toca e decide os rumos e o projeto da economia, cabendo a Bolsonaro apenas a assinatura. Foi de Paulo Guedes o projeto para a reforma da Previdência. Bolsonaro nunca mostrou entusiasmo com o projeto, forçando o ministro da Economia a convencer seu superior da importância da reforma em mais de uma oportunidade.

Perceba, caro leitor, que mesmo após o surgimento de um sentimento anti-bolsonarista, contendo integrantes da esquerda e também da direita, as críticas da direita recaem sobre Bolsonaro, poupando Paulo Guedes.

A direita é simpática ao projeto neoliberal e poupa Paulo Guedes das críticas por também ser favorável à reforma da Previdência, a menos direitos trabalhistas e à reforma tributária.

É comum ao ouvirmos uma crítica ao comportamento de Bolsonaro, escutarmos elogios a Paulo Guedes na mesma frase, passando a impressão que Guedes não faz parte do governo. O que é possivelmente verdade.

Paulo Guedes está no governo somente para cumprir com a agenda neoliberal.

As agendas de ambos são completamente diferentes e Bolsonaro não demonstra preocupação com a pauta econômica. Apesar de governar para um país inteiro, Bolsonaro faz um governo para um terço da população que o apóia de modo incondicional desde o primeiro turno das eleições passadas. Tais eleitores buscam um presidente que queira melhorar a segurança urbana, combater a corrupção e defender as famílias.

Em mais de uma oportunidade, o presidente já demonstrou enfado e descaso ao ser questionado com perguntas voltadas à economia. Durante a campanha, o então candidato tratava-se de fugir da pauta econômica dizendo para perguntarem a Paulo Guedes, apelidado de “Posto Ipiranga”.

Quando tentou brincar no parquinho da economia, Bolsonaro interferiu no preço dos combustíveis fazendo o mercado acionário despencar e o capital financeiro ligar o alerta. Intromissões estatais à base da canetada não serão bem vindas. Por enquanto, o presidente entendeu o recado e parou de palpitar no governo do presidente informal.

Com menos de seis meses de governo, Bolsonaro entendeu rapidamente que terá vida longa como presidente se não interferir no governo Paulo Guedes. Para chegar ao final do mandado com chances de ser reeleito em 2022, Guedes precisa ter carta branca e pouca intromissão. Caso o contrário, a mão invisível do mercado será muito visível para defenestrar Bolsonaro do Planalto.

domingo, 4 de agosto de 2019

Povo acima de tudo, Bolsonaro acima de todos


Confesso a você, leitor, que nunca dei muita importância, além da eleitoral, para o slogan da campanha de Bolsonaro “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. O slogan repetido à exaustão por Bolsonaro candidato e por Bolsonaro presidente posteriormente sempre pareceu para mim um aceno para a comunidade evangélica. Uma comunidade que pode estar vendo na política uma forma até de aliviar a repressão religiosa sobre si mesma, ou seja, colocando no âmbito público as restrições e opressões vividas no âmbito privado que, inconscientemente, estavam vendo como pouco suportáveis.

Entretanto, depois de alguns meses de análise do comportamento do presidente, começo a ter outra interpretação sobre o slogan. Na minha nova forma de interpretar, tento observar as entrelinhas do slogan e vejo que Bolsonaro está falando sobre si mesmo ao citar Deus e sobre o povo ao falar sobre o Brasil.

Mais de uma vez o presidente já disse que todo o poder emana do povo. Portanto, se todo o poder emana do povo, quem possui o poder é povo. Sem povo, não há poder. Sendo assim, as instituições brasileiras, incluindo a própria pátria, só possuem poder por conta do povo. Logo, é o povo que está acima de tudo, desde as instituições até o país.

Acima do povo estaria Deus no slogan de Bolsonaro. Entretanto, para Bolsonaro, ele é o próprio Deus. Portanto, ele está acima do povo. Logo, também está acima das instituições e do próprio país.

Tal pensamento justifica ações do presidente que contrariam e passam por cima das instituições nacionais. O caso da indicação de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, para ser embaixador nos EUA é um exemplo. Bolsonaro passar por cima dos ritos estabelecidos pelo Itamaraty para favorecer seu próprio e admite sem o menor pudor que irá favorecer sua prole. Bolsonaro só age assim porque pensa estar acima de tudo.

Outro episódio foi a contestação de dados oficiais do INPE sobre o desmatamento. O INPE é um órgão do próprio governo. Se Bolsonaro contesta dados oficiais emitidos pelo governo sem ter conhecimento para tal, ele se coloca acima do próprio governo.

Quando o povo está acima das instituições, as referências estão perdidas. O modelo a ser seguido é sempre mais elevado do que nós. Buscamos uma grandeza a ser seguida, uma santidade quase inalcançável que nos guiará para a perfeição. Se as instituições estão abaixo do povo, elas perdem o seu valor de guia e inspiração.

Tudo o que está abaixo do povo é mundano e descartável. Bolsonaro, porém, como sendo o único acima do povo, torna-se o guia natural e única referência a ser seguida pelos brasileiros. Ele garante a si próprio um ar místico e santificado, blindando-o das acusações das instituições mundanas que estão abaixo do povo.

