quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O que aprender com a infância?

Todos nós deveríamos ter a experiência de reviver algumas situações que passamos quando éramos mais jovens. Como a viagem no tempo ainda é algo impossível, nos contentaríamos em assistir programas, rever filmes e reler livros que marcaram a juventude de cada um. Com mais experiência e com outro prisma, seria possível descobrir mensagens em meandros que na época eram impossíveis de serem vislumbrados.

Recentemente, tive a experiência de rever "Menino Maluquinho - O Filme" de 1995, filme baseado na obra literária infantil escrita por Ziraldo. Passados vinte anos, era óbvio que o efeito do filme causado em mim seria totalmente diferente do gerado em 1995. Diferentemente de 1995, a sensação ao fim do filme era de estômago atordoado, como se um soco tivesse atingido a minha região abdominal.

O filme termina em uma partida de futebol entre os meninos do bairro com o Menino Maluquinho jogando como goleiro. Atuando nessa posição, são mostrados lances do garoto saltando e voando para defender as bolas em direção ao seu gol. Em determinado momento entre uma defesa e outra, o narrador do filme inicia um discurso, que em 1995 não consegui perceber a sutileza das palavras, utilizando a posição de goleiro como metáfora: "mas teve uma coisa que o menino não conseguiu segurar: o tempo. E o tempo passou (...).".

Depois de rever o filme, comecei a refletir de como o tempo é algo limitado: uma hora tem sessenta minutos, um dia tem vinte e quatro horas, um mês tem trinta dias e um ano tem trezentos e sessenta e cindo dias; limites impostos para só uma vida. Tendo feito tal reflexão, me angustiou o fato de certamente eu não ter tempo hábil para realizar todas as aspirações que possuo. Refletindo um pouco mais, meu panorama caminhou para outro patamar: talvez eu até consiga realizar meus desejos e vontades em apenas uma vida, o que provavelmente impedirá todos os meus sonhos de se realizarem é a escassez de dinheiro.

Apesar de não ter a intenção, o meu raciocínio acabou caminhando para o chamado "problema econômico fundamental". O problema econômico fundamental é uma das teorias econômicas mais básicas; ele argumenta que os recursos disponíveis para atendermos nossos objetivos pessoais são escassos, portanto, cabe às pessoas a melhor alocação de tais recursos para atender suas necessidades. No caso referente à minha reflexão sobre o filme, os recursos limitados eram tempo e dinheiro.

Por se tratarem de entidades consideradas "vivas", as organizações, entre elas as empresas, também estão à mercê do problema econômico fundamental. Pegando o exemplo das empresas, elas possuem diversas limitações que transcendem a questão do tempo e capital: limitação de espaço físico, limitação de estoques, número limitado de funcionários, capacidade produtiva, tamanho da força de venda, nível intelectual dos funcionários, número de compradores e número de fornecedores são alguns exemplos de limitações que as empresas enfrentam diariamente. Para lidar com tais restrições, a figura do gestor é imprescindível.

E como fazer para lidar com tal problema? A resposta, infelizmente, é complexa e difícil de ser dada. Muitos utilizam a priorização para administrar a escassez de recursos: o que é mais importante é realizado primeiro. Porém, tal estratégia é muito imediatista e pode limitar a preocupação da empresa ao presente, o que é extremamente perigoso.

Uma boa estratégia para lidar com o problema econômico fundamental é administrar recursos ao invés de utilizar recursos. A palavra "administrar" transmite uma ideia de cuidado e de zelo. Com cuidado e zelo, é possível administrar os recursos para que eles durem, dessa forma o pensamento deixa de ser imediatista e passa para o longo prazo, tornando a empresa sustentável no sentido essencial do conceito: utilizar os recursos presentes sem comprometer o desenvolvimento futuro.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

É possível ter sustentabilidade?

No domingo 14/12, o Fantástico passou uma matéria sobre caminhoneiros que burlavam a utilização do ARLA 32. O ARLA 32 é um aditivo utilizado em caminhões para reduzir as emissões de gases provenientes do escapamento dos veículos. De acordo com a reportagem, a lei obriga os caminhoneiros a utilizarem o sintético em suas viagens. Porém, na prática, não é exatamente isso que acontece: colocado em um tanque a parte do reservatório de combustível, seu uso é substituído por água ou por um mecanismo eletrônico que inibe os sensores do caminhão de detectarem a ausência do produto.

A reportagem do Fantástico, para dramatizar a situação, iniciou com a apresentadora dizendo "uma fraude que coloca em risco a saúde das pessoas e o meio ambiente". Sem saber, a apresentadora já identificou e respondeu o problema em questão. A preocupação somente com "pessoas" e "meio ambiente" é o problema. A razão dos caminhoneiros não fazerem uso do aditivo deve-se ao fato do encarecimento do custo de transporte.

A utilização do ARLA 32, denunciada pelo Fantástico, é apenas um de inúmeros exemplos de iniciativas de sustentabilidade que fracassaram, ou seria de desenvolvimento sustentável? De todas as iniciativas que fracassaram muitas, para não ser arrogante em dizer todas, já surgiram natimortas. Isso ocorreu, ocorre e ocorrerá porque as pessoas não sabem o que é sustentabilidade e desenvolvimento sustentável. A grande maioria da população trata os dois termos como sinônimos, o que não está correto.

Apesar de muitos autores realmente tratarem ambos como sinônimos, isso não é o mais apropriado. O termo "desenvolvimento sustentável" remete a ideia de desenvolver o presente sem comprometer os recursos do futuro. Por outro lado, o conceito de "sustentabilidade" é mais complexo e está pautado em três pilares: ambiental, social e econômico.

Tendo em mente o que é sustentabilidade, fica muito trivial descobrir os motivos que fizerem o exemplo apresentado pelo Fantástico fracassar. A utilização do ARLA 32 é viável do ponto de vista ambiental e social, porém, péssimo do ponto de vista econômico. Seu preço encarece os custos de transporte e deixa os caminhoneiros menos competitivos dentro de um mercado de forte concorrência.

Antes de julgar a ação dos caminhoneiros como condenável, abra a sua geladeira e veja se há algum produto de origem orgânica. Se houver, não serão todos. A causa da escassez de produtos orgânicos na sua geladeira provavelmente é o preço. Apesar de serem excelentes para o meio ambiente e para os produtores, os produtos orgânicos possuem um preço maior do que os "não orgânicos", tornando-os pouco atrativos para os consumidores finais, no caso, você.

A situação do ARLA 32 e dos produtos orgânicos é rigorosamente a mesma. Para que uma iniciativa de sustentabilidade tenha êxito, ela deve contemplar todos os três pilares de sustentação: ambiental, social e econômico. Muitas organizações realizam ações sócio-ambientais como se fossem ações de sustentabilidade, porém, para ser considerada uma ação de sustentabilidade de fato, ela também deve contemplar o pilar econômico.

No contexto atual, as ações de sustentabilidade que obtém êxito, em sua maioria, são pautadas na atenuação de desperdícios, pois também há o ganho econômico com a redução da utilização de recursos. Dessa forma, torna-se interessante para as organizações adotarem medidas sustentáveis, em razão de haver um beneficio real para elas.

Em dezembro ocorreu a Conferência Climática das Nações Unidas, em Lima no Peru. Todo o discurso de preocupação climática é muito bonito e louvável, porém, fica limitado à teoria, pois na prática, não deixa de ser utópico. Enquanto não houver medidas que não pretiram o lado econômico em detrimento do social e ambiental, as ações de sustentabilidade irão fracassam sumariamente. Fracassar é desperdiçar. Portanto, as mesmas pessoas que pregam tanto a emergência da sustentabilidade estão sendo "anti sustentabilidade", pois geram desperdício. Antes mesmo de criar ou propor algo, deve-se entender o conceito do contexto para que o tiro não saia pela culatra como sistematicamente está ocorrendo. 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Qual a utilidade de um submarino nuclear?

Um Estado é uma organização política constituída segundo normas jurídicas determinadas, em um território definido e com governo independente. Resumidamente, um Estado é composto pelos seguintes elementos: povo, território e soberania. O povo é o elemento humano de um Estado que habita uma base física, conhecida como território, e é conduzida por um governo com poderes absolutos de auto-organização.

Para defender seu território, seu povo e sua soberania, um Estado conta com a presença das chamadas Forças Armadas, compostas pelos elementos terrestres, aéreos e navais. Em tempos de paz, as Forças Armadas passam a ter uma função de proteção fronteiriça, impedindo a entrada de produtos contrabandeados, drogas, doenças e pessoas ilegais. Mais do que a função de defesa, as Forças Armadas possuem um caráter geopolítico importante, sendo um elemento essencial de demonstração de poder.

Um período em que ficou muito evidente a importância geopolítica das Forças Armadas foi na chamada Guerra Fria. Durante o período, Estados Unidos e União Soviética competiam para mostrar ao mundo qual de ambos apresentava o maior poderio bélico. Cientistas americanos e soviéticos eram incentivados a construírem armamentos cada vez mais pesados e com tecnologia nuclear capaz de destruir a Terra inúmeras vezes.

Nos dias atuais, poucos são os países que possuem, legalmente, tal tipo de armamento nuclear. Praticamente todos os países do mundo fazem parte do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, o TNP. O TNP foi um tratado assinado em 1968 em Nova Iorque com o propósito de evitar a disseminação de armas nucleares e para viabilizar o uso pacífico de tecnologia nuclear.

Do ponto de vista da redução dos conflitos internacionais, tal acordo é interessante, pois o armamento nuclear é um dos principais fatores de tensões globais. Por outro lado, por conta do poderio nuclear, países passam a ser temidos e respeitados pela comunidade internacional. Estados Unidos, Reino Unido, China e Rússia não são respeitados apenas por serem algumas das principais economias do mundo. Pelo lado brasileiro, por ser um dos membros do TNP, as discussões sobre armamentos nucleares passam longe dos assuntos mais debatidos.

Apesar do Brasil não possuir nenhum tipo de interesse aparente em desenvolver uma bomba atômica, em 2023 ficará pronto o nosso submarino de propulsão nuclear. A instituição responsável por fazer o patrulhamento da zona costeira é Marinha do Brasil. A entidade argumenta a necessidade do desenvolvimento de tal mecanismo de defesa amparada no fato do país ser foco de "ambições" estrangeiras.

A "ambição" mencionada pela Marinha não é referente a domínio ou invasão territorial, mas sim nas nossas riquezas naturais. Praticamente toda a extração brasileira de petróleo ocorre no mar, nossas principais reservas petrolíferas e de gás estão em poços ao redor da costa. Sem mencionar que nossa maior reserva de petróleo, o pré-sal, é assunto de discussões internacionais.

