quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O que aprender com a infância?

Todos nós deveríamos ter a experiência de reviver algumas situações que passamos quando éramos mais jovens. Como a viagem no tempo ainda é algo impossível, nos contentaríamos em assistir programas, rever filmes e reler livros que marcaram a juventude de cada um. Com mais experiência e com outro prisma, seria possível descobrir mensagens em meandros que na época eram impossíveis de serem vislumbrados.

Recentemente, tive a experiência de rever "Menino Maluquinho - O Filme" de 1995, filme baseado na obra literária infantil escrita por Ziraldo. Passados vinte anos, era óbvio que o efeito do filme causado em mim seria totalmente diferente do gerado em 1995. Diferentemente de 1995, a sensação ao fim do filme era de estômago atordoado, como se um soco tivesse atingido a minha região abdominal.

O filme termina em uma partida de futebol entre os meninos do bairro com o Menino Maluquinho jogando como goleiro. Atuando nessa posição, são mostrados lances do garoto saltando e voando para defender as bolas em direção ao seu gol. Em determinado momento entre uma defesa e outra, o narrador do filme inicia um discurso, que em 1995 não consegui perceber a sutileza das palavras, utilizando a posição de goleiro como metáfora: "mas teve uma coisa que o menino não conseguiu segurar: o tempo. E o tempo passou (...).".

Depois de rever o filme, comecei a refletir de como o tempo é algo limitado: uma hora tem sessenta minutos, um dia tem vinte e quatro horas, um mês tem trinta dias e um ano tem trezentos e sessenta e cindo dias; limites impostos para só uma vida. Tendo feito tal reflexão, me angustiou o fato de certamente eu não ter tempo hábil para realizar todas as aspirações que possuo. Refletindo um pouco mais, meu panorama caminhou para outro patamar: talvez eu até consiga realizar meus desejos e vontades em apenas uma vida, o que provavelmente impedirá todos os meus sonhos de se realizarem é a escassez de dinheiro.

Apesar de não ter a intenção, o meu raciocínio acabou caminhando para o chamado "problema econômico fundamental". O problema econômico fundamental é uma das teorias econômicas mais básicas; ele argumenta que os recursos disponíveis para atendermos nossos objetivos pessoais são escassos, portanto, cabe às pessoas a melhor alocação de tais recursos para atender suas necessidades. No caso referente à minha reflexão sobre o filme, os recursos limitados eram tempo e dinheiro.

Por se tratarem de entidades consideradas "vivas", as organizações, entre elas as empresas, também estão à mercê do problema econômico fundamental. Pegando o exemplo das empresas, elas possuem diversas limitações que transcendem a questão do tempo e capital: limitação de espaço físico, limitação de estoques, número limitado de funcionários, capacidade produtiva, tamanho da força de venda, nível intelectual dos funcionários, número de compradores e número de fornecedores são alguns exemplos de limitações que as empresas enfrentam diariamente. Para lidar com tais restrições, a figura do gestor é imprescindível.

E como fazer para lidar com tal problema? A resposta, infelizmente, é complexa e difícil de ser dada. Muitos utilizam a priorização para administrar a escassez de recursos: o que é mais importante é realizado primeiro. Porém, tal estratégia é muito imediatista e pode limitar a preocupação da empresa ao presente, o que é extremamente perigoso.

Uma boa estratégia para lidar com o problema econômico fundamental é administrar recursos ao invés de utilizar recursos. A palavra "administrar" transmite uma ideia de cuidado e de zelo. Com cuidado e zelo, é possível administrar os recursos para que eles durem, dessa forma o pensamento deixa de ser imediatista e passa para o longo prazo, tornando a empresa sustentável no sentido essencial do conceito: utilizar os recursos presentes sem comprometer o desenvolvimento futuro.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

É possível ter sustentabilidade?

