quinta-feira, 30 de abril de 2015

Sem jeitinho tem brasileiro?

O senso comum acredita que o jeitinho brasileiro é simplesmente uma forma de subversão das normas e leis para que uma pessoa consiga o que deseja. Um exemplo claro de um jeitinho ocorre quando uma pessoa está em uma repartição pública e é atendida por um atendente, uma autoridade e por ela está imbuído. O atendente não sabe quem é aquela pessoa e nem faz questão de saber, custa a atender a solicitação e cria dificuldades burocráticas. Diante do impasse gerado, um jeito de solucioná-lo de forma conciliadora é solicitado: geralmente a solicitação ocorre quando há um elo em comum, como torcerem pelo mesmo time de futebol, serem da mesma região ou terem parentes próximos.

A situação descrita anteriormente é talvez o exemplo mais comum e evidente da manifestação do jeitinho brasileiro. Porém, existem outros diversos exemplos muito mais corriqueiros que passam de forma despercebida pelo grande público. Na verdade, o jeitinho brasileiro é um elemento muito mais presente na nossa sociedade e cultura do que podemos pensar.

O que ocorreu no exemplo da repartição pública foi um nivelamento hierárquico: a autoridade, na figura do atendente, que deveria ser impessoal e atender todos da mesma forma, é igualada ao nível hierárquico do cidadão comum, e algo teoricamente impessoal passa a ser pessoal. Portanto, o jeitinho brasileiro é a igualdade hierárquica que ocorre quando pessoal e impessoal são misturados. De tal modo, é possível perceber que o cerne do jeitinho é a mistura; e o povo brasileiro, culturalmente, adora misturar as coisas.

A figura do mulato, forma como os brasileiros são reconhecidos no exterior, as mulatas do samba, por exemplo, é uma mistura. O povo brasileiro é uma mistura de povos e raças que originaram um povo mestiço, ou mulato. O problema do mulato é que ele não possui um lugar na sociedade, pois ele não é negro e nem branco, ele não se encaixa em nenhum dos dois grupos. O mulato não consegue se posicionar no grupo dos negros ou no grupo dos brancos, permanecendo sempre em um estágio intermediário.

Estágio intermediário também presente nas tradições culinárias do brasileiro, o qual prefere sempre uma boa comida cozida a um prato cru. O cozido é um estágio intermediário entre o sólido e o líquido, o que privilegia muito mais as misturas típicas do brasileiro, como o tradicionalíssimo arroz com feijão. Na culinária típica brasileira, arroz e feijão são cozinhados separadamente para no prato virarem juntos o "arroz feijão", uma combinação muitas vezes acompanhada da farofa, integrando ainda mais as cores e os sabores dos alimentos em uma separação impossível.

Porém, o ápice da mistura é a sua manifestação, celebração e aclamação na maior e mais tradicional festa brasileira: o carnaval. O carnaval é a maior representação de mistura de classes sociais e equalização dos níveis hierárquicos, onde pessoal e impessoal se confundem a todo o momento. Somente no carnaval, a nobreza vem do povo: o Rei Momo, um nobre vindo da plebe, rege sua corte nas ruas, onde classes sociais se misturam e podem ser o que desejarem ser. Somente no carnaval, um lixeiro pode ser médico, um advogado um mendigo e um policial infringir as leis, tudo isso permitido pelo uso das fantasiais, a contraposição maior da impessoalidade e autoridade dos uniformes: um policial uniformizado, representante da lei, não pode beber na rua, porém, para um folião fantasiado de policial a história é diferente.

Por conta da falta de hierarquia e mistura presentes no cotidiano da vida do brasileiro, quando uma situação impessoal ocorre, ele não a entende e busca o nivelamento hierárquico para deixar o fato no nível pessoal, pois seu modo habitual é assim e, nesse instante, surge o jeitinho brasileiro como ele é corriqueiramente conhecido. Por essa razão, quando as pessoas pedem o fim do jeitinho, elas estão pedindo o fim da cultura brasileira, pois a cultura brasileira é o jeitinho. Pedir o fim do jeitinho é pedir o fim do arroz com feijão, é pedir o fim do carnaval e pedir o fim de todos os brasileiros, pois somos todos mulatos, uma mistura inseparável que personifica e representa o jeitinho brasileiro.


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