De acordo com os Estados Unidos, o pré-sal brasileiro encontra-se em águas internacionais, fato que não daria ao Brasil exclusividade em sua exploração. Sabendo de tais ambições internacionais, o governo brasileiro luta para manter suas reservas em seus domínios, para tanto, busca um aumento do território marítimo. O debate sobre a legitimidade do controle do pré-sal só não está tão em pauta por conta do preço atual do barril de petróleo.

Uma "guerra" geopolítica começa a ser armada para os próximos anos e o Brasil precisa estar preparado para tanto. O desenvolvimento do submarino nuclear é um passo importante para termos uma Força Armada potente, não para entrarmos em combate, mas sim para ter poder de dissuasão. O submarino mandará um recado aos demais países dizendo "aqui é nosso, não se metam com a gente". Para ter respeito internacional, não basta apenas poderio econômico, pois se o respeito não for conquistado, ele deve ser imposto.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Qual o segredo do sucesso?

No dia 28 de novembro de 2014, morreu o diretor, ator, compositor, escritor, comediante e dramaturgo Roberto Gómez Bolaños, também conhecido como Chesperito. O apelido de Chesperito é derivado de "shakespearito", uma alusão ao poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare que significava "pequeno Shakespeare". Tal apelido era proveniente da genialidade do mexicano em seus trabalhos e criação de personagens. Os mais conhecidos do público brasileiro eram Chaves e Chapolin.

Apesar da morte de Bolaños em 2014, o personagem Chaves já havia morrido há muito tempo. No ano de 1995, o dublador Marcelo Gastaldi veio a falecer. Dono de uma voz melancólica, Gastaldi deu vida brasileira a personagens como Charlie Brown e imortalizou Chaves e Chapolin. As causas de sua morte são variadas e não há consenso se foi decorrência de problemas com diabetes ou um fatídico acidente automobilístico.

Além de emprestar sua voz para os personagens, Marcelo Gastaldi foi parte importante para a perpetuação do fenômeno Chaves que as pessoas tanto querem explicar, porém pouco conseguem. Muitos vão dizer que o sucesso é por conta do humor inocente de criança. Talvez sim, mas um seriado em que o garoto gordo é debochado por causa do seu peso, a velha solteira é chamada de bruxa, o menino rico humilha o menino pobre, o homem mais velho agride crianças que não são seus filhos e o professor fuma enquanto ministra suas aulas não pode ser considerado "inocente".

A inocência talvez tenha sido a melhor explicação encontrada para tentar justificar o sucesso do tosco seriado. Entretanto, se a inocência fosse a única razão, outros programas igualmente inocentes também estariam fazendo o mesmo sucesso. Além disso, conversando uma vez com um mexicano, ele se mostrou surpreendido com o fato do seriado ainda passar diariamente em canal aberto no Brasil, algo que já não acontecia a certo tempo no México. Será que a inocência vale apenas para o cenário brasileiro e não para o mexicano?

A inocência pode ser uma das explicações para o sucesso. Porém, o segredo da perpetuação do fenômeno do seriado Chaves no Brasil é a dublagem. Enquanto diretor, Marcelo Gastaldi selecionou de forma sublime um time de atores com vozes e sinergia perfeitas para os personagens criados por Bolaños. Na equipe de Gastaldi havia Nelson Machado, dublador do personagem Quico e responsável por "abrasileirar" os textos em espanhol e criar os principais bordões amados pelo público: "gentalha, gentalha, gentalha", "ta bom, mas não se irrite", "ninguém tem paciência comigo" e "era melhor termos ido ver o filme do Pelé" são alguns exemplos do trabalho de adaptação feito por Nelson.

Mesmo o trabalho de dublagem sendo o principal responsável pela manutenção do sucesso do programa até os dias de hoje, temos que ter cuidado para não desprestigiarmos, mesmo que de forma involuntária, o trabalho realizado por Bolaños. Não podemos esquecer que antes da seleção de atores brasileiros feita por Gastaldi, Bolaños já havia realizado uma triagem meticulosa de atores para darem vida a seus personagens. Portanto, os episódios que chegam a nossos televisores foram desenvolvidos por duas equipes: a mexicana e a brasileira.

O sucesso do programa no Brasil é proveniente dessas duas equipes que juntas possuem uma sinergia muito forte. Caso o seriado não tivesse uma das equipes, ele provavelmente não teria obtido o mesmo sucesso em solo brasileiro. A sinergia do grupo de Gastaldi e do grupo de Bolaños transcende o fator técnico da dublagem impecável e chega a um ponto muito mais complexo: formação de equipes.

A principal lição que o seriado deixa é a importância em formar boas equipes. Tanto Gastaldi quanto Bolaños desempenharam seus papéis de líderes muito bem e formaram excelentes equipes. Ambos são ótimos exemplos de que a seleção e distribuição de papéis é um fator preponderante para o sucesso e, principalmente, para a lucratividade de um negócio.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Onde está a concorrência?

Para iniciar o artigo, pensei em propor ao leitor um desafio: tentar encontrar uma empresa com um faturamento de US$ 1 trilhão. Desisti quando soube que a empresa com o maior faturamento, segundo a Fortune, é o Wal Mart com US$ 476 bilhões, nem a metade do valor proposto no desafio. O segundo desafio que eu iria propor era encontrar uma empresa com uma quantidade de funcionários superior a um milhão. Também desisti ao saber que o próprio Wal Mart possui 2,2 milhões de colaboradores, uma quantidade comparável a populações de países inteiros.

Todo esse exercício era apenas para mostrar ser impossível comparar empresas com países. Apesar de o próprio Wal Mart ter um faturamento superior ao PIB da Argentina, por exemplo, ele ainda está muito longe dos US$ 15 trilhões dos EUA, para não entrarmos no quesito população, pois 2,2 milhões são incomparáveis com o 1,3 bilhão da China.

Da mesma forma que as empresas possuem um CEO, um país também possui um, no caso, um presidente. E do mesmo modo que é impossível comparar economicamente e populacionalmente países com empresas, é impossível compararmos as responsabilidades de um CEO e de um presidente nacional. Um presidente nacional precisa zelar pela soberania nacional, pela saúde da população, pela defesa do território, pelos interesses econômicos, pelo bem-estar social e pelas políticas governamentais, para citarmos alguns.

Apesar de tantas responsabilidades, os presidentes das vinte maiores potências mundiais ainda conseguem arrumar um tempo em suas agendas para se reunirem em Brisbane, na Austrália, na reunião do G20. Se pessoas tão atarefadas conseguem se reunir em uma sala para debaterem assuntos de Estado, é perfeitamente normal acreditar que um grupo de pessoas menos atarefadas também consiga se reunir em uma sala num local determinado.

Portanto, é possível para CEOs de empresas de determinado segmento se reunirem no hotel Burj Al Arab em Dubai para debaterem assuntos de interesse. Interesses que incluem preços ao consumidor. Se todas as empresas combinarem uma margem de flutuação de preços, elas evitam entrar em uma "guerra de preços", mantendo assim as margens de lucro.

Apesar de serem concorrentes, esse tipo de cooperação é interessante para as empresas. Se os produtos tiverem qualidades semelhantes, a escolha do consumidor é feita pelo preço. Ou seja, o produto mais barato, na maioria das vezes, acaba sendo comprado. Portanto, as empresas buscam maneiras de levar ao cliente o produto mais barato possível, configurando uma "guerra de preço" e achatamento das margens lucro. Entretanto, se houver um "acordo de cavalheiros" entre as empresas, elas evitam entrar nessa nefasta disputa por preço tão prejudicial aos cofres empresariais.

Com os preços semelhantes, a concorrência é praticamente inexistente, pois se há similaridade entre preço e qualidade de duas marcas distintas, não faz diferença para o consumidor qual produto escolher. Portanto, mesmo duas, três, quatro ou vinte marcas distintas, nesse tipo de situação, a concorrência é zero. Além do mais, tal movimento cooperativo, além de evitar uma "guerra de preços", coíbe a entrada de novos concorrentes ao mercado, pois o poder de barganha junto a clientes e fornecedores cria uma barreira praticamente intransponível que pleiteiam um lugar ao sol nesse segmento.

Se Adam Smith, em "A Riqueza das Nações", em 1776 já dizia que tais reuniões de empresas eram perfeitamente possíveis e ocorriam, imaginem hoje em dia com aviões, carros, telefones, celulares, internet e todos os outros aparatos tecnológicos que encurtaram todas as distâncias.


quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Por que assistem se é mentira?

Na semana passada fui pego, enquanto transitava pelos canais fechados da televisão, pelo programa WWE Smackdown no canal Fox Sport. Para quem não sabe a WWE é uma organização americana de capital aberto que organiza e gerencia as lutas de wrestling profissional. Aqui no Brasil, o wrestling profissional também é conhecido como luta-livre ou telecatch. O auge da luta-livre no Brasil aconteceu durante os anos 60 e lançou ícones como o lutador Ted Boy Marino.

Conhecida pelo espetáculo espalhafatoso e pelos socos, pontapés e cotoveladas que nunca tiravam sangue, a luta-livre tornou-se um evento conhecidamente como "armado", ou seja, as lutas eram falsas. Elas eram apenas encenações de atores musculosos para ludibriar o imaginário de um público questionador sobre a veracidade da apresentação.

Depois dos anos 60, o público brasileiro "perdeu o gosto" pelo esporte e os canais abertos deixaram de transmitir tal tipo de entretenimento. Recentemente, o SBT tentou resgatar o evento, porém, não teve sucesso e o programa foi retirado da grade da emissora. Se no Brasil a WWE tem sinônimo de armação, nos EUA ela é sinônima de sucesso.

Com um espetáculo itinerante, a WWE impressiona pelos seus eventos em ginásios sempre lotados. A histeria do público é palpável através da televisão. Uma multidão de pessoas trajando camisetas e outros produtos licenciados pela marca chegam ao êxtase quando seu lutador favorito aparece no ringue para lutar ou, simplesmente, falar.

Durante um pouco mais de trinta minutos que assisti ao programa, nenhuma luta havia acontecido. No ringue havia dois lutadores que se degladiavam não com seus punhos, mas com suas gargantas. A cada discurso de um dos lutadores, a multidão presente no ginásio delirava. Em um determinado momento da discussão, os microfones foram cortados, a luz abaixou e ambos os lutadores direcionaram seus olhares para uma determinada parte do ginásio onde um show pirotécnico combinado com uma batida eletrônica anunciava a chegada de um terceiro lutador. Quando o lutador surgiu, a música alta fora abafada pela histeria do público.

