quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

O desafio da saúde para Jair Bolsonaro


A saúde é um dos principais desafios estruturais que Jair Bolsonaro irá enfrentar durante o seu governo.

Nos últimos dez anos, mais de quarenta mil leitos foram perdidos, sendo aproximadamente trinta e oito mil somente do Sistema Único de Saúde. As áreas mais afetadas com a perda de leitos foram psiquiatria, cirurgia geral, obstetrícia e pediatria. Atualmente, o Brasil possui dois leitos para cada mil habitantes, número inferior à média global de três e inferior ao ideal estabelecido pela Organização Mundial da Saúde que é de três a cinco leitos para cada mil habitantes.

Para agravar a situação, há o histórico problema da má distribuição médica pelo território brasileiro. Apesar de não haver um número ideal de médicos para cada mil habitantes, estima-se que o valor de 2,0 a 2,5 médicos para mil habitantes seja uma proporção razoável. O Brasil possui uma proporção de 2,18. Entretanto, a distribuição é desigual. Enquanto alguns Estados possuem um número superior a 3,0, os Estados do Maranhão e do Pará têm uma proporção inferior a 1,0.

O problema da má distribuição médica estava paliativamente resolvido com a presença dos médicos cubanos que vieram pelo Programa Mais Médicos. Com a saída dos cubanos, as vagas ficaram disponíveis para serem ocupadas pelos médicos formados no Brasil. Porém, aproximadamente 31% das vagas deixadas pelos cubanos estão desocupadas e 40% dos médicos brasileiros aprovados para o Mais Médicos já trabalhavam para o Programa da Saúde da Família, prejudicando uma área importante da saúde pública brasileira.

As vagas remanescentes serão oferecidas para médicos brasileiros formados no exterior. Médicos formados no exterior precisam passar por um exame de revalidação do diploma para poderem exercer a medicina no Brasil. O exame é conhecido como Revalida e aproximadamente 50% dos candidatos acabam sendo reprovados.

A qualidade do ensino de medicina é outro fator a ser gerenciado por Jair Bolsonaro a partir de 2019.
O Brasil possui ao término de 2018, mais de 330 faculdades de medicina. Até 2011, o país possuía apenas 188. Das 144 novas faculdades abertas, o Mais Médicos influenciou na abertura de 113, as quais surgiram a partir de 2014. Os primeiros alunos frutos do Mais Médicos irão se formar no final de 2019 e a qualidade da formação preocupa.

O Conselho Estadual de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) realiza uma prova facultativa para avaliar a qualidade da formação médica no Estado. Em 2018, aproximadamente 40% dos candidatos foram reprovados. A situação é preocupante porque apenas quatro faculdades do Estado de São Paulo estão entre os trinta e quatro cursos avaliados com nota 3 pelo Ministério da Educação. A nota máxima do MEC é 5 e os cursos, sejam de qualquer área, com notas 1 e 2 são menos de 10% do total. Portanto, o número de reprovados poderia ser maior caso a prova fosse de âmbito nacional.

Outro ponto envolvendo a qualidade do ensino médico no Brasil é a dificuldade para a obtenção de cadáveres e animais a serem utilizados para o treinamento dos estudantes. Globalmente, as escolas médicas têm utilizado simuladores de ensino para que o estudante possa ter uma prática maior durante a sua formação acadêmica em substituição de cadáveres e animais. Quanto maior a fidelidade de um simulador, maior será o seu custo. Pelo fato do Brasil possuir mais de 190 escolas privadas de medicina, será necessário saber se elas estarão dispostas a arcar com os custos.

Para finalizar, vale destacar que ao longo dos últimos doze anos, o governo abriu mão de mais de R$ 400 bilhões em impostos em favor da saúde privada. Partes dos impostos não recolhidos são provenientes de empresas farmacêuticas e hospitais filantrópicos. Entretanto, a maior parcela ocorre por abatimento de IR de pessoas físicas e jurídicas por conta dos planos de saúde.

O desafio de Jair Bolsonaro com a saúde será grande porque é um problema com diversas frentes a ser combatido. Os recursos serão escassos por conta da retomada do crescimento econômico e por conta das restrições impostas pela PEC dos gastos. Entretanto, para combater o maior problema que o Brasil possui hoje, a desigualdade social, será necessário cumprir a constituição que prevê acesso universal da saúde para a população brasileira. O atendimento à saúde com qualidade é um dos pilares fundamentais para combater a enorme desigualdade social brasileira.



sábado, 15 de dezembro de 2018

O impacto do COAF para os membros do governo Bolsonaro



O relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) caiu como uma bomba para o governo de Jair Bolsonaro. Segundo o COAF, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício José Carlos de Queiroz, teve movimentações bancárias suspeitas entre 2016 e 2017, incluindo transferência bancária no valor de R$ 24.000,00 para a primeira-dama Michele Bolsonaro.