Por ser o guia natural mais elevado, Bolsonaro se coloca como a única opção disponível para seus eleitores em 2022.

Muitos criticam Bolsonaro por ele não ter um projeto de governo. De fato, o presidente não possui um. Porém, ele possui um projeto de poder em curso e as constantes pesquisas de avaliação que apontam uma aprovação sistemática de 30% da população mostram que está dando certo.

quarta-feira, 31 de julho de 2019

A ressaca previdenciária de Bolsonaro


O fim da reforma da Previdência não foi bem aceito pelo presidente Bolsonaro. Ao longo de longos seis meses, o Brasil assistiu com olhos atentos os capítulos que antecederam o dia da votação em primeiro turno. Mesmo havendo um segundo turno e a passagem pelo Senado, a sensação é que a festa já acabou.

Assim como Friends e Game of Thrones deixaram um vazio no coração dos fãs, a reforma da Previdência também deixou um vazio no coração presidencial que não soube e não está sabendo lidar com o final do seu principal projeto de governo. Projeto que nem era dele para sermos justos.

Sem a reforma da Previdência, Bolsonaro não terá um projeto rolando que irá polarizar tão nitidamente o país. Durante a votação, foi possível identificar os espectros políticos das pessoas baseadas na sua posição com relação à reforma: os contrários eram de esquerda e os favoráveis eram de direita.

O próximo projeto econômico que promete mexer com os ânimos do país é a reforma tributária. Entretanto, a reforma tributária dificilmente irá polarizar o país como a reforma da Previdência. Além de ser um assunto mais técnico e complexo, a reforma tributária não terá uma votação tão simples porque ela mexe diretamente com a arrecadação e incentivos dos Estados. Um dos desdobramentos da reforma tributária é o fim da Zona Franca de Manaus. Deputados amazonenses de direita e de esquerda tendem a se unirem para preservarem o seu Estado, dificultando a tradicional polarização. Sem a polarização, Bolsonaro perde a capacidade do conflito com a esquerda porque as definições políticas ficam mais turvas.

Entretanto, Bolsonaro precisa do conflito para se fortalecer politicamente. O presidente cresce no confronto com a oposição e com a imprensa. Foi assim que ganhou notoriedade nos últimos dez anos que frequentou os programas televisivos.

Com o confronto, o presidente consegue ativar sua militância e mantê-la engajada. Atualmente, Bolsonaro conta aproximadamente com 30% de aprovação segundo as últimas pesquisas. Número que o mantém sólido ao longo do tempo e que é suficiente para garantir uma ida ao segundo turno em 2022. Portanto, Bolsonaro governa hoje para a manutenção do seu séquito que anseia por radicalização e belicismo presidencial.

O problema está em Bolsonaro ter que ativar sozinho a militância. Com o Congresso em recesso e sem grandes discussões políticas, não existem Joices, Felicianos e Waldirs para dividirem com Bolsonaro o fardo de criar polêmicas para fustigar a esquerda. Para piorar, até o MBL disse que irá amenizar o tom e a ironia nas declarações.

Sozinho, o presidente irá fazer as mesmas polêmicas da época de deputado do baixo-clero, só que ele não é mais um deputado bufão do baixo-clero. Se na época de deputado as declarações de Bolsonaro eram vistas com um mix de indignação, constrangimento e perplexidade, agora são vistas com o espanto de falas nenhum pouco apropriadas ao Alvorada.

Preso a um estilo político, não resta a Bolsonaro outro caminho se não o das polêmicas e do conflito. Sem eles, seus apoiadores poderão dizer que o presidente foi dominado pelo sistema, distanciando dos planos de reeleição.

Como o apoio da direita já foi esvaziado rapidamente, resta ao presidente cultivar a admiração daqueles que ainda o admiram. Adotar as polêmicas como forma de engajamento político é arriscado porque elas irão ofender outros além da esquerda como no caso da absurda fala sobre o pai do presidente da OAB.

Para Bolsonaro mudar, seus apoiadores precisaram mudar. Todavia, depois de tanto tempo sem alguém que os representasse, dificilmente eles irão mudar.

quarta-feira, 24 de julho de 2019

A destruição do messias Jair Messias

O presidente Jair Bolsonaro deixou claro que pretende disputar a reeleição em 2022. O cenário de 22 vai ser completamente diferente do encontrado em 2018 e o presidente sabe disso. A mesma conjuntura que o levou à vitória em 2018 dificilmente irá ocorrer porque Bolsonaro já não é mais “pedra” e sim “vidraça” e a direita terá João Doria para rivalizar com o presidente.

Sabendo disso, Bolsonaro precisa mudar sua estratégia de atuação eleitoral para conseguir ser vitorioso em 2022.

Para tanto, Bolsonaro iniciou um processo de destruição das instituições e organizações. A política de destruição não será de terra arrasada, com prédios no chão e economia em frangalhos, porque não será física, mas sim moral. Bolsonaro quer destruir a crença que a população possui com as instituições para mostrar que elas são contra ele e, portanto, inimigas do povo e da “revolução” que o presidente vem propondo.

São as instituições que permitem maconha e casamento gay (STF), que proíbem o cidadão portar arma (Congresso), que multa os produtores rurais por estarem produzindo e gerando riquezas para o país (IBAMA), que atrapalha remédios já testados em outros países serem negociados no Brasil (ANVISA), que multa o carro do cidadão na estrada (DETRAN) e etc.