Os três lutadores começarem uma nova discussão e quando estavam prestes a iniciar um combate foram interrompidos pela figura de um magnata da corporação. O magnata surgiu e disse que a luta dos três não iria acontecer naquele momento porque ele estava propondo um desafio para ambos. O desafio consistia em um evento que seria realizado via pay-per-view. E por falar em pay-per-view, a WWE é a segunda empresa que mais vende em tal seguimento nos EUA, ficando atrás somente da NFL, a liga de futebol americano.

É ingenuidade achar que os americanos, depois de tantos anos, ainda acreditam que o evento é "real". A ignorância cultural dos americanos é algo discutível, entretanto, não podemos colocar em xeque a inteligência de um povo que detém a maior economia do mundo. Porém, eu seria mais ingênuo ainda se acreditasse que alguém está ali justamente para acompanhar a luta.

A luta em si é o que menos importa. O que vale são as músicas, o show pirotécnico, a gritaria do público, as discussões e a histeria de domina o ambiente. Ou seja, o que importa mesmo é o entretenimento. A luta torna-se apenas um mero detalhe perante os demais, ela é o pretexto que o público precisa para ir até ao ginásio, mas não o "prato principal".

Acredito fielmente que se os eventos esportivos brasileiros, como o Campeonato Brasileiro, por exemplo, possuíssem a mesma visão de entretenimento da WWE, nossos ginásios e arenas estariam muito mais cheios independentemente da qualidade dos times que estivessem jogando. Porque assim como ocorre na luta-livre americana, a partida em si é o que menos interessa.


quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O que é a inflação?

A última corrida presidencial brasileira teve vários pilares de discussão. Um dos pilares que encabeçaram os debates políticos foi a inflação. Enquanto um candidato bradava com ares apocalípticos que a "inflação havia voltado", o outro contra argumentava com soberba que a "inflação está controlada". Os discursos de ambos os candidatos pouco tinham a intenção de esclarecer qualquer ponto para a população. O intuito da oratória era angariar votos, independentemente das consequências que isso poderia trazer para a população mais desavisada, a qual infelizmente é a grande maioria.

O discurso de ambos candidatos, assim como o senso comum, dão à inflação uma conotação terrivelmente negativa, porém, a inflação é boa e desejável que ocorra; o problema é a poluição da inflação. Tal afirmação sobre os benefícios da inflação não são triviais para o grande público e choca o senso comum de forma passível de agressões verbais hediondas nas redes de relacionamento.

O grande problema talvez seja a falta de carinho e atenção do senso comum para avaliar o conceito de inflação: inflação é o aumento contínuo nos preços em uma determinada região. Ou seja, à medida que o tempo passa, o preço dos produtos torna-se mais caro. Como resultado desse movimento, o poder de compra das pessoas fica reduzido, por exemplo: se um refrigerante custava, em 1995, R$ 1,00, com R$ 2,00 era possível adquirir dois refrigerantes, porém, se em 2005 o preço desse mesmo refrigerante passou para R$ 1,25, com os mesmos R$ 2,00 de antes é possível adquirir apenas um refrigerante.

O aumento de preços pode ocorrer, geralmente, por uma elevação nos gastos públicos e por um aumento da demanda. Pela lei de oferta e demanda, quanto mais procura houver sobre um produto, no longo prazo, menor será a quantidade disponível no mercado e maior será o seu preço. Portanto, se ocorre inflação, significa que mais pessoas estão consumindo e elas consomem porque possuem, de algum modo, recursos para tal. Quando as pessoas deixam de consumir, os preços caem, pois a oferta fica maior e existe uma abundância de produtos disponíveis no mercado, isso significa que a população não consegue mais obter recursos para consumir tais produtos. Tal movimento pode significar uma crise ou recessão econômica daquela região. Portanto, a ocorrência da inflação é boa e deve existir. O que não pode ocorrer é um aumento exagerado de tal índice.

Durante o período eleitoral, arautos do apocalipse destilaram pânico na população, endossados por uma parcela desprovida de senso crítico, com argumentos de que a inflação havia voltado. Tal informação é uma falácia, pois a inflação não está de volta. A inflação brasileira é administrável e incomparável com a verdadeira inflação que o país enfrentou nos anos 80. Segundo o IPC Brasil, a inflação até setembro era de 6,7% ao ano, muito distante da taxa inflacionária de 80% ao mês, isso mesmo, ao mês, enfrentada na década de 80.

O período dos anos 80 foi marcado pela chamada "hiper inflação". Tal década trouxe consigo desespero e suadouro em consequência dos sprints até aos bancos em dia de pagamento e ao supermercado para comprar a maior quantidade de produto antes que o dinheiro perdesse seu poder.

Dizer que a "inflação voltou" é imprudência e repetir é insipiência. A taxa de inflação no Brasil está administrada, porém, fora das metas governamentais. O governo possui instrumentos para controla-la, sejam eles impopulares ou não. Se a inflação irá voltar da forma como os apocalípticos dizem, provavelmente não.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O que o povo brasileiro quer?

Um dos grandes problemas que a Administração possui é a hipocrisia. Nas aulas dos cursos de administração é normal, principalmente nas disciplinas de marketing, o aprendizado sobre o conceito de miopia de marketing. Miopia de marketing é, basicamente, uma visão limitada sobre algo que impossibilita o vislumbre de oportunidades. Uma das formas de evitar a miopia de marketing é olhar para além do produto ou serviço oferecido. Se a Administração ensina sobre miopia de marketing, porque ela não se define para além do "planejar, dirigir, organizar e controlar"?

A definição do "planejar, dirigir, organizar e controlar" é algo extremamente míope e simplista que reduz a importância da Administração. A Administração, na verdade, gerencia comportamentos. Entretanto, para gerenciar um comportamento é necessário, antes tudo, entende-lo.

Mesmo a definição de "gerenciar comportamentos" também está sujeita à miopia. Não devemos nos limitar apenas ao gerenciamento comportamental interno, mas também incluir a gerência do comportamento externo à organização, ou seja, o comportamento dos clientes. Em um contexto bem mais amplo, o comportamento da sociedade em geral. Por essa razão, o estudo da sociologia é tão crucial para um futuro administrador, pois só assim ele entenderá o contexto que a sociedade está e entenderá o que o cliente quer, como quer e quando quer.

O estudo da sociologia também é crucial para entendermos o caminho para o qual a sociedade brasileira está caminhando. Recentemente, muito tem se falado sobre a redução no consumo dos brasileiros e no endividamento das famílias, isso é verdade. Para enfrentarmos a crise de 2008, o governo do ex-presidente Lula incentivou o consumo de carros e de produtos chamados de "linha branca" (fogão, geladeira e máquina de lavar). O resultado disso foi um endividamento das famílias e uma redução no consumo.

Daqui a alguns anos, com as dívidas pagas, os brasileiros voltarão a ter condições de consumir. Entretanto, já terão em suas casas, carro, celular, televisor, geladeira e máquina de lavar, fora à casa própria adquirida pelo programa "Minha Casa Minha Vida". Com os produtos básicos já conquistados e com uma estabilidade do lar formada, os brasileiros poderão se preocupar com outras necessidades cotidianas e almejar o consumo de novos produtos antes impensáveis, como a educação e saúde.

É óbvio que esse carro, essa geladeira, esse celular, essa máquina de lavar e esse televisor terão que ser trocados um dia, mas a preocupação não é mais "ter" e sim "repor" o que já tem. A atenção dos brasileiros se voltará para aquisição de produtos e investimentos pessoais mais complexos. Nestes produtos e investimentos complexos, pode-se incluir educação e saúde.

Tal movimento também é relevante para o governo. Agora que boa parcela da população já possui os bens necessários para uma vida digna, o Estado poderá direcionar seus esforços e recursos para atender a necessidade e o anseio populacional por saúde e educação. As organizações também poderão se beneficiar de tal momento ao aproveitarem tal demanda populacional por saúde e educação.

Porém, o principal ganhador dessa nova demanda dos brasileiros é o país de um modo geral. Com um nível educacional maior, o Estado ganha com uma população mais alfabetizada, as organizações ganham com funcionários mais capacitado, as camadas mais baixas ganham com uma possibilidade real de ascensão social e as camadas mais altas ganham em uma maior capacitação nos serviços adquiridos.


quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Por que o Pato não deu certo?

No dia 2 de janeiro de 2013, Alexandre Pato, então jogador do A.C. Milan da Itália, anunciou sua transferência para o Corinthians por um valor de 15€ milhões. A transação efetuada pelo time de São Paulo quebrou todos os recordes, sendo a compra mais cara da história de um clube de futebol brasileiro.

A estratégia adotada pelo Corinthians era, além do rendimento em campo, poder extrair ao máximo a imagem do jogador com ações para aumentar o valor da marca do clube e, em seguida, alavancar as vendas de produtos licenciados. Desde a aposentadoria de Ronaldo Fenômeno, o Corinthians buscava incansavelmente um substituto como "garoto propaganda" do time para utilizá-lo como atrator de patrocínios e exposição midiática. Entretanto, a estratégia corintiana naufragou e o retorno do investimento de 15€ milhões não veio da forma esperada. Atualmente emprestado ao rival São Paulo, diretores corintianos já buscam estratégias de como reduzir os enormes prejuízos pela compra de Alexandre Pato.

O mais curioso de toda a história de Alexandre Pato no Corinthians são seus números. Muito criticado pela torcida pela apatia em campo, Pato, ao menos, poderia alegar que os números estão ao seu favor: ao longo de 57 defendendo a escudeira corintiana no ano de 2013, Pato anotou 17 gols, um a menos do que Paolo Guerreiro, o artilheiro do time na temporada jogando 46 partidas. Porém, se formos analisar a quantidade de minutos jogados por Pato e Guerreiro, podemos ver uma diferença de 660 minutos a favor de Guerreiro. A diferença de minutos, mesmo possuindo mais jogos, ocorre porque Alexandre Pato, em boa parte dos jogos, foi reserva da etapa, sendo utilizado apenas em determinados momentos da partida.

Pela fria análise dos números apresentados, é plausível dizer que Alexandre Pato foi muito mais eficiente do que Paolo Guerreiro, o artilheiro do Corinthians em 2013. Pois, 660 minutos correspondem a mais de 7 jogos de diferença entre ambos. Podemos concluir então que a eficiência em campo não contribuiu para a não afirmação de Alexandre Pato como jogador do Corinthians. Porém, se o desempenho em campo não foi o fator primordial que resultou na saída do jogador, qual foi? 