O caso repercutiu de forma muito negativa e os desdobramentos das apurações indicaram outras possíveis irregularidades envolvendo assessores de Flávio Bolsonaro. Apesar de Flávio e Jair Bolsonaro não estarem sendo investigados, o prejuízo político é enorme, pois muitos eleitores votaram no candidato do PSL acreditando que haveria uma mudança na política brasileira. Porém, antes mesmo de começar o mandato, Jair Bolsonaro já possui seu nome envolvido com corrupção, afetando sua credibilidade e o crédito que possui com a população.

Além de atingir a família Bolsonaro, o relatório do COAF também impacta diretamente o destino de membros importantes do futuro governo.

Onyx Lorenzoni, futuro ministro da Casa Civil, pode ser o primeiro a sentir os impactos diretos do relatório do COAF por já ter chegado ao governo envolto com problemas de corrupção. Ao ser indagado por jornalistas sobre o relatório do COAF, o futuro ministro disse que querem destruir a reputação de Jair Bolsonaro e perguntou onde o COAF esteve durante o Mensalão. Apesar de não saber, o COAF produziu mais de 30 mil relatórios de inteligência que foram utilizados do Mensalão a Lava-Jato. Dias depois, Onyx Lorenzoni defendeu a investigação do caso.

Pelo fato de ser um ministro previamente envolvido em corrupção, os dias de Onyx Lorenzoni na equipe de Bolsonaro podem estar contados. Com todo o passado pesando contra si, Onyx é a escolha mais fácil de Jair Bolsonaro para dar uma resposta para a opinião pública que começa a ver seu governo com desconfiança.

Um pilar importante do governo é Sérgio Moro que, apesar de defender Onyx Lorenzoni, ainda goza de enorme prestígio com população brasileira. Entretanto, quando foi perguntado sobre o COAF em um primeiro momento, Sérgio Moro fugiu da pergunta, retornando alguns dias depois para dizer que não é a função dele opinar e nem apurar o caso. A opinião pública cobrou posição do antigo juiz, muito por conta do discurso anticorrupção entoado por ele mesmo. Para agravar a situação, o COAF será de sua responsabilidade em 2019, ameaçando a reputação do pilar de sustentação mais importante de Jair Bolsonaro.

Outro pilar importante é Paulo Guedes porque o bom desempenho do governo passa pelas reformas econômicas propostas por ele. Por conta de uma infecção contraída no início do caso COAF, Paulo Guedes não declarou nada sobre o assunto. Entretanto, com a redução do apoio popular que o caso COAF pode causar, Paulo Guedes poderá enfrentar dificuldades para aprovar as reformas que julga necessárias para a retomada econômica brasileira, prejudicando assim o seu trabalho.

A deputada federal eleita Joice Halssemann pode se beneficiar do atual momento conturbado do clã Bolsonaro para assumir a liderança do partido na Câmara. Apesar de não ter se manifestado publicamente sobre o COAF, Joice trocou farpas com Eduardo Bolsonaro na disputa pelo poder dentro do PSL e o enfraquecimento da família a fortalece politicamente.

Outro membro importante do governo é o General Augusto Heleno. Em entrevista com o jornalista Pedro Bial, o futuro ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional relativizou o relatório do COAF e disse acreditar que Bolsonaro não será atingido pelo fato do valor de R$ 24.000,00 ser irrisório e, da mesma forma feita por Onyx Lorenzoni, ironizou a atuação do COAF nos últimos anos.

Diferentemente de Heleno, o general Mourão teve uma posição mais incisiva. Em diversas entrevistas, Mourão cobrou esclarecimentos sobre o dinheiro e disse que o caso provoca incômodo no governo, indo além ao dizer que, se houve “caixinha, foi uma burrice ao cubo”. Mourão afirmou ter confiança em Jair Bolsonaro, uma fala estranha por um vice afirmar que confia em seu superior. Para o vice-presidente, a justificativa de Bolsonaro dá o assunto como encerrado, entretanto, disse para a imprensa investigar o caso. A cada dia, o prestígio de Mourão cresce.

Por fim, há um personagem bônus que se beneficiou do caso COAF. Trata-se de Renan Calheiros, senador eleito pelo MDB, que buscava novamente a presidência do Senado e tinha Flávio Bolsonaro como um empecilho. Com o COAF, Flávio iniciará desgastado seu mandato e já recebeu ameaças de assessores de Renan dizendo que o mandarão para o conselho de ética se continuar minando a candidatura do alagoano. O caminho para o quarto mandado de Renan Calheiros como presidente foi facilitado.