Há um processo de desacreditação institucional com quebra de ritos e liturgias.

Recentemente, Bolsonaro disse que indicará seu filho Eduardo Bolsonaro para a vaga de embaixador brasileiro nos EUA. A embaixada nos EUA é a mais importante dentre todas as embaixadas e é ocupada por diplomatas rodados, experientes e com currículo robusto costumeiramente. Ao indicar o filho, Bolsonaro atropela a tradição, indicando alguém sem experiência internacional e sem o currículo necessário, pois o próprio Eduardo disse que sua experiência internacional é fritar hambúrgueres.

A própria postura do presidente que recebia ministros vestindo moletom, agasalho e camiseta falsificada do Palmeiras e fala impropérios em suas entrevistas é uma forma de passar por cima das instituições e formalidades.

No rolo compressor bolsonarista, nem os eleitores estão a salvo. Em live divulgada no Facebook, Bolsonaro desdenhou os seus eleitores que eventualmente poderiam abandoná-lo por conta da indicação do filho à embaixada.

Nem a religião escapa do processo de destruição, sendo utilizada como britadeira pelo presidente. Nunca um presidente utilizou tanto o discurso e o apoio religioso de modo explícito no período da redemocratização. Bolsonaro mistura o céu e a terra ao trazer a religião para a política, lançando certo grau de irracionalidade propagada por pastores “messiando” o messias Jair Messias.

O “terceiro turno”, promovido por ele e não pela oposição, serve para perpetuar um estado perpétuo de conflito entre ele e as instituições, passando a mensagem de uma constante luta pelo progresso que nunca chegará por conta da ação da “velha política”.

Nas manifestações pró-governo, é comum a presença de cartazes contra o Legislativo e contra o STF, indicando que tais organizações já não valem mais nada para essas pessoas. Apenas o messias Jair Messias pode comandar o Brasil com sua sapiência messiânica.

Pelo fato de ter sido considerado o candidato contra o sistema, Bolsonaro precisa destruí-lo para mostrar aos eleitores que algo foi feito. A questão é se Bolsonaro vai destruir demais.

terça-feira, 16 de julho de 2019

Moro caiu como um pato no plano do Capitalismo Financeiro


O Capitalismo Financeiro parece que está prestes a conseguir derrubar de vez Sergio Moro e a Operação Lava-Jato. Para entender o interesse do Capitalismo Financeiro, é necessário compreender quem e onde a operação estava atuando.

Até o momento, a Lava-Jato investigou empresas do Capitalismo Industrial, uma vertente do Capitalismo que possui bens palpáveis, para explicar de modo simplificado, como seu resultado final. Petrolíferas como a Petrobrás e construtoras como a Odebrecht são companhias que integram o Capitalismo Industrial. Em algum momento, a Lava-Jato teria que agir no Capitalismo Financeiro.

O Capitalismo Financeiro é aquele do rentismo, das ações e do mercado financeiro onde o resultado final é simplesmente o dinheiro. No Capitalismo Financeiro, o produto final é imaterial. É o dinheiro na conta que nunca será visto porque ele precisa ser investido novamente no sistema.

Com Jair Bolsonaro, o Capitalismo Financeiro encontrou uma forma de tirar Sergio Moro do sistema. Sem um “juiz-herói” para sustentar a operação, ela simplesmente implode e vê seu principal representante debaixo das barbas do sistema político. Assim, a Lava-Jato permanecerá distante do Capitalismo Financeiro, atingindo somente empresas do Capitalismo Industrial e deixando os bancos de lado.

A eleição de Bolsonaro foi excelente para o Capitalismo Financeiro que viu a oportunidade de ter um político obtuso o suficiente para ser manipulado pelos seus agentes dentro do governo, um deles, o próprio Paulo Guedes. Guedes, por sua vez, foi quem realizou a interlocução para que o vaidoso Sergio Moro assumisse o ministério e deixasse a Lava-Jato, protegendo os bancos da investigação, pois não existe nada mais corrupto que o Capitalismo Financeiro.

Em seguida, foi incutida a ideia que a culpa da dívida é do Estado Social quando na verdade é do Capitalismo Financeiro. Reforma da Previdência, privatizações, reforma tributária e redução de programas sociais foram feitos ou serão realizados com a desculpa da falta de dinheiro em caixa. Uma crise fabricada para destruir o Estado Social, revertendo o dinheiro para os bancos com a desculpa do pagamento de juros da dívida pública.


Outro ponto importante do quebra-cabeça é a demissão de Joaquim Levy. Paulo Guedes e Bolsonaro insistiram que Levy deveria abrir a “caixa-preta” do BNDES. Porém, nunca houve uma caixa-preta para ser aberta. Entretanto, Guedes e Bolsonaro insistiam com Levy porque queriam encontrar novas irregularidades no Capitalismo Industrial financiado pelo BNDES para que ninguém se voltasse para o Capitalismo Financeiro e para a verdadeira caixa-preta que está no Banco Central.
É o Banco Central que gerencia todo o mecanismo para o Capitalismo Financeiro. A dívida brasileira foi gestada no Banco Central que tira dinheiro do Estado e entrega para o Capitalismo Financeiro por meio de juros, garantindo os seus ganhos.