O funcionário Alexandre Pato não deu certo porque sua identidade não era compatível com a identidade da organização para a qual trabalhava; era comum ouvir jornalista dizendo: "o Pato não tem a cara do Corinthians". Para o senso comum, identidade é o conjunto de caracteres próprios e exclusivos com os quais se podem diferenciar pessoas, animais, plantas e objetos inanimados uns dos outros, quer diante do conjunto das diversidades, quer ante seus semelhantes. Já para a antropologia, identidade tem um significa diferente: consiste na soma nunca concluída de um aglomerado de signos, referências e influências que definem o entendimento relacional de determinada entidade, humana ou não-humana, percebida por contraste, ou seja, pela diferença ante as outras, por si ou por outrem. Portanto, Identidade está sempre relacionada à ideia de alteridade, ou seja, é necessário existir o outro e seus caracteres para definir por comparação e diferença com os caracteres pelos quais me identifico.

O conceito de identidade é de suma importância e o caso de Alexandre Pato com o Corinthians é um ótimo exemplo. Muitas organizações contratam funcionários, modulam estratégias, fazem aquisições ou lançam novos produtos e serviços sem considerar se a sua identidade é compatível com aquilo que está sendo efetuado. O capital investido é enorme, no caso do Corinthians, 15€ milhões, para "dar com os burros n'água".

Diferentemente do caso do Corinthians, muitos equívocos identitários são irreparáveis. Dependendo dos caminhos escolhidos, a organização pode perder sua identidade e acabar indo a falência. No caso das pessoas, o problema torna-se pior: se uma organização deixar de existir, outra pode abrir em seu lugar, até mesmo perdas de capital podem ser recuperadas, entretanto, o tempo é algo irrecuperável.

A ideia de que "os opostos se atraem" é a maior falácia já contada pela humanidade. Trabalhar em uma organização com identidade diferente da sua, ou até mesmo ter um relacionamento com alguém identitariamente diferente, pode ser algo extremamente desgastante do ponto de vista energético. E o mais grave: o tempo perdido com equívocos de identidade não é recuperável.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Qual é o semblante do perdedor?

Michelangelo Merisi da Caravaggio, ou simplesmente Caravaggio, foi um importante pintor do final do século XVI e início do século XVII. Nascido na Itália, Caravaggio foi um dos precursores do estilo barroco, sendo o seu primeiro grande representante. Pautado na temática religiosa, Caravaggio buscava uma pintura com representações mais realistas, não omitindo a feiura e deformações em cenas provocantes, deixando seus contemporâneos em choque com seus traços rudes e efeitos tenebrosos com fortes contrastes de luz.

Em sua obra "David com a cabeça de Golias", que ilustra o artigo, Caravaggio faz uso de uma de suas principais características: a retratação de pessoas em suas obras inspirado por cidadãos comuns da sociedade em que morava; no caso da obra, sua própria cabeça é a cabeça de Golias. Vale notar também o forte contraste de cores entre o escuro e o claro. Caravaggio sempre dava a seus quadros fundos escuros e rasos, o que atrai o observador para dentro da cena: David, um pastor, matou Golias, um gigante filisteu que sempre zombava dos homens israelitas. Para tanto, David fez uso da própria espada do gigante, empunhada em sua mão direita, enquanto a esquerda ergue a cabeça decapitada de Golias que observa com olhos incrédulos sua improvável derrota.

A cabeça com expressões incrédulas de Golias representa exatamente as feições que você apresenta quando é pego de surpresa por algum fato ou acontecimento. Já David é a realidade que chega para decepar suas interpretações equivocadas, e para tanto, o faz empunhando a própria espada do equivocado, forjada em um combinado de arrogância, presunção e preguiça germinadas por uma errônea interpretação dos fatos.

Muitas "cabeças de Golias" aparecem constantemente. Um fato que provocou muitas "cabeças decepadas" foi a eleição presidencial ocorrida no última dia 05 de outubro. Não foram poucos os surpreendidos pelo resultado final e, principalmente, pelo mergulho rumo ao abismo da candidata Marina Silva.

O ocorrido no episódio da eleição deve ser tirado como uma lição tanto para a vida profissional quanto pessoal. O alarde causado pelo resultado da primeira pesquisa divulgada pela imprensa agiu como um flash de uma polaroide, ofuscando momentaneamente, não a visão, mas o bom senso das pessoas. A impressionante porcentagem da candidata eclipsou a verdade e os "analistas", presunçosos e, principalmente, preguiçosos, contrariaram a máxima de que nenhuma verdade é inquestionável.

O episódio eleitoral é apenas um mero exemplo de situação ofuscante da verdade. Uma mentira contada várias vezes torna-se verdade, da mesma forma que um fato corroborado por várias pessoas também torna-se absoluto. Com tantas pessoas impressionadas e certas de algo, fica difícil contrariar a massa e dizer que todos estão errados. Se somente eu penso diferente, como posso estar certo?

Para ter convicção da certeza, o primeiro passo é investigar a verdade. Porém, nem sempre a verdade é algo fácil de ser encontrado. Na linha anterior, omiti um passo anterior ao primeiro passo. Antes de investigar a verdade, é necessário ter em mente que todas as informações recebidas possuem um arcabouço não revelado e, muitas vezes, difícil de ser atingido. Infelizmente, é exatamente nesse arcabouço que se encontra a verdade.

Não vou mentir ao dizer que é fácil encontrar a verdade. Mesmo porque, a verdade não é absoluta e depende do posicionamento da pessoa que a tem. O que é verdadeiro para mim, pode ser mentira para você. O alerta deixado por mim é a cautela em não ser Golias, o qual mesmo depois de decepado pela realidade, ainda preserva seu semblante de surpresa e derrota, traços característicos de um perdedor.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A quem você está ajudando?


Uma das atividades de lazer que mais aprecio é ir ao shopping. Quase tudo que eu preciso reunido em um só lugar sob uma temperatura controlada de 22°. Lojas, cinemas, caixas eletrônicos, agências bancárias, restaurantes, exposições, gente bonita, sorveterias e estacionamento coberto. Uma delícia de passeio, principalmente nas noites quentes que logo irão iniciar. O único problema do shopping é o domingo. Aos domingos, principalmente durante o horário do almoço, os shoppings são inundados por uma enxurrada de pessoas em busca de um dia de folga de suas respectivas cozinhas, da qual minha família também faz parte. 

No último domingo, eu estava almoçando e observava o gesto nobre das pessoas de jogarem sua sujeira alimentícia no lixo ao invés de deixarem na mesa para os funcionários responsáveis pela limpeza recolherem. Tal atitude me intrigou: por que tais pessoas, das quais eu me incluo, jogam seu lixo na lixeira mesmo com funcionários responsáveis por isso? Talvez a resposta seja para ajudar ao próximo e facilitarmos a árdua labuta destes incansáveis trabalhadores. Mas será mesmo que estamos ajudando a pessoa certa?

O preço que pagamos pela refeição já está inclui o serviço da limpeza do shopping, ou seja, estamos pagando por um serviço e não estamos utilizando. Ao jogarmos o lixo fora, facilitamos o trabalho dos funcionários da limpeza e tiramos a necessidade do administrador de contratar mais funcionários para tal função. Por isso, não estamos ajudando quem pensamos estarmos auxiliando, na verdade, o estamos prejudicando, pois acenamos para o administrador que o trabalho do funcionário não é necessário.

Muitos poderão dizer "mas se mais funcionários fossem contratados, o preço das refeições iria aumentar". Sim, isso é verdade. Porém, não caiam na ingenuidade que menos funcionários resultaria em redução de preços das refeições. Os clientes não associam o custo indireto do trabalho dos funcionários do shopping com o preço pago pela alimentação.

A mágica está em fazer com que o cliente trabalhe para a empresa sem que ele saiba e com uma "recompensa" artificial, transformando algo prejudicial em benéfico. O segmento bancário executa tal façanha com maestria: ao reduzir o número de atendentes no caixa, os bancos aumentam o volume das filas e forçam com que os clientes executam suas operações pelo "auto atendimento", forçando o cliente assumir um papel de "funcionário". A "recompensa" do cliente é poder realizar suas operações bancárias em um tempo menor e sem filas. Entretanto, tudo isso poderia ser evitado se o banco tivesse mais funcionários contratados para o atendimento.

Transformar clientes em "funcionários" é a grande sacada das organizações. As empresas perceberam que poderiam extrair dos clientes não somente capital, mas também trabalho. Basta fazer com que o cliente sinta a sensação artificial de recebimento de uma recompensa ao final, pois não existe forma mais sublime de trabalho do que trabalhar sem perceber que está. É por isso que sempre ouvimos "se trabalhar com algo que gosta, nunca terá que trabalhar".

Por mais contraditório que possa parecer, suplico ao leitor para não confundir meu texto como uma crítica ao sistema, muito pelo contrário. Minhas palavras nada mais são do que letras carregadas de admiração por um arranjo cultural muito bem elaborado, com direito a um "obrigado" estampado na "boca" da lixeira. Um agradecimento pela ação de jogar o lixo na lixeira ou pelo favor de não obrigar o shopping à contratar novos funcionários?

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

O que é "El gran masturbador"?


Uma das conotações que mais me fascina é sem dúvidas a arrogância. Infelizmente, nos dias de hoje, temos uma sociedade hipócrita, nojenta e invejosa que reprime de forma voraz e impiedosa qualquer tipo de manifestação considerada arrogante. Somos obrigados a viver no cárcere da falsa modéstia só para agradar aqueles que não são bons como nós nas atividades que somos ótimos.

É incômodo para mim, uma pessoa não poder admitir-se boa em algo, pois se tal pessoa bradar aos quatro cantos "eu sou boa nisso", os demais, carregados com inveja e falso moralismo, irão condená-la pelos crimes de altivez, presunção, vaidade e diversas outras expressões relacionadas. Ouso-me dizer que na sociedade atual é mais difícil para uma pessoa se assumir arrogante do que homossexual, pois o homossexual será recriminado por parte da sociedade, porém, aceito pelos seus iguais. O arrogante, por sua vez, será recriminado por toda a sociedade. Portanto, parodiando Euclides da Cunha, o arrogante antes de tudo é um bravo.