As cartas estão na mesa do jogo político. Para sabermos os resultados concretos do relatório do COAF, precisaremos aguardar um pouco mais.



domingo, 2 de dezembro de 2018

O principal defeito de um administrador

O pior defeito de um administrador é interpretar erroneamente o contexto que a organização está inserida. Sempre que ocorre um erro de interpretação do contexto, as conseqüências são devastadoras.

Durante a Guerra de Canudos, o exército brasileiro, recém saído vitorioso da Revolta Federalista, acreditou que seria fácil enfrentar sertanejos analfabetos, desnutridos e sem qualquer tipo de treinamento militar e armamento pesado. O resultado foi um vexame do exército que, apesar de ter vencido a guerra, saiu desmoralizado perante a nação.

Outro caso de má interpretação do contexto ocorreu com a Disney no início dos anos 90 com a abertura da chamada Eurodisney. No início dos anos 90, a Disney buscou levar para a Europa a experiência do “mundo mágico Disney” e inaugurou um parque temático nos arredores de Paris. O resultado foi um enorme fracasso e o grupo precisou investir milhões para reformulação da marca e do parque, hoje chamado de Disneyland Paris.

Os exemplos anteriores ilustram o quanto a análise correta do contexto, que engloba características sociais, antropológicas, econômicas, históricas, pessoais, ambientais e tecnológicas, é importe. Tudo para dizer sobre o potencial perigo das medidas neoliberais planejadas pelo futuro ministro Paulo Guedes.

Paulo Guedes é um economista formado pela Universidade de Chicago, famosa pelo pensamento econômico conhecido como Escola de Chicago que prega um Estado reduzido e o liberalismo econômico.

A Escola de Chicago fez muito sucesso na América Latina entre as décadas de 70 e 80 durante o governo chileno de Augusto Pinochet com os Chicago Boys. Os Chicago Boys foram um grupo de economistas que estudaram na Universidade de Chicago e aplicaram as idéias liberais no Chile, resultando em um dos países com a maior liberdade econômica do mundo.

Fã do modelo e representante da Escola de Chicago, Paulo Guedes buscou instaurar o mesmo plano econômico chileno no Brasil ao fazer parte da equipe do candidato à presidência da república Afif Domingos em 1989. Afif foi derrotado e Paulo Guedes tem mais uma chance de colocar sua idéia em prática trinta anos depois. O problema é que a idéia de Paulo Guedes pode estar trinta anos atrasada.

O contexto global mudou radicalmente. Se nos anos 70 o mundo vivia dividido por dois blocos hegemônicos, as conexões e as trocas rápidas são o que ditam a modernidade. Baumann diria que a “modernidade é líquida” e o capital viaja livre entre as fronteiras dos países.

Se o contexto global é diferente, o contexto dos dois países também é pouco similar. Em 1973, ano do início do governo Pinochet, o Chile tinha um PIB, com valores atualizados para hoje, de US$ 17 bilhões e atualmente possui um PIB de US$ 33 bilhões. O PIB brasileiro é de US$ 2 trilhões.

Se a população chilena era de apenas 10 milhões em 1973 e hoje é de 18 milhões, a população brasileira é de 209 milhões.

O Chile é um país com um território infinitamente menor que o brasileiro. O território pequeno e coberto pela Cordilheira dos Andes dificulta qualquer tipo de produção agrícola, limitando o país a exploração de metais. Sem uma produção interna forte, a única opção é a abertura do mercado. Entretanto, o Brasil possui território para produzir e produz em grande quantidade, principalmente produtos agrícolas. Em um governo neoliberal, como ficariam os subsídios agrícolas dos produtores rurais?

Com os pontos anteriores foi possível notar que os contextos brasileiros e chilenos são completamente diferentes. As dimensões de ambos os países, sejam elas econômicas, populacionais e territoriais são incomparáveis. Aplicar medidas que deram certo há quase 50 anos em um contexto semelhante ao que a cidade de São Paulo possui hoje pode ser devastador.

Outro fator de complicação para a “Política Guedes” é a mentalidade social democrata que a população brasileira possui. Paulo Guedes tentará colocar em prática uma visão econômica diferente da população brasileira.

Para agravar a situação, criado durante o governo Pinochet, o modelo previdenciário chileno, pensado em ser implantado no Brasil, resultou em um aumento considerável de suicídio em pessoas com mais de 80 anos. Considerada como um exemplo há época pelo FMI, a previdência chilena apresenta um modelo privado e alguns aposentados recebem em torno de 30% de um salário mínimo. Sem condições de arcarem com seus custos de vida, os idosos chilenos têm optado por retirar suas próprias vidas.

É óbvio que menos intervenção do Estado e maior liberdade individual é excelente e quase todos desejamos isso. Porém, sem analisar corretamente o contexto brasileiro, Paulo Guedes pode colocar em prática uma política incompatível com a identidade do Brasil.