Para melhorar ainda mais a situação do Capitalismo Financeiro, Glenn Greenwald surge com a “Operação Vaza-Jato” que não estava nos planos. As conversas divulgadas pelo The Intercept Brasil caíram como a “cereja do bolo”. Glenn expôs Sergio Moro e toda a operação de um modo imaginável, implodindo de vez a credibilidade e colocando em xeque o futuro da Lava-Jato.

O encontro de um político obtuso com um político vaidoso possibilitou o Capitalismo Financeiro se proteger. O aval para a eleição de Bolsonaro só foi dado quando ele anunciou Paulo Guedes, o arauto do Capitalismo Financeiro, com super poderes na economia. Nunca o apelido de “marreco” foi tão bem empregado a Sergio Moro que caiu como um pato ao aceitar ser ministro. Moro foi retirado da Lava-Jato não pela forma como o PT queria tirar, mas pegando o ex-juiz pelo seu lado fraco: a vaidade.


segunda-feira, 8 de julho de 2019

Bolsonaro e a "Síndrome do Wile Coyote"


Os mais velhos devem ter assistido e os mais novos devem ter ouvido falar do desenho do Papa-Léguas. Para aqueles que nunca viram ou ouviram, o desenho trazia os planos mirabolantes de um coiote chamado Wile Coyote para tentar capturar e comer o Papa-Léguas, um galo-corredor muito rápido. Obviamente, todos os planos e tentativas davam errado e o coiote acabava sempre levando a pior.

Não sei quanto ao leitor, mas quando eu assistia o desenho, sempre torcia para o coiote conseguir capturar o Papa-Léguas, mesmo sabendo que isso nunca iria acontecer. Entretanto, um estúdio de animação voltado para o público adulto fez uma sátira com o grande dia da captura. O coiote finalmente havia capturado e devorado sua sonhada presa. Porém, a vida do coiote perdeu o sentido ao ter completado seu objetivo porque não havia mais nada a ser feito depois porque Wile nunca havia se preparado para o dia seguinte.

Toda a recapitulação do desenho serve para ilustrar uma possível “Síndrome de Wile Coyote” que Bolsonaro pode estar tendo com a aprovação da reforma da previdência.

Desde a posse como presidente, Bolsonaro tem falado muito sobre a reforma da previdência. Porém, nunca é dito o que será feito depois. Fala-se de reforma tributária, mas nada muito concreto ou substancial. Aparentemente, o presidente não possui outro projeto relevante para ser tocado após a reforma da previdência.

Com uma aprovação estabilizada em 30%, porém baixa se comparada com outros presidentes anteriores em início de mandado, possuindo objetivos de reeleição, a falta de planos para o dia seguinte da reforma previdenciária tende a ser chuvoso para o presidente.

A demora para a aprovação garante a Bolsonaro um escudo para justificar o momento econômico abaixo das expectativas: se a economia vai mal, a culpa é da reforma da previdência que o Congresso teima em não aprovar. Para os eleitores do presidente, a desculpa é válida e aceita, garantindo votos para 2022.

Na cabeça de Bolsonaro, o ideal seria cozinhar a reforma da previdência até as eleições municipais de 2020. Assim, o presidente poderia mostrar força política elegendo apadrinhados e fortalecendo sua base para 2022.

Tal hipótese justificaria a atitude semelhante a da grega Penélope que, na mitologia, era esposa de Ulisses e esperava a volta de seu marido após a Guerra de Tróia. Como Ulisses demorou muito para voltar, o pai de Penélope disse que ela deveria se casar. Penélope impôs uma condição antes de escolher seu novo marido: terminar de tecer um sudário para Laerte, pai de Ulisses. Durante o dia, Penélope trabalhava tecendo o sudário para desmanchá-lo durante a noite e nunca terminar o trabalho até a volta de Ulisses.

A tragédia grega de Penélope e Ulisses ilustra bem a situação de Bolsonaro com a reforma da previdência. Quando o governo consegue avançar juntamente com o presidente da Câmara Rodrigo Maia a aprovação do texto, o presidente vem a público com alguma declaração ou ação que prejudica o andamento do projeto.

A verdade é que Bolsonaro nunca foi um entusiasta da reforma da previdência. Tal assunto nunca foi discutido por ele durante a campanha eleitoral. Enquanto presidenciável, o atual presidente preferiu enfatizar o combate à corrupção, o combate à violência urbana, o ataque ao politicamente correto e a defesa dos bons costumes familiares.

A reforma da previdência sempre foi um projeto mais do ministro da Economia Paulo Guedes do que do próprio Bolsonaro. Nunca houve empenho real do presidente com o projeto e Paulo Guedes tinha que reforçar a importância da medida junto a Bolsonaro.