E de todos os bravos, talvez o mais bravo seja Salvador Dalí, bravo em todos os aspectos. Pintor surrealista espanhol, nascido em 1904. Com oitos anos de idade, ganhava de seu pai, como forma de educá-lo para os perigos da vida promíscua, um livro ilustrado de doenças venéreas, algo que o marcou e contagiou em suas bravas obras futuras. Porém, dentre tantos fatos pitorescos presentes na vida do bravo Dalí, o que mais me encanta é a sua expulsão da Academia de Arte de San Fernando, onde declarou que ninguém na Academia era suficientemente competente para avaliá-lo. Isso em 1926, com apenas 22 anos de idade.

De suas bravuras, a minha preferida é o quadro conhecido como "El gran masturbador" (O grande masturbador) que ilustra o título do post. O quadro está exposto no Museu de arte Reina Sofia, em Madrid. A obra foi criada à partir da necessidade de Dalí traduzir seus violentos desejos de criação de objetos carregados de sexualidade. Entretanto, o próprio pintor dizia que nem mesmo ele entendia o que pintava, pois sempre gostou de confundir e provocar. Portanto, suas obras podem diversas explicações.

Dalí possuía uma personalidade exibicionista e narcisista e, ao pintar tal obra, expunha ao público sua vida particular, bem como suas patologias, exibindo um autorretrato onde se apresenta como "o grande masturbador", assim como o conflituoso relacionamento com a figura feminina, em questão sua musa Gala Éluard, uma mulher casada com quem posteriormente acabou-se casando.

Há na obra um enorme rosto petrificado do masturbador escorado ao solo apenas pelo enorme nariz pontudo. Os olhos semicerrados indicam a lembrança de um sonho. A face não possui boca. Em seu lugar está um gafanhoto, inseto associado por Dalí à putrefação e ao medo. De sua cabeça, ergue-se a figura de uma mulher, possivelmente Gala Éluard, com a boca perto da genitália masculina, presumindo-se o início de felação. A mulher traz consigo um lírio, com estirpe em formato fálico, símbolo de pureza que Dalí usou para representar a forma mais pura de atingir o ápice do gozo sexual.

A presença da cabeça de um leão com cabelos de Medusa, representando o desejo sexual mais selvagem, do gafanhoto e das formigas são elementos que amedrontavam o pintar. Assim como conchas e plumas coloridas remetem à infância do pintor. Abaixo da cabeça há um homem abraçado a uma rocha semelhante a uma mulher. Talvez, tal imagem petrificada represente a impossibilidade de uma mulher levá-lo ao orgasmo, pois o próprio não conseguia atingir o clímax sexual com outra pessoa, fazendo-se valer da masturbação.

O trabalho do bravo Salvador Dalí não se resume em apenas uma obra. Existem várias, porém, mais do que suas obras, Dalí se notabilizou por suas extravagâncias e excentricidades chegando ao patamar de mito. Tudo por causa, principalmente, de sua fascinante arrogância.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Quanto vale sua autonomia?

Uma das coisas que mais admiro em Deus é a não concessão de tudo o que pedimos. Todos os dias agradeço a Ele o fato de Deus ser deus e não o Gênio do filme Aladdin. Se Deus fosse o Gênio, ele teria me concedido todas as minhas vontades e desejos, independente de quais elas fossem ou do momento que eu pedisse. A princípio isso seria maravilhoso, pois eu teria uma necessidade solucionada instantaneamente, porém a dúvida que existe é se eu realmente queria ter a necessidade realizada ou se o que realmente me agradava era apenas a ideia. Vou explicar:

Quando eu tinha 12 anos, o que eu mais queria na vida era um casal de calopsitas. Quando eu ganhei, percebi que treiná-las não seria tarefa fácil. Levei diversas bicadas e no final, acabei por desistir do adestramento por falta de paciência. Além de ter duas calopsitas que não sabiam nenhum truque especial, além de imitarem meu assovio, tive que por muitos anos limpar gaiolas e comprar comida, atividades que eu considerava abusivamente chatas e entediantes. No fim das contas, percebi que realmente me agradava a ideia de ter o casal de calopsitas, mas não as calopsitas em si.

O que ocorre conosco é que não sabemos realmente o que queremos. Muitas vezes desejamos algo porque achamos ser válido e que nos trará algum proveito, porém, no futuro esse desejo acaba se transformando em algo oneroso e terrivelmente indesejável.

Nas organizações tal fenômeno também ocorre. Funcionários bradam e lutam por mais autonomia, por mais empowerment para usar a palavra empresarial, pois acham que isso aumentará sua participação na organização, que os tornarão mais valorizados e, principalmente, mais motivados. Até tal ponto, a história não tem problemas. E não teria nenhum se os funcionários realmente soubessem o que é o tão desejado empowerment.

Empowerment nada mais é do que autonomia. Autonomia significa filosoficamente a liberdade de um indivíduo de gerir sua vida, ou seja, ter independência para tomar suas próprias decisões. Entretanto, independência e responsabilidade caminham juntas e é impossível desvincular uma da outra. Ou seja, ao ter mais empowerment o funcionário invariavelmente adquire mais responsabilidades. Mais responsabilidades significam mais trabalho, mais trabalho significa mais cobrança e mais cobrança não significa necessariamente mais salário.

As organizações buscam constantemente formas de fazer o funcionário trabalhar mais sem ter de despender uma remuneração extra por esse labor. O empowerment nada mais é do que uma ferramenta para aumentar o trabalho do funcionário sem remunerá-lo por isso. O conceito do empowerment pauta-se na teoria de divisão do trabalho, não como fragmentação do trabalho em partes menores, mas pelo conceito exposto aqui no blog anteriormente. Com tal ferramenta, gerentes começaram a dividir suas responsabilidade e certas atribuições com seus subordinados, e com essa divisão, conseguiram também dividir a culpa por possíveis fracassos.

É uma forma de mais valia, como diria Karl Marx, muito mais refinada e sofisticada, beirando a crueldade, porque na verdade, com o empowerment, os funcionários estão trabalhando mais, sem serem remunerados por isso e não sabem dessa condição, muito pelo contrário, estão felizes e desejam cada vez mais autonomia. Ansiando por isso como um viciando desejando mais crack.

Esse é o preço da sua autonomia? Mais trabalho, mais responsabilidade e mais cobrança pela mesma quantidade de salário? É essa a condição que você tanto deseja? Por isso, novamente agradeço a Deus por ser deus e não o Gênio, pois ele é sábio e nós ignorantes. Ignorantes por não sabermos o que realmente queremos. Se todas nossas vontades fossem realizadas, maiores seriam as vontades para serem desfeitas.


quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O que faz um administrador?

Se a pergunta que dá nome ao título do post fosse realizada para qualquer estudante de Administração ou pessoa com qualquer tipo de envolvimento em gestão, ela responderia com a resposta padrão: o administrador planeja, controla, organiza e dirige recursos escassos para atingir um objeto pré-estabelecido.

Infelizmente, essa resposta está errada. Se você respondeu a pergunta do tópico com a mesma resposta, você também está errado. A história do "planejar, organizar, dirigir e controlar" é a maior imbecilidade, boçalidade e ignorância que já foi criada para definir a Administração. Tal termo contribui e vem contribuindo para a depreciação da categoria dos administradores. Categoria essa que corrobora para sua própria destruição ao limitar sua ocupação com uma explicação tão parva quanto essa.

É por conta de tal termo que advogados, jornalistas, psicólogos, físicos, químicos, pedagogos, contadores, economistas e principalmente engenheiros julgam-se capazes de realizar o trabalho de um administrador só porque possuem um "Meia Boca em Administração", o famigerado MBA.

Provavelmente, se você estuda ou já estudou Administração, deve estar nesse exato momento questionando minhas palavras, pois foi exatamente isso que a universidade o ensinou sobre o que faz um administrador. Tal questionamento pode fazer-lhe pensar se a universidade ensinou-lhe errado. A resposta é simples e trivial quanto a morte: sim, a universidade está errada.

O questionamento natural que surge agora é: se o "planejar, organizar, dirigir e controlar" está errado, o que faz o administrador? O administrador gerencia comportamentos. Em uma resposta menos romântica e mais explícita, o administrador manipula interesses. 

Tal habilidade requintada e sutil é impossível de ser copiada e executada com maestria por advogados, jornalistas, psicólogos, físicos, químicos, pedagogos, contadores, economistas e principalmente engenheiros, pois tais profissionais não possuem a bagagem conceitual que o administrador possui.

A Administração nada mais é do que a aplicação da filosofia e da sociologia na esfera do mundo dos negócios. Infelizmente, poucos têm tal tipo de percepção sobre a Administração. Se mais administradores tivessem tal concepção pela profissão, ela seria muito mais valorizada e prestigiada.

Veja, caro leitor, que desde os primórdios, a Administração buscar tornar os funcionários e subordinados mais suscetíveis à manipulação, pois dessa forma a produtividade, ou melhor, o trabalho realizado por ele seria muito maior.

Um dos marcos históricos para tornar o subordinado mais manipulável foi o fim da escravidão. Adam Smith já ressaltava que o pior trabalhador assalariado era mais produtivo que o escravo mais forte. Essa conclusão é muito simples: escravo não ganha salário, por isso não há como "motivá-lo" a trabalhar mais. Em contra partida, o assalariado possui uma forma de manipulação laboral extra com as chamadas bonificações.

Com o passar dos anos, as formas de manipulação tornaram-se cada vez mais sofisticadas. A bonificação começou a dividir espaço com possibilidades não garantidas de promoções à cargos mais altos à partir do rendimento do próprio funcionário e exigência das organizações por funcionários mais tolerantes às frustrações, mais resilientes e com maior ambição também cresceram.

Um funcionário com tais características é mais facilmente manipulado. Uma possibilidade ventilada de promoção ou bonificação despertará no funcionário um desejo de obter tal prêmio. Porém, como não há nenhuma garantia de obtenção, existe uma grande chance de frustração, por isso a exigência por funcionários mais resilientes, para não se abaterem com possíveis frustrações e até mesmo, utilizar tal adversidade para serem mais produtivos à partir do pensamento "agora eu vou trabalhar mais ainda para dessa vez conseguir a promoção".

Com um funcionário sem ambição de crescimento, é impossível barganhar mais trabalho com cargos ou bonificações.

Saber como manipular interesses é algo tão sublime que não se limita apenas em extrair mais trabalho do funcionário. À partir dessa concepção, o administrador é capaz de solucionar conflitos, gerenciar grupos, aumentar vendas e transformar clientes em "funcionários".