No domingo 14/12, o Fantástico passou uma matéria sobre caminhoneiros que burlavam a utilização do ARLA 32. O ARLA 32 é um aditivo utilizado em caminhões para reduzir as emissões de gases provenientes do escapamento dos veículos. De acordo com a reportagem, a lei obriga os caminhoneiros a utilizarem o sintético em suas viagens. Porém, na prática, não é exatamente isso que acontece: colocado em um tanque a parte do reservatório de combustível, seu uso é substituído por água ou por um mecanismo eletrônico que inibe os sensores do caminhão de detectarem a ausência do produto.

A reportagem do Fantástico, para dramatizar a situação, iniciou com a apresentadora dizendo "uma fraude que coloca em risco a saúde das pessoas e o meio ambiente". Sem saber, a apresentadora já identificou e respondeu o problema em questão. A preocupação somente com "pessoas" e "meio ambiente" é o problema. A razão dos caminhoneiros não fazerem uso do aditivo deve-se ao fato do encarecimento do custo de transporte.

A utilização do ARLA 32, denunciada pelo Fantástico, é apenas um de inúmeros exemplos de iniciativas de sustentabilidade que fracassaram, ou seria de desenvolvimento sustentável? De todas as iniciativas que fracassaram muitas, para não ser arrogante em dizer todas, já surgiram natimortas. Isso ocorreu, ocorre e ocorrerá porque as pessoas não sabem o que é sustentabilidade e desenvolvimento sustentável. A grande maioria da população trata os dois termos como sinônimos, o que não está correto.

Apesar de muitos autores realmente tratarem ambos como sinônimos, isso não é o mais apropriado. O termo "desenvolvimento sustentável" remete a ideia de desenvolver o presente sem comprometer os recursos do futuro. Por outro lado, o conceito de "sustentabilidade" é mais complexo e está pautado em três pilares: ambiental, social e econômico.

Tendo em mente o que é sustentabilidade, fica muito trivial descobrir os motivos que fizerem o exemplo apresentado pelo Fantástico fracassar. A utilização do ARLA 32 é viável do ponto de vista ambiental e social, porém, péssimo do ponto de vista econômico. Seu preço encarece os custos de transporte e deixa os caminhoneiros menos competitivos dentro de um mercado de forte concorrência.

Antes de julgar a ação dos caminhoneiros como condenável, abra a sua geladeira e veja se há algum produto de origem orgânica. Se houver, não serão todos. A causa da escassez de produtos orgânicos na sua geladeira provavelmente é o preço. Apesar de serem excelentes para o meio ambiente e para os produtores, os produtos orgânicos possuem um preço maior do que os "não orgânicos", tornando-os pouco atrativos para os consumidores finais, no caso, você.

A situação do ARLA 32 e dos produtos orgânicos é rigorosamente a mesma. Para que uma iniciativa de sustentabilidade tenha êxito, ela deve contemplar todos os três pilares de sustentação: ambiental, social e econômico. Muitas organizações realizam ações sócio-ambientais como se fossem ações de sustentabilidade, porém, para ser considerada uma ação de sustentabilidade de fato, ela também deve contemplar o pilar econômico.

No contexto atual, as ações de sustentabilidade que obtém êxito, em sua maioria, são pautadas na atenuação de desperdícios, pois também há o ganho econômico com a redução da utilização de recursos. Dessa forma, torna-se interessante para as organizações adotarem medidas sustentáveis, em razão de haver um beneficio real para elas.

Em dezembro ocorreu a Conferência Climática das Nações Unidas, em Lima no Peru. Todo o discurso de preocupação climática é muito bonito e louvável, porém, fica limitado à teoria, pois na prática, não deixa de ser utópico. Enquanto não houver medidas que não pretiram o lado econômico em detrimento do social e ambiental, as ações de sustentabilidade irão fracassam sumariamente. Fracassar é desperdiçar. Portanto, as mesmas pessoas que pregam tanto a emergência da sustentabilidade estão sendo "anti sustentabilidade", pois geram desperdício. Antes mesmo de criar ou propor algo, deve-se entender o conceito do contexto para que o tiro não saia pela culatra como sistematicamente está ocorrendo. 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Qual a utilidade de um submarino nuclear?