No fim, parece que Bolsonaro encontrou um projeto conveniente para tocar. A reforma foi tão falada por membros do Executivo, Legislativo e imprensa que sedimentaram na cabeça do brasileiro que ela é o grande projeto do governo Bolsonaro. O presidente recebeu um projeto para ser o seu papa-léguas. Se cumprir seu objetivo de aprovar a reforma, o que Bolsonaro irá fazer após pegar o papa-léguas?

segunda-feira, 1 de julho de 2019

Sérgio Moro virou político

Sérgio Moro já não é mais aquele técnico em Direito que costumeiramente foi apresentado por Bolsonaro no final de 2018. Após as manifestações do dia 30 de junho, Moro entrou definitivamente para a política ao se assumir político. Se Moro continuasse sendo a figura técnica que dizia ser, o ministro jamais interagiria, via rede social, com os manifestantes que entoaram o seu nome em mais de 80 cidades.

Talvez, o ministro pudesse até interagir se o fizesse de forma técnica: agradeceria o apoio e reiteraria a importância da operação Lava Jato da qual já não faz mais parte. Entretanto, Moro optou por uma resposta alusiva a Bíblia ao escrever "eu vejo, eu ouço, eu sei". Em Êxodo 3:7, está escrito “disse o Senhor: ‘de fato tenho visto a opressão sobre o meu povo no Egito, tenho escutado o seu clamor, por causa dos seus feitores, e sei quanto eles estão sofrendo. ’”

A alusão religiosa não é o primeiro ato político do ministro Sérgio Moro. Em pouquíssimo tempo, Moro foi ao jogo do Flamengo, cogitou participar da Marcha para Jesus, esteve no Programa do Ratinho e tratou de afagar o MBL após o The Intercept divulgar mensagens onde o ministro chama os membros do movimento de “tontos”.

Aos poucos, Sérgio Moro começa a surgir como um político para a direita democrática chamar de seu. Nas eleições de 2018, a direita democrática precisou engolir goela abaixo Bolsonaro, um extremista de direita, para evitar a vitória da esquerda no pleito. Passados seis meses de governo, a direita democrática abandonou e continua a abandonar o governo Bolsonaro, relegando-o ao apoio dos extremistas e religiosos.

A figura de João Doria, governador de São Paulo, também é vista com bons olhos pela ala menos extrema da direita. Entretanto, a concentração de Doria no Estado de São Paulo evita que o governador paulista tenha a abrangência nacional necessária, apesar do Estado possuir eleitores de todo o país. Seria praticamente impossível João Doria mobilizar a quantidade de pessoas que Moro mobilizou ontem em seu apoio em várias cidades brasileiros.

Até mesmo o número inferior de manifestantes no dia 30 de junho em comparação com as manifestações do dia 26 de maio são indicadores positivos para Sérgio Moro. É bom destacar que as manifestações de junho foram apoiadas pelo MBL. Acreditar que a presença do movimento esvaziaria as manifestações ao invés de enchê-las é erro interpretativo. Se as manifestações de maio foram para apoiar Bolsonaro, é possível crer que havia uma grande presença de extremistas e neopentecostais. Já as manifestações de junho, esvaziadas por parte desses grupos, seriam compostas em grande maioria por liberais da direita democrática.

Bolsonaro, atento ao sinal das ruas, percebeu a possibilidade de estar chocando um ovo de serpente. Ao tentar chocar um galo para sua sucessão em 2026, o presidente pode estar chocando uma serpente que o devorará em 22. Em suas declarações após as manifestações, o presidente elogiou a presença da população nas ruas sem citar o nome de seu ministro mais popular.

Ao declarar publicamente que possuía um acordo prévio para indicar Moro ao STF, Bolsonaro liquidou com quaisquer aspirações do ministro da Justiça de conseguir uma vaga no Supremo. Sem a possibilidade do STF, Moro não possui outra alternativa a não ser disputar a cadeira de presidente.

Seja por opção ou por imposição, Moro é agora um político definitivo.

Como político, resta saber se a parcialidade nos julgamentos da operação Lava Jato seria algo negativo. Obviamente, enquanto Sérgio Moro técnico em Direito, descumprir o artigo 254 do Código do Processo Penal é uma violação grave. Entretanto, enquanto político, descumprir o artigo 254 do Código do Processo Penal pode ser visto como um ato de bravura de um homem que passa por cima até das regras para combater o grande mal do país que é a corrupção.

Em um país onde melhorar saúde e educação está em segundo lugar nas prioridades nacionais e o combate à violência, onde está o combate à corrupção, é o anseio número um dos brasileiros, ter um político que quebra as regras para punir os corruptos que criam as regras para se protegerem pode ser um ativo político essencial em uma eleição.

sábado, 22 de junho de 2019

Bolsonaro e Doria precisam de São Paulo


O professor de Filosofia da UNICAMP Marcos Nobre concedeu uma entrevista interessante ao portal UOL. Na entrevista, o professor fez uma análise única de Bolsonaro que nenhum outro pensador havia feito na grande mídia até o momento.

Um dos momentos altos da entrevista é a análise sobre a relação de Bolsonaro com os partidos da direita, em especial o DEM. Na visão do professor Marcos, Bolsonaro é um presidente de extrema-direita em um governo de direita. Portanto, possui base e apoio frágeis da população porque a quantidade de extremistas de direita é baixa.

Sabendo disso, o presidente precisa trazer para perto aqueles partidos chamados de “direita democrática”, representados pela figura do DEM. Para conseguir uma coalizão de partidos da direita, Bolsonaro tem dois caminhos: negociar ou influenciar.