Depois de chegar até com sua leitura, gostaria de perguntar-lhe novamente: o que faz um administrador? Espero que agora a resposta possa ser bem mais coerente e enaltecedora.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Como separar "homens" de "meninos"?


Não é a idade que define quem são "homens" e quem ainda são os "meninos". Muitos homens de mais de 40 anos são muito mais "meninos" que jovens de 20. O que vai definir a separação dos "adultos" das "crianças" é a maturidade. Ela é o cordão de isolamento apenas transposto com ideias, atitudes e forma de comportamento perante situações vivenciadas no cotidiano.

Uma forma simples de separação de "homens" de "meninos" é pela identificação das disputas pessoais de cada um: meninos disputam por dinheiro, homens disputam por poder. Portanto, caso você escute alguém se vangloriando pelo seu ganho pecuniário mensal ou afirmando que o mais importante na vida é o dinheiro, pode ter certeza que se trata de um "menino".

Obviamente, o dinheiro é um meio de obtenção de poder, porém, somente o dinheiro isoladamente não configura poder. Qual o poder de um diretor com salário de R$ 15.000,00 que trabalha das 8:00 às 21:00, chega cansado em casa, não convive com os filhos, sofre de ataques de ansiedade e possui uma vida algemada ao trabalho? A resposta é simples: nenhum. Não adianta ter dinheiro se o indivíduo não consegue transformá-lo em poder.

Poder é ganhar R$ 15.000,00 e poder chegar em casa às 18:00. Poder é poder sair do trabalho e realizar uma atividade física. Poder é poder ir ao shopping tomar um café às 15:00 em uma quarta feira sem preocupações. Poder é poder curtir os filhos após um dia de trabalho. Poder é poder ostentar o seu poder.

A ostentação do poder é um fator importante na identificação de uma pessoa realmente poderosa. A ostentação do poder ocorre de diversas maneiras pode encontrar-se em situações quase imperceptíveis aos olhos dos mais desavisados e podem parecer até mesmo gestos nobres. Porém, por de trás do véu de toda essa nobreza, encontra-se a realidade sórdida: exibição do poder.

Não pensem que Bill Gates quer apenas ajudar o mundo com sua fundação, considerada a maior fundação de caridade do mundo, e com suas doações bilionárias. Ele financia sua fundação e realiza suas doações bilionárias porque ele pode. Tais ações filantrópicas realizadas pelo criador da Microsoft são formas de afirmação e exibição de todo o poderio financeiro que ele possui. Ele as realiza porque ele pode, porque ele tem condições para tal. Você tem essa condição? Óbvio que não.

Contudo, mesmo que as intenções do Bill Gates sejam as mais verdadeiras, elas acabam por ser instrumentos de ostentação de poder.

Outra forma de ostentar poder é com a prole. Desconsiderando as camadas sociais mais baixas, as quais possuem um comportamento atípico, a quantidade de filhos sempre foi vista como uma forma de poder. Nas sociedades rurais, mais filhos significava uma maior força de trabalho no campo.

Com a urbanização da sociedade, as classes sociais mais altas começaram a relacionar o aumento de filhos com o aumento de gastos. Países que possuem um desenvolvimento econômico maior que o Brasil, com uma classe médias mais desenvolvida, apresentam índices de natalidade baixíssimos. Portanto, em situações como essa, ter dois, três, quatro ou mais filhos é uma forma de mostrar poder. É exibir para toda a sociedade seu poder de prover aos quatro filhos escola particular, convênio médico e conforto.

Portanto, caros leitores, a mais simples e benevolente das atitudes pode representar a maior das ostentações de poder. E lembrem-se sempre: meninos lutam por dinheiro, homens lutam por poder.



quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Quanto de espuma há no chopp Marina Silva?

Não seja enganado pela espuma em copo de chopp, pois ela pode esconder a verdade por baixo de toda a sua cremosidade. Da mesma forma, nunca acredite em vôos de galinha. Essa é a lição primordial desse artigo. Por mais exuberante, imponente e longínquo, um vôo de galinha sempre terminará com o animal esborrachado no chão e com seus expectadores bolando teorias do motivo do vôo ter sido apenas um salto um pouco mais comprido e não uma decolagem rumo à estratosfera.

O Brasil já passou por diversos "vôos de galinha" durante sua curta história. Em diversos períodos de apogeu econômico, o que os antigos acreditavam ser a grande decolagem do país rumo ao desenvolvimento e primeiro mundo, na verdade foi apenas um pico curto e pouco duradouro de avanço da economia, quase sempre sucedido por longos períodos de estagnação e depressão.

Na política, tal fenômeno não é diferente. Nas eleições de 2012, tivemos um caso típico de "vôo de galinha" na corrida rumo à prefeitura de São Paulo. O candidato do partido PRB, Celso Russomanno, liderava com tranquilidade as intenções de voto dos eleitores. Durante todo o período eleitoral, Russomanno era apontado como o franco favorito à prefeitura de São Paulo e com reais chances de eleição logo no primeiro turno. Entretanto, nos últimos dias de campanha, a força do candidato "derreteu" e acabou sendo ultrapassado por Fernando Haddad e José Serra, culminando em uma exclusão de um segundo turno que parecia certo.

A dúvida que paira no ar, por volta de trinta dias da eleição, é se o "fenômeno Russomanno" voltará a acontecer. As recentes pesquisas de intenção de voto apontam a candidata Marina Silva do PSB à frente de Aécio Neves e favorita em um possível segundo turno contra a atual presidente Dilma Rousseff.

É inegável que Marina Silva tornou-se um fenômeno eleitoral por uma série de fatores: comoção pela morte de Eduardo Campos, expectativa de mudança por parte dos eleitores, insatisfação da população com a situação atual do país, rejeição à candidata Dilma Rousseff e desconhecimento sobre o candidato Aécio Neves.

Entretanto, a atual popularidade de Marina Silva talvez tenha surgido cedo de mais, tornando-a um alvo dos três maiores partidos brasileiros: PT, PMDB e PSDB. A expectativa da cúpula de Aécio Neves é o início de ataque maciço de PT e PMDB contra a candidata Marina por conta do receio de haver um segundo turno entre a candidata do PSB e Dilma Roussef. Já pelo lado de PT e PMDB, é dado como certo o ataque da oposição à candidata Marina Silvia, pois se Aécio Neves não reagir, de acordo com as pesquisas, o segundo turno será um sonho distante aos tucanos.

Para a infelicidade de PT, PMDB e PSDB, no debate realizado pela Bandeirantes, Marina Silva mostrou uma ótima capacidade de defesa e quem a atacou, acabou saindo ferido. Entretanto, Marina possui preocupações muito maiores que os certos ataques que receberá de ambos os adversários: seu partido não a apoia com totalidade e seu palanque regional é fraco.

Após o anúncio de Marina Silva como candidata substituta de Eduardo Campos, um dos militantes mais respeitados do PSB, secretário-geral do partido e coordenador da campanha do falecido presidenciável, Carlos Siqueira, abandonou sua função de coordenador e ainda disse: "da Marina, quero distância. Ela não é do PSB". Outro membro do PSB que não demonstrou seu apoio à candidata Marina Silva foi o atual deputado federal e candidato à reeleição Romário, que não pronunciou o nome da candidata durante sua aparição no horário eleitoral.

A situação de Marina Silva piora quando analisamos seu palanque regional. Sua estrutura partidária é frágil e após a morte de Eduardo Campos, todos os apoios por ele costurados por ele foram perdidos. Por outro lado, seu principal adversário ao segundo turno, Aécio Neves, possui uma vantagem considerável no que se refere aos palanques regionais.

Na Região Sul, o candidato Aécio Neves tem forte apoio no RS com a líder das pesquisas para governador Ana Amélia, além do PR com o também líder das pesquisas Beto Richa. Já no Sudeste, o PSDB nunca foi derrotado em SP, maior colégio eleitoral do país, além de MG ser curral eleitoral de Aécio. Somente no RJ o PSDB não possui uma estrutura considerável, porém, Luiz Fernando Pezão, atual segundo colocado e crescendo, faz palanque para Aécio Neves.

Já na Região Nordeste, PE é Marina Silva pela comoção e herança de Eduardo Campos, porém, a BA, maior colégio eleitoral da região, sempre foi tradicionalmente PT e o candidato a governador Paulo Souto, cotado a assumir já no primeiro turno, faz palanque para Aécio Neves. Nas outras duas regiões, o Centro-Oeste é uma incógnita com MS e MT, porém, em 2010 MT foi PSDB. Já a Região Norte está dividida com PT liderando no AM e PSDB no PA.

Da mesma forma que no passado o crescimento econômico brasileiro era artificial, o rápido crescimento de Marina Silva não condiz com a estrutura que ela possui. Para ser um vôo de verdade e não um "vôo de galinha", é necessária uma decolagem paulatina. Quando a subida do avião é muito abrupta, sempre desconfie que algo pode estar errado


quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Você é um funcionário da Coca?


Com o advento da Revolução Industrial em 1760, a produção de produtos disparou. Para que tamanha quantidade de produtos fosse absorvida pelo mercado, era necessário que mais consumidores surgissem. Uma forma de aumentar o número de consumidores era com o aumento da população, entretanto, tal medida levaria muitos anos e a espera por tal incremento populacional era inviável. A forma encontrada de aumentar o contingente de consumo foi com a abolição da escravidão. Dessa forma, os antigos trabalhadores escravos passariam a ter remuneração e, por consequência, capital para adquirirem produtos.

A Revolução Industrial também iniciou a chamada "remuneração variável". Com ela era possível fazer o trabalhador se esforçar um pouco mais em seu trabalho em troca de um pequeno adicional pecuniário no salário, algo impossível de ser feito com o trabalho escravo. Segundo Adam Smith, o pior trabalhador assalariado era melhor que o escravo mais forte.

Passados vários anos da Revolução Industrial e do fim da escravidão, organizações e formas de trabalho tornaram-se cada vez mais complexas. As organizações perceberam que utilizar somente o labor de seus funcionários não era mais suficiente para aumentar sua competitividade no mercado. Para tanto, uma nova forma de trabalho muito mais sofisticada de trabalho foi elaborada: o trabalho involuntário.

Diferentemente do trabalho voluntário, o qual o trabalhador se voluntaria para realizar uma tarefa sem qualquer tipo de ganho pecuniário aparente, no trabalho involuntário, apesar de também não apresentar ganhos pecuniários, o "trabalhador" realiza uma atividade sem perceber que a está realizando. Ao tomar um refrigerante em público, usar uma roupa com a logomarca aparente, falar bem de algum produto para um conhecido são formas de trabalho involuntário.