Um Estado é uma organização política constituída segundo normas jurídicas determinadas, em um território definido e com governo independente. Resumidamente, um Estado é composto pelos seguintes elementos: povo, território e soberania. O povo é o elemento humano de um Estado que habita uma base física, conhecida como território, e é conduzida por um governo com poderes absolutos de auto-organização.

Para defender seu território, seu povo e sua soberania, um Estado conta com a presença das chamadas Forças Armadas, compostas pelos elementos terrestres, aéreos e navais. Em tempos de paz, as Forças Armadas passam a ter uma função de proteção fronteiriça, impedindo a entrada de produtos contrabandeados, drogas, doenças e pessoas ilegais. Mais do que a função de defesa, as Forças Armadas possuem um caráter geopolítico importante, sendo um elemento essencial de demonstração de poder.

Um período em que ficou muito evidente a importância geopolítica das Forças Armadas foi na chamada Guerra Fria. Durante o período, Estados Unidos e União Soviética competiam para mostrar ao mundo qual de ambos apresentava o maior poderio bélico. Cientistas americanos e soviéticos eram incentivados a construírem armamentos cada vez mais pesados e com tecnologia nuclear capaz de destruir a Terra inúmeras vezes.

Nos dias atuais, poucos são os países que possuem, legalmente, tal tipo de armamento nuclear. Praticamente todos os países do mundo fazem parte do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, o TNP. O TNP foi um tratado assinado em 1968 em Nova Iorque com o propósito de evitar a disseminação de armas nucleares e para viabilizar o uso pacífico de tecnologia nuclear.

Do ponto de vista da redução dos conflitos internacionais, tal acordo é interessante, pois o armamento nuclear é um dos principais fatores de tensões globais. Por outro lado, por conta do poderio nuclear, países passam a ser temidos e respeitados pela comunidade internacional. Estados Unidos, Reino Unido, China e Rússia não são respeitados apenas por serem algumas das principais economias do mundo. Pelo lado brasileiro, por ser um dos membros do TNP, as discussões sobre armamentos nucleares passam longe dos assuntos mais debatidos.

Apesar do Brasil não possuir nenhum tipo de interesse aparente em desenvolver uma bomba atômica, em 2023 ficará pronto o nosso submarino de propulsão nuclear. A instituição responsável por fazer o patrulhamento da zona costeira é Marinha do Brasil. A entidade argumenta a necessidade do desenvolvimento de tal mecanismo de defesa amparada no fato do país ser foco de "ambições" estrangeiras.

A "ambição" mencionada pela Marinha não é referente a domínio ou invasão territorial, mas sim nas nossas riquezas naturais. Praticamente toda a extração brasileira de petróleo ocorre no mar, nossas principais reservas petrolíferas e de gás estão em poços ao redor da costa. Sem mencionar que nossa maior reserva de petróleo, o pré-sal, é assunto de discussões internacionais.

De acordo com os Estados Unidos, o pré-sal brasileiro encontra-se em águas internacionais, fato que não daria ao Brasil exclusividade em sua exploração. Sabendo de tais ambições internacionais, o governo brasileiro luta para manter suas reservas em seus domínios, para tanto, busca um aumento do território marítimo. O debate sobre a legitimidade do controle do pré-sal só não está tão em pauta por conta do preço atual do barril de petróleo.

Uma "guerra" geopolítica começa a ser armada para os próximos anos e o Brasil precisa estar preparado para tanto. O desenvolvimento do submarino nuclear é um passo importante para termos uma Força Armada potente, não para entrarmos em combate, mas sim para ter poder de dissuasão. O submarino mandará um recado aos demais países dizendo "aqui é nosso, não se metam com a gente". Para ter respeito internacional, não basta apenas poderio econômico, pois se o respeito não for conquistado, ele deve ser imposto.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Qual o segredo do sucesso?