Negociar com os partidos está fora dos planos do presidente. Na visão de Bolsonaro, negociar com o Congresso é fazer corrupção, mesmo o presidente sabendo que as coisas não são bem assim. No início do mandato, Bolsonaro buscou negociar diretamente com as bancadas, mas não obteve sucesso e os partidos mandaram vários recados em votações iniciais.

Sem a possibilidade de negociar, Bolsonaro irá tentar trazer os partidos da direita pela influência. Para influenciar os partidos, o presidente precisará mostrar que possui capital político. Para tanto, as eleições municipais de 2020 são essenciais.

Bolsonaro precisa das eleições municipais para preparar o terreno para sua reeleição ou para a eleição do sucessor. Se o presidente conseguir influenciar as eleições municipais elegendo apadrinhados nos principais colégios eleitorais do país, seu capital político estará comprovado e os partidos de direita irão vir para perto do PSL naturalmente na visão presidencial.

Há também outro fator importante, além de vencer, os apadrinhados de Bolsonaro precisariam derrotar os candidatos dos partidos da direita democrática. É possível que um partido grande como o PSDB não se curve inicialmente a uma coalizão com Bolsonaro para 2020. Portanto, se os candidatos de Bolsonaro vencerem os candidatos do PSDB, a ascensão do presidente sobre o partido e sobre a direita será muito grande.

O objetivo é transformar os partidos da direita democrática em comensais. No reino animal, muitos peixes menores nadam junto com grandes tubarões para obterem seu alimento com as sobras deixadas pelo grande predador. Na política, Bolsonaro quer estabelecer a mesma relação de comensalismo com os partidos da direita: para a direita continuar sobrevivendo, ela precisará estar junto com Bolsonaro ou a esquerda irá voltar ao poder.

Em um cenário tão interessante, a minha atenção está especialmente voltada para um dos principais colégios eleitorais do país: a cidade de São Paulo. A disputa municipal em São Paulo promete ser a maior desde os anos 2000 com Mário Covas, Paulo Maluf e Marta Suplicy. Muitos candidatos são especulados para disputar o posto de prefeito da cidade.

Além da acirrada disputa, há ainda a presença do governador João Doria. João Doria é hoje o líder do PSDB e possui ambições de disputar a cadeira presidencial em 2022. Particularmente, não vejo outro candidato que poderia derrotar Bolsonaro se as eleições fossem hoje, nem mesmo candidatos da esquerda, tendo em vista que Lula está preso.

É uma possibilidade quase certa a tentativa de eleição de Bruno Covas do PSDB, candidato natural de João Doria. Se Bolsonaro quiser mostrar capital político, precisará colocar um candidato do PSL para disputar contra Bruno Covas. O pleito em São Paulo de 2020 ficaria uma prévia interessante de uma provável disputa entre Bolsonaro e Doria em 2022.

Em 2018, Bolsonaro relutou em receber apoio direto de João Doria. O presidente eleito sabia que o apoio inicial iria durar até 2020, passando de aliado a adversário político.

Se para alguns a eleição de 2022 está muito longe, as eleições de 2020 estão logo ali. Para as pretensões de dois dos principais candidatos ao pleito, a disputa em São Paulo é estrategicamente importante. Se a disputa em São Paulo já é interessante pelo embate indireto ente Doria e Bolsonaro, tudo ficaria ainda mais interessante se um candidato da esquerda vencesse a disputa.

terça-feira, 11 de junho de 2019

Sérgio Moro nos coloca numa vida retirante


O vazamento das mensagens entre Sérgio Moro e o Ministério Público causaram um problema que transcende a esfera do campo jurídico. Ao mostrar que mantinha relações com um dos procuradores enquanto era juiz, Sérgio Moro violou o artigo 254 do Código do Processo Penal, a saber: o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes se, dentre outras situações previstas nos incisos, for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles e/ou se tiver aconselhado qualquer das partes.

Ao violar o código, Sérgio Moro pode ser considerado alguém sem isenção para julgar o caso, provocando a possibilidade de nulidade do processo. Em termos mais simples, a nulidade significa a invalidade de um processo que descumpriu pressupostos previstos na lei. Se o processo for considerado inválido, todas as sentenças podem ser consideras inválidas e um novo processo pode começar.

Caso ocorra a nulidade, muitos condenados pela Operação Lava Jato poderiam ser beneficiados, caso do ex-presidente Lula e do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Na verdade, falar em benefício é equivocado, pois, se o julgamento não foi imparcial, é impossível dizer se os condenados são de fato culpados ou inocentes até um novo julgamento ocorrer.

Se os vazamentos continuarem ao ponto de ficar indefensável o argumento de que não houve violação do Código do Processo Penal, muito condenado que estão cumprindo pena poderiam ser libertados até a ocorrência de um novo julgamento.

Se nós puxarmos na memória, a Operação Satiagraha foi totalmente anulada pelo Superior Tribunal de Justiça. Na época da operação, a Corte utilizou a tese dos frutos da árvore envenenada que consiste na idéia que se a árvore está podre, os frutos gerados por ela também estão por conseqüência.

Para críticos da Lava Jato, as conversas já reveladas são suficientes para caracterizar parcialidade do agora ministro e mácula da operação. Mas e se os eventuais futuros vazamentos agravarem ainda mais a situação?