Quando você pára em um restaurante depois de um dia pesado de labor para tomar uma merecida cerveja gelada, pessoas ao seu redor estão observando que você está tomando aquela marca de cerveja. Se você a está tomando, provavelmente ela tem qualidade e isso pode influenciar positivamente outros clientes do estabelecimento a consumi-la. Ao tomar uma cerveja em público, você deixa de ser um consumidor para ser um garoto propaganda.

Não é à toa o ditado sobre a "propaganda boca a boca" ser o melhor tipo de publicidade. Quando escutamos algo positivo sobre um produto de um amigo, familiar ou pessoa próxima, essa pessoa deixa de ser um cliente e passa a ser um vendedor daquele produto. Um "vendedor" com um poder de influência muito superior ao de um vendedor oficial. A grande sacada da fidelização do cliente não é simplesmente a compra constante do mesmo produto. O feito está em transformar seu cliente em um vendedor não remunerado e com forte poder de influência sobre um grupo.

O ganho das organizações com o trabalho involuntário é dobrado, pois além de darem dinheiro às empresas por meio da compra de produtos e serviços, os clientes trabalham de graça para as mesmas sem qualquer tipo de pesar ou reclamação. O trabalhador involuntário realiza o seu "trabalho" de forma feliz e na maioria dos casos ele deseja fazer isso. Você, provavelmente, conhece pessoas que gostam de estampar a marca de um produto ou falar que adquiriu esse ou aquele bem.

Antoine Lavoisier disse que "na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". Portanto, o trabalho escravo que todos pensavam que estava morto na verdade sofreu uma transformação para um tipo muito mais sofisticado de trabalho, no qual as pessoas "trabalham" felizes, gratuitamente e sem ao menos darem conta do que realmente estão fazendo. Se Adam Smith estivesse vivo nos dias atuais, ele teria que reconstruir seu pensamento e dizer que "o melhor trabalhador assalariado é inferior ao pior trabalhador escravo".

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O que você sabe sobre a independência de Londres?


Um dos assuntos principais da geopolítica mundial do momento, pouco noticiado e praticamente despercebido pela mídia brasileira, é a tentativa da Escócia de tornar-se independente do Reino Unido. No dia 18 de setembro, escoceses irão às urnas para decidir se a nação irá ser um país independente ou não. Tal mobilização é acompanhada de perto não só pela Inglaterra, mas também pela Espanha, pois a Escócia possui relações estreitas com a Catalunha.

A independência da Escócia é vista com preocupação, pois uma separação poderá incentivar outros movimentações separatistas pela Europa. Um dos possíveis motivados é a Catalunha, por essa razão o governo espanhol mostra-se contrário a separação escocesa do Reino Unido e já deixou claro que votará contra uma possível tentativa de entrada da Escócia na União Européia.

Entretanto, a principal consequência de uma possível independência escocesa só será sentida no longo prazo. Uma ideia, que está mais para um sussurro na madruga, ainda sem forças para ser um movimento consolidado e praticamente desconhecido no Brasil, começa a emergir na capital inglesa e poderá ganhar proporções após a resolução do movimento escocês: a independência de Londres.

Não há nas ruas londrinas um movimento separatista consolidado como o escocês, o basco ou o catalão. Há apenas um "burburinho" de algumas pessoas que às vezes aparecem na mídia britânica. Porém, tais pessoas argumentam a transformação de Londres em uma Cidade-Estado como sendo mais justificável do que a própria independência escocesa.

A cidade de Londres é um ponto de atração. É existente e nítida a ocorrência de um forte êxodo intelectual de toda a Inglaterra para a capital. Além do mais, o mundo globalizado fez com que imigrantes e pessoas com elevado poder aquisitivo de outros países fossem para Londres em busca de negócios.

Os jovens londrinos estão começando a trabalhar com outras nacionalidades e terem contato com outras culturas. Tal intercâmbio cultural já começa a ser percebido, principalmente no vocabulário dos jovens residentes em Londres.

Toda essa movimentação de pessoas de outros países e contato entre culturas fizeram com que a cidade de Londres pareça mais com o resto do mundo do que a própria Inglaterra. E Londres se sente cada vez mais como uma cidade estrangeira e menos como uma cidade britânica.

Londres, diferente do passado, não é rica por ser a capital do Reino Unido. Ela é rica porque é um desejado centro global de comércio onde os ricos querem fazer negócio. Os londrinos questionam onde está a recessão que tanto aflige o resto do mundo e o resto do Reino Unido: a cidade, nos últimos anos, criou dez vezes mais empregos que qualquer outra na Inglaterra.

A política econômica adotada em Londres não tem condições de atender o resto do país. A separação seria boa tanto para a cidade como para o resto do Reino Unido, pois ambos poderiam executar seu próprios interesses econômicos. Londres precisa de taxas de juros e impostos mais altos para domar um superaquecimento da economia e para aumentas os fundos necessários para os serviços públicos.

Uma Londres independente teria um PIB semelhante a Suíça e Suécia e uma renda nacional duas vezes maior que a de Cingapura, sua maior referência de Cidade-Estado no momento.

É claro que para tudo isso ocorrer são necessários anos, talvez séculos. Os ingleses, de um modo geral, são muito apegados a sua cultura. Questionar para um britânico a utilidade da Família Real é algo semelhante a questionar a existência de Deus a um evangélico. Tornar Londres independente acarretaria em uma mudança geográfica da Família Real, do Parlamento e do Banco da Inglaterra, elementos intimamente ligados à identidade da cultura britânica.

Vale destacar, porém, que a cultura não é algo estático e está em constante construção, mesmo que a passos de tartaruga. É difícil mudar a cultura de um país, entretanto, alterar a de uma única cidade é menos complicado, ainda mais se for uma cidade tão cosmopolita como é Londres atualmente.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Por que não guardo dinheiro?


No dia 30/07, em sua coluna no jornal "A Folha de São Paulo", o economista Samy Dana afirmou que o brasileiro excede seus gastos mensais em restaurantes e bares. As razões para isso podem ser diversas: falta de tempo para o preparo do almoço e do jantar, estilo de vida e preço elevado são alguns exemplos que talvez expliquem o excesso de gastos dos brasileiros com o lazer gastronômico.

Apesar de ser um texto explicativo de como gerir parte do salário gasto com lazer, Samy deixa muito claro em uma passagem do artigo que o brasileiro não sabe como gerir suas finanças. Não existe entre os brasileiros uma cultura de realização de planejamento financeiro. Nós não sabemos a forma adequada de poupar dinheiro ou fazer uma poupança. Poupar dinheiro ou fazer poupança é deixar de gastar agora para gastar no futuro. Porém, planejamento e visão de longo prazo estão longe de serem elementos culturais do Brasil.

A cultura brasileira é muito pautada no imediatismo e curto prazo sem preocupações maiores com o futuro. Porém, isso não ocorre por desleixo, indolência ou baixo nível educacional do povo. Nós somos assim por conta de acontecimentos históricos ocorridos durante as décadas de 60, 70 e 80. As gerações mais novas, nascidas nos anos 90 em diante, não têm, em seus pais e avós, exemplos de pensamento de longo prazo, pois as gerações anteriores viveram e/ou nasceram durante um contexto histórico muito diferente da realidade atual.

Até o surgimento do chamado Plano Real em 1994, o Brasil enfrentou períodos de forte instabilidade econômica: hiperinflação, mudanças de planos econômicos, alterações de moeda vigente e overnight. Tantas turbulências econômicas não permitiam que o brasileiro pudesse armazenar seu dinheiro para consumi-lo no futuro.

Durante muito tempo, o dia do pagamento transformou-se em uma verdadeira corrida aos supermercados. Como o poder de comprar ficava menor a cada dia, era fundamental comprar todos os produtos desejados e estocá-los em casa imediatamente após o recebimento dos salários. Pois, no dia seguinte após receber o pagamento pelo labor, o salário já não era suficiente para adquirir a mesma quantidade de produtos do dia anterior.

Da mesma forma, as grandes mudanças de planos econômicos impossibilitavam as empresas a planejarem-se para um horizonte de longo prazo, pois como os horizontes econômicos mudavam com frequência, um planejamento feito hoje poderia não ser tão efetivo.

A hiperinflação e as mudanças de planos econômicos faziam com que as pessoas tivessem planejamentos curtos e uma necessidade de consumir rapidamente seus recursos financeiros para evitar desvalorização salarial.

O resultado disso é observado nos dias atuais: mesmo com estabilidade econômica e inflação controlada, as pessoas ainda consomem seus recursos financeiros como se estivessem nos anos 80. Entretanto, o cenário futuro é positivo. Mesmo que em um estágio embrionário, uma maior preocupação com as finanças futuras começa a surgir entre o povo brasileiro. Viver cada dia como se fosse o último é um conceito completamente fora de moda.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

O que é um carro?


Não é preciso uma pesquisa apurada para saber que o automóvel desperta paixão e fascínio no público masculino. A figura do carro está associada pela sociedade com poder, sucesso profissional, sofisticação, importância e riqueza. Além de ser um objeto de forte atração sexual. Ou seja, mais do que um meio de transporte, os automóveis são um instrumento de status e afirmação social.

Existe, obviamente, pessoas que sentem prazer ao dirigir, uma forma de hobby para relaxar e outras que necessitam de bons carros, pois dependem deles para executarem seus trabalhos. Entretanto, é impossível desassociar a imagem do carro à pessoa que o dirige.

Até o presente momento do texto, tudo o que foi descrito é referente ao ganho não pecuniário do automóvel. A compra de um carro, muitas vezes ocorre por conta do lado emocional, na espera de obtenção de ganhos intangíveis. Se entrarmos no campo racional, a compra de um automóvel somente por ganhos não pecuniários é algo impensável.

Um grande professor de nome Tabajara, que de tabajara não havia nada, definiu o carro como sendo "um monte de dinheiro que você anda em cima, e que cada vez que você anda, o monte de dinheiro diminui". A metáfora descrita é muito boa, pois explica que é impossível, na maioria dos casos, obter ganhos diretos com a obtenção de um automóvel.

No século XVIII, Adam Smith explicou a existência de dois tipos de trabalho: os trabalhos produtivos e os trabalhos improdutivos. O trabalho produtivo é caracterizado como o tipo que acrescenta algo ou valor aos objetos produzidos. Um trabalhador de uma linha de montagem acrescenta valor ao carro produzido, pois sem seu trabalho, o produto nunca seria produzido. Entretanto, o trabalho improdutivo não gera valor. Pelo contrário, gera gastos e despesas.