No dia 28 de novembro de 2014, morreu o diretor, ator, compositor, escritor, comediante e dramaturgo Roberto Gómez Bolaños, também conhecido como Chesperito. O apelido de Chesperito é derivado de "shakespearito", uma alusão ao poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare que significava "pequeno Shakespeare". Tal apelido era proveniente da genialidade do mexicano em seus trabalhos e criação de personagens. Os mais conhecidos do público brasileiro eram Chaves e Chapolin.

Apesar da morte de Bolaños em 2014, o personagem Chaves já havia morrido há muito tempo. No ano de 1995, o dublador Marcelo Gastaldi veio a falecer. Dono de uma voz melancólica, Gastaldi deu vida brasileira a personagens como Charlie Brown e imortalizou Chaves e Chapolin. As causas de sua morte são variadas e não há consenso se foi decorrência de problemas com diabetes ou um fatídico acidente automobilístico.

Além de emprestar sua voz para os personagens, Marcelo Gastaldi foi parte importante para a perpetuação do fenômeno Chaves que as pessoas tanto querem explicar, porém pouco conseguem. Muitos vão dizer que o sucesso é por conta do humor inocente de criança. Talvez sim, mas um seriado em que o garoto gordo é debochado por causa do seu peso, a velha solteira é chamada de bruxa, o menino rico humilha o menino pobre, o homem mais velho agride crianças que não são seus filhos e o professor fuma enquanto ministra suas aulas não pode ser considerado "inocente".

A inocência talvez tenha sido a melhor explicação encontrada para tentar justificar o sucesso do tosco seriado. Entretanto, se a inocência fosse a única razão, outros programas igualmente inocentes também estariam fazendo o mesmo sucesso. Além disso, conversando uma vez com um mexicano, ele se mostrou surpreendido com o fato do seriado ainda passar diariamente em canal aberto no Brasil, algo que já não acontecia a certo tempo no México. Será que a inocência vale apenas para o cenário brasileiro e não para o mexicano?

A inocência pode ser uma das explicações para o sucesso. Porém, o segredo da perpetuação do fenômeno do seriado Chaves no Brasil é a dublagem. Enquanto diretor, Marcelo Gastaldi selecionou de forma sublime um time de atores com vozes e sinergia perfeitas para os personagens criados por Bolaños. Na equipe de Gastaldi havia Nelson Machado, dublador do personagem Quico e responsável por "abrasileirar" os textos em espanhol e criar os principais bordões amados pelo público: "gentalha, gentalha, gentalha", "ta bom, mas não se irrite", "ninguém tem paciência comigo" e "era melhor termos ido ver o filme do Pelé" são alguns exemplos do trabalho de adaptação feito por Nelson.

Mesmo o trabalho de dublagem sendo o principal responsável pela manutenção do sucesso do programa até os dias de hoje, temos que ter cuidado para não desprestigiarmos, mesmo que de forma involuntária, o trabalho realizado por Bolaños. Não podemos esquecer que antes da seleção de atores brasileiros feita por Gastaldi, Bolaños já havia realizado uma triagem meticulosa de atores para darem vida a seus personagens. Portanto, os episódios que chegam a nossos televisores foram desenvolvidos por duas equipes: a mexicana e a brasileira.

O sucesso do programa no Brasil é proveniente dessas duas equipes que juntas possuem uma sinergia muito forte. Caso o seriado não tivesse uma das equipes, ele provavelmente não teria obtido o mesmo sucesso em solo brasileiro. A sinergia do grupo de Gastaldi e do grupo de Bolaños transcende o fator técnico da dublagem impecável e chega a um ponto muito mais complexo: formação de equipes.

A principal lição que o seriado deixa é a importância em formar boas equipes. Tanto Gastaldi quanto Bolaños desempenharam seus papéis de líderes muito bem e formaram excelentes equipes. Ambos são ótimos exemplos de que a seleção e distribuição de papéis é um fator preponderante para o sucesso e, principalmente, para a lucratividade de um negócio.