Se isso ocorrer, os caminhos disponíveis serão tortuosos.

A primeira possibilidade é a situação ficar da forma como está. Todos os processos continuam válidos e todo o judiciário encara as trocas de mensagens como algo normal. Se isso ocorrer, o país estará rasgando o Código do Processo Penal e todo o Poder Judiciário cairá em descrédito.

No cenário internacional, o Brasil passará a ser visto com desconfiança. Entretanto, uma parcela considerável da opinião pública, composta por integrantes da classe-média, ficará satisfeita. O idealismo da classe-média brasileira acredita ser válido descumprir leis para cumprir as leis.

A segunda possibilidade é a nulidade, seja ela total ou imparcial. Apesar de parecer ser o mais correto do ponto de vista jurídico, tal caminho precisará passar pelo descontentamento populacional.

Se no final a Operação Lava Jato resultar em nada e políticos presos há anos começarem a ser libertados por falhas legais na condução dos processos e da operação, qual será o sentimento por parte da população brasileira?

Para muitos brasileiros, a Lava Jato foi um marco histórico, um ponto de ruptura onde tempos mais justos viriam para o Brasil. Com a Lava Jato, o brasileiro, principalmente os idealistas presentes na classe-média, começaram a acreditar que a impunidade havia terminado. Os poderosos também seriam julgados e condenados pelo rigor e severidade da lei da mesma forma que ocorro com o povo.
Se a Lava Jato “acabar em pizza”, o já grande sentimento de incredulidade com as instituições poderá ficar maior. Muitas pessoas irão acreditar que os vilões venceram.

Entretanto, se a Lava Jato continuar, nós não estaremos de volta ao patamar onde ela começou? Se Sérgio Moro não for punido por ter descumprido as regras, ele não estará passando impune após ter cometido um grave delito? Se a nulidade não ocorrer por Sérgio Moro possuir relativo prestígio popular, não estaremos frente à impunidade de uma figura poderosa?

Qualquer que seja o caminho adotado pela nação, Sérgio Moro trilhou a rota para que ambos retornem para o ponto inicial. Se eu posso tirar algo de bom em toda a situação crítica que Sérgio Moro colocou a sociedade brasileira, é a lembrança de Vida Secas onde, no final do livro, Graciliano Ramos mostra que nós sempre voltamos para o ponto inicial.

quinta-feira, 6 de junho de 2019

O PT é decepcionante


A estratégia política do Partido dos Trabalhadores é decepcionante. Lula está preso fisicamente e o partido está mais em Curitiba do que o ex-presidente. As idéias de Lula percorrem livres os ares brasileiros, tornando o presidente uma figura livre para influenciar e inspirar as pessoas.

O PT, por sua vez, prende-se a uma idéia cada vez mais obsoleta e fadada ao fracasso que é a campanha “Lula Livre”. Deixando de lado toda a discussão se Lula é inocente ou culpado, ou se Lula é preso político ou preso comum, é preocupante todo um partido, que é o maior partido da esquerda com a segunda maior bancada do Congresso, esteja sendo conduzido por um único mote que depende exclusivamente de uma única pessoa. Se Lula morrer amanhã, o que será do PT?

Todos já sabem que a figura de Lula é maior do que a do partido. Lula é quase um partido, uma espécie de organização ou entidade pública e política. Lula não depende mais do PT, mas o PT depende de Lula e depende exclusivamente do ex-presidente. E o problema está justamente na dependência exclusiva.

Quando o PT disse que iria percorrer o Brasil com Fernando Haddad intensificando a campanha “Lula Livre”, eu torci o nariz inicialmente, mas refleti e vi que a estratégia estava potencialmente correta.

Falta ao PT um herdeiro político de Lula. Falta ao partido alguém que possa herdar o capital político e os votos do ex-presidente. No momento, não há ninguém no PT que o eleitor possa olhar a figura e ver Lula refletido nela.

A eleição de 2018 comprova tal situação. Nas primeiras pesquisas de intenção de voto, Lula liderava com folga. Com a impugnação da campanha, Haddad conseguiu herdar votos para ir ao segundo turno, mas não para vencer. Haddad era o candidato de Lula, mas não era Lula. Ser o candidato e não o “filho” de Lula custou a eleição para Haddad.

Percebendo tal situação adversa e a idade avançada de Lula em 2022, a estratégia de percorrer o Brasil com a campanha “Lula Livre” parecia um ato correto a ser feito. O PT faria caravanas pelo país com Fernando Haddad entoando o nome e o rosto de Lula em todos os locais do Brasil. Em quatro anos, Haddad poderia ser visto como o herdeiro político de Lula pelos brasileiros. Seria tempo suficiente para sedimentar no imaginário popular que Lula agora é Haddad.

Mas não foi isso que aconteceu até o momento.

O PT intensificou a campanha “Lula Livre”, mas não tem percorrido o país com Haddad fazendo “corpo a corpo” com a população. Muito pelo contrário. Gradativamente, o partido ficou desinteressante.

Fernando Haddad virou colunista no jornal A Folha de São Paulo. Em um mundo cada vez mais visual, onde reinam os vídeos e os memes, a linguagem escrita parece um isolamento. Haddad não participa de entrevistas ou de programas na internet. O segundo colocado nas eleições de 2018 está no ostracismo midiático simplesmente por ser irrelevante.