Adam Smith disse que o trabalho improdutivo ocorria com criados, nobres e funcionário públicos, considerados como trabalhadores improdutivos. Vale ressaltar o contexto histórico no qual Adam Smith viveu. Provavelmente, em pleno século XXI, suas opiniões sobre o funcionalismo público seriam diferentes.

A partir da ideia de Adam Smith, podemos adaptar a teoria de trabalho produtivo e improdutivo para bens produtivos e improdutivos. Os bens produtivos seriam aqueles geradores de valor. Uma colheitadeira de cana, por exemplo, que adiciona valor a toda produção de seu proprietário. Em contra partida, o bem improdutivo seria aquele que não gera retorno financeiro, apenas depreciação e gastos com manutenção.

Portanto, podemos classificar o carro como sendo um bem improdutivo, pois ele não gera valor pecuniário para seu proprietário. Ao efetuar a compra, o carro já fica desvalorizado e a cada quilômetro rodado, o valor de revenda diminui.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Publicidade ou propaganda?


Caro leitor, você já deve ter notado que a Língua Portuguesa possui um vasto portfólio de palavras e expressões que ao primeiro ouvido parecem ser sinônimos. Nós as usamos em nosso dia a dia como sinônimos e as consideramos a mesma coisa. Entretanto, o que aparentemente significa um coisa, tem um significado completamente diferente do contexto que tentamos implementar. Esse tipo de situação pode nos pregar armadilhas de linguagem e, portanto, devemos tomar muito cuidado.

Uma situação muito corriqueira do cotidiano é a confusão presente nas definições de publicidade e propaganda. O sendo comum as utiliza como sinônimos e na grande maioria dos casos, o emprego da palavra é equivocado. O equívoco ocorre porque as pessoas não sabem diferenciar ambas expressões. Na realidade, o contexto que as difere é sutil, entretanto, apesar de discreta, a diferença é enorme.

Basicamente, propaganda ocorre quando existe alguém bancando e possui controle sobre o material divulgado. Durante os intervalos na programação dos canais televisivos, por exemplo, presenciamos diversos comerciais de empresas divulgando suas marcas, seus produtos e seus serviços. Portanto, o que nós assistimos durante o intervalo da novela das oito é propaganda.

Obviamente, as empresas precisam despejar uma quantidade de dinheiro para poder estampar seu comercial nos intervalos da novela. Elas irão selecionar o melhor horário alinhado com seu público alvo e desenvolverão o melhor comercial possível para ser divulgado. Note que na propaganda, a empresa que a está desenvolvendo tem controle total sobre o material: onde será divulgado, o que será divulgado, para quem será divulgado e como será divulgado.

Diferente do controle da propaganda, a publicidade é algo espontâneo no qual a empresa possui controle ínfimo sobre o material divulgado. Usar um boné com logomarca de empresa, uma camiseta de partido político, aparecer em público bebendo um refrigerante diretamente da latinha e elogiar para amigos o restaurante da semana passada são exemplos de publicidade. Ao passo que a propaganda surge das empresas, a publicidade surge dos clientes.

Pelo fato de ser espontânea, a publicidade não possui custos para as empresas, sendo redundante a expressão "publicidade gratuita", se é publicidade, ela é gratuita. As organizações pouco podem fazer para controlar a publicidade. Elas podem fornecer brindes para os clientes usarem e estamparem suas marcas, ou criarem materiais para os consumidores falarem sobre a marca, vídeos virais são um exemplo.

Apesar de soar muito vantajosa, a publicidade é traiçoeira. Pelo fato de não poder controlar o que aparece na mídia ou o que é dito pelos clientes, as empresas estão sujeitas à chamada "publicidade negativa", que é uma exposição desvantajosa de sua marca. Quando um cliente fala mal de um produto, quando uma notícia sobre trabalho escravo de uma organização surge na mídia ou qualquer acontecimento que possa ferir a imagem da empresa, são exemplos de publicidade negativa.

Após essa explicação sobre a diferença entre publicidade e propaganda, responda, caro leitor: o que ocorre na foto do post é publicidade ou é propaganda?

Talvez a maior sacada das empresas seja fazer propaganda disfarçada de publicidade.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Qual o legado da Copa?


A Copa do Mundo de 2014 infelizmente chegou ao fim. Ganhar ou perder faz parte do jogo. Independentemente de nossa seleção ter feito ou não um bom trabalho, a sensação que temos, ao fim de um evento como esse, é que ficamos órfãos dos jogos e do clima promovido pelo mundial de futebol.

Sempre que uma Copa do Mundo acaba, ela deixa no ar um sentimento de "quero mais" e um vazio que será preenchido somente ao final de outros quatro longos anos. Durante esse hiato, temos que nos contentar com outros entretenimentos esportivos como o Campeonato Brasileiro, o Campeonato Paulista, o mundial de natação, o mundial de atletismo e os Jogos Olímpicos. Porém, nenhum deles consegue criar a mobilização e o ambiente de uma Copa do Mundo FIFA.

Esse cenário foi repetido incessantemente desde a Copa do Mundo de 1954 até agora. Porém, para a nossa sorte como brasileiros, a Copa do Mundo não terminou para nós com o apito do árbitro italiano Nicola Rizzoli como ocorreu para o resto das nações. Para a nossa sorte, iremos esticar ainda mais um pouco o espírito festivo com o legado que a competição promoveu.

Não seja ingênuo, caro leitor, ao dizer que a Copa do Mundo não teve legado. Obviamente, o tão falado e vendido legado durante a candidatura do país para receber o evento e durante os anos de preparação não aconteceu como fora esperado pela população. Porém, houve legado e ele talvez seja muito maior do que modernização de estradas e aeroportos.

Alguns podem vir com ironia e dizer que o legado foi os "elefantes brancos" deixados em Amazonas, Brasília e Mato Grosso. Porém, os Jogos Olímpicos de 2008 também apresentou seus próprios elefantes asiáticos com o estádio Ninho do Pássaro e o Cubo d´Água. A edição de 2004 da Eurocopa, campeonato de futebol realizado somente com as seleções europeias, também fez Portugal construir diversos estádios que se revelaram inúteis depois.

Outros irônicos podem dizer que o legado é a enorme conta para pagar. Porém, os Jogos Olímpicos de Londres em 2012 tiveram um orçamento de 13 bilhões de euros, 20% superior ao previsto inicialmente. Como vocês podem observar, certos problemas são inerentes de grandes eventos como a Copa do Mundo.

As previsões apocalípticas pré-evento não se confirmaram e o que se viu foi praticamente tudo dando certo em termos de organização. Os visitantes adoraram o país e a imagem externa certamente melhorou. Entretanto, esse também não é o maior legado do mundial.

Com os fatores extra-campo dando certo, coube a nossa seleção desempenhar um papel insatisfatório dentro de campo. Dessa maneira, pela união desses dois pontos, surge o maior legado da Copa do Mundo: nós mostramos para o mundo todo que somos muito mais do que o país do futebol!

Esse é o maior legado do evento. O surgimento de um sentimento de orgulho nacional, pois mostramos ao mundo que o Brasil vai muito além dos gramados do Maracanã, dos dribles de Neymar e da genialidade de Pelé. A questão que fica é se a Copa do Mundo, além de mostrar toda a nossa capacidade para o resto do planeta, convenceu a nós mesmo que o Brasil é muito mais do que a amarelinha.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Senso comum deve morrer?


A chamada Teoria das Relações Humanas foi pautada na psicologia dos funcionários da organização. Durante esse período histórico, o estudo de tempos e movimentos foi deixado de lado para que o estudo da psicologia dos operários tomasse à dianteira e surgisse como a grande moda daquele momento. A figura do engenheiro foi substituída pela do psicólogo, a liderança começa a ser mais valorizada e os grupos informais ganharam a devida importância.

Outra grande contribuição foi a apresentação das necessidades humanas básicas, que futuramente seriam melhores desenvolvidas por Abraham Maslow. As necessidades humanas estariam divididas na seguinte ordem crescente de importância e complexidade: fisiológicas, psicológicas e de auto-realização.

Uma das necessidades que se encontram no grupo das psicológicas é a "necessidade de participação". A teoria por trás de tal conceito é muito simples e intuitiva: o ser humano tem a necessidade de participar de grupos sociais e sentir-se inserido em algum grupo. Panelinhas de sala de aula, emos, turma da balada, pessoal da academia, grupo do futebol são pequenos exemplos de grupos sociais que nós ficamos inseridos. Porém, não é suficiente apenas a participação, nós queremos continuar a fazer parte desses grupos e sentir a sensação de aceitação por parte do grupo, portanto, seguimos regras de conduta e normas informais para não sermos excluídos do grupo.

O medo e a necessidade de sentirmos parte de algo são alguns dos fatores que originam os chamados movimentos de massa. O movimento de massa é uma movimentação de uma parcela considerável de pessoas que adotam as mesmas atitudes em um determinado período de tempo.

Essa aglutinação de pessoas ocorre, muitas vezes, pela influência de um grupo maior que nos influência a termos atitudes compatíveis com a do grupo, pois atitudes contrárias não são bem vistas. Um exemplo disso é sentarmos no espaço da torcida adversária no campo de futebol; caso saia um gol devemos nos comportar de acordo com a maioria, pois qualquer movimento contrário resultará em hematomas e escoriações. 

Contudo, tal movimento pode ocorrer por simples coincidência: os Estados Unidos durante a final do torneio de futebol americano, conhecido como Super Bowl, tem problemas com abastecimento de água durante o evento. Isso ocorre porque são tantas pessoas assistindo ao jogo que durante o intervalo, a quantidade de pessoas que vão ao banheiro ao mesmo tempo é tão grande que desabastece os reservatórios de água das cidades por alguns momentos.

Os movimentos de massas influenciam nossos comportamentos, nossas atitudes, o mercado financeiro, o comércio e diversos outros segmentos. O maior temor dos bancos, por exemplo, é uma movimentação considerável por parte dos seus clientes aos caixas para retirarem dinheiro ao mesmo tempo, pois os bancos não têm oferta de dinheiro suficiente para atender a toda essa demanda momentânea.

Para finalizar, cabe um alerta: em massa nós somos burros. O maior mal proveniente do movimento de massa é o senso comum. Toda massa é burra assim como toda unanimidade deve ser encarada com desconfiança. Portanto, não devemos deixar-nos levar pelo grupo. Em todas as situações o senso crítico pessoal é importante e por mais que a situação seja adversa, devemos manter nossas convicções e princípios.