Haddad e PT não são vistos como oposição ao governo. São apenas um grupo que repete de modo previsível “Lula Livre”. Se quiserem alguém para atacar o governo ou fazer alguma declaração que possa aumentar o ibope, chamem Ciro Gomes. Se na liderança da oposição o PT ainda comanda, no interessa da mídia, o partido já está em segundo plano.

Se fosse bem conduzida, “Lula Livre” seria ótima para o partido conseguir forjar um nome para o futuro eminente. Entretanto, prefere utilizar uma retórica vazia e sem interesse midiático.

A campanha “Lula Livre” não fortalece o PT, apenas o enfraquece. O PT deveria ser maior do que os seus membros. Um dia, todos irão deixar o partido de alguma forma e a organização continuará existindo. Entretanto, o partido parece aceitar seu tamanho diminuto e submisso a Lula e trabalha para fortalecer cada dia mais a figura do ex-presidente.

Lula não é o PT, mas o PT quer ser Lula. Se o PT quer ser Lula e está preso a ele, o partido terá de se conformar de morrer junto a Lula.

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Bolsonaro é o Napoleão brasileiro


Depois de cinco meses de governo, muitas pessoas dizem que Bolsonaro não governa o país. Elas estão erradas. Bolsonaro governa muito bem o rumo do Brasil que é o caos. O presidente deseja o caos para poder governar. Quando esteve nos EUA pela primeira vez, Bolsonaro disse ser necessário desconstruir muita coisa para poder construir. E é exatamente isso que ele tem feito.

O presidente não se importa com PIB, fome, emprego, crescimento da economia, educação, Amazônia, corrupção e Congresso, Bolsonaro quer a destruição para poder fazer do jeito dele.

Durante os 30 anos que esteve como deputado, Bolsonaro aprendeu o jogo político e viu seus antecessores padecerem nos finais de seus mandatos por conta de governarem com o Congresso. Dilma e Collor sofreram impeachment, FHC saiu queimado e não conseguiu eleger seu sucessor e Lula acabou preso.

O caso de Lula é emblemático. O ex-presidente perdeu três eleições seguidas para conseguir vencer. Quando venceu em 2002, ele não levou. Lula ganhou, mas não levou porque precisou se alinhar a Collors, Sarneys e Malufs da vida, o pior da direita brasileira. Lula não governou sozinho e Bolsonaro quer governar sozinho.

Sem negociar praticamente nada, o presidente conseguiu aprovar a Medida Provisória 870, a MP da reforma administrativa, em meio às críticas de opositores e temores de aliados. A reforma da previdência tramita em bom ritmo no Congresso com pouco esforço do presidente e será aprovada no segundo semestre conforme já previsto por empresários.

Os dois projetos enviados por Bolsonaro mostraram ao presidente que é possível governar sem o Congresso. Os ruídos e atritos iniciais irão ocorrer como é praxe em qualquer processo de mudança organizacional.

Para auxiliar o seu movimento de poder, Bolsonaro conta com um movimento popular antidemocrático e antissistema, originado nas manifestações de 2013, com o objetivo de aniquilar a oposição. Todos contrários ao presidente são taxados de comunistas e esquerdistas. Aqueles contrários a Bolsonaro são vistos como inimigos e não opositores.

Em sua própria perspectiva, Bolsonaro não se vê como um presidente, mas sim como um capitão de uma revolução bonapartista.

O objetivo da revolução capitaneada por Bolsonaro é destruir tudo para vir com a solução bonapartista.

Movimento semelhante acabou ocorrendo no Irã com Ruhollah Khomeini, o Aiatolá Khomeini. O líder revolucionário iraniano era visto com desdém e chacota pela elite e intelectuais iranianos. Muitos zombavam dizendo que ele era incapaz de usar vaso sanitário, apenas fossa séptica. Aqueles que o desdenhavam não foram capazes de perceberem o movimento que estava sendo formado. Quando Ruhollah pisou em Teerã, metade da população era xiita e a revolução foi feita.

Qualquer semelhança com o descrédito e deboches sofridos por Bolsonaro nos tempo de Super Pop e CQC e com o crescimento da população evangélica no Brasil não é mera coincidência.

É provável que a população evangélica seja conclamada a predominante no Brasil de modo oficial no próximo censo do IBGE em 2020.

Os evangélicos correspondem a uma parcela considerável do eleitorado de Bolsonaro. A disciplina religiosa evangélica pode ser utilizada pelo presidente para cativar e manter o seu fiel exército de fiéis. O presidente sabe disso e tem cultivado cada vez mais um tom religioso em seus discursos.

A narrativa cada vez mais utilizada por Bolsonaro e seus apoiadores é a unção divina. Bolsonaro, antes de eleito pelo povo, é um eleito por Deus para governar o Brasil. Uma escolha divina que qualquer oposição a ele é considerada uma oposição ao próprio criador.

Depois de anos sendo motivo de piada, Bolsonaro está se preparando para rir por último daqueles que o debocharam. Vencer as eleições não foi suficiente porque ele precisa vencer e levar. Para levar, Bolsonaro precisará governar sozinho. Para governar sozinho, ele precisar destruir. Estamos todos no rumo que Bolsonaro quer.