sábado, 3 de novembro de 2018

Desde quando começamos a ter protagonismo geopolítico?


Um dos pontos que tenho achado positivo no presidente eleito Jair Bolsonaro é a capacidade de voltar e rever alguns conceitos e decisões. Depois de decidir pela fusão do Ministério da Agriculta com o Ministério do Meio Ambiente, Jair Bolsonaro repensou e decidiu mudar sua opinião, tendo em vista que tal junção seria péssima para os negócios. Grandes consumidores do agronegócio brasileiro possuem regras ambientes muito severas para compra de produtos agrícolas e tal fusão poderia impactar negativamente os negócios, causando preocupação em vários ruralistas, como Blairo Maggi.

Agora, a polêmica da vez é a transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.

Durante muitos anos, a capital de Israel foi Tel Aviv, sendo Jerusalém uma cidade praticamente neutra por ter importância religiosa para cristãos, judeus e muçulmanos. Em 2017, o governo de Israel decidiu mudar a capital do país para Jerusalém, um ato considerado como uma afronta para a comunidade muçulmana, causando ainda mais atrito em uma região conflituosa. Logo em seguida, Donald Trump e os EUA, aliados históricos de Israel, reconheceram a nova capital e mudaram a embaixada de local.

O restante do mundo, ou pelo menos os países que possuem alguma importância internacional, permaneceram neutros diante da ação israelense porque qualquer posicionamento equivocado pode insuflar grupos terroristas árabes contra suas nações. A União Europeia, temendo um caos maior na Europa por conta do terrorismo, mostrou-se contrária à mudança em diversas oportunidades.

Em geopolítica, muitas vezes a melhor posição a se tomar é justamente não tomar posição. Esperar pelos desdobramentos é quase sempre a melhor opção a se tomar principalmente em um conflito ético e religioso complexo e espinhoso como a situação envolvendo Israel e Palestina.

Entretanto, o presidente eleito Jair Bolsonaro, em uma ânsia de demonstrar um protagonismo internacional que o Brasil não tem, decidiu endossar a decisão israelense e americana mudando a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém. Mesmo se for uma decisão para aumentar o apoio dos cristãos no Brasil, Jair Bolsanaro já tem um respaldo considerável de tal grupo. Além do mais, tal mudança em nada beneficia os cristãos porque Jerusalém é “posse” dos judeus agora, deixando de ser um território acima dos conflitos religiosos históricos.

Obviamente, a decisão foi vista de modo negativo pela comunidade internacional e, até o momento, os impactos positivos da mudança são mínimos frente à indisposição causada com os países árabes.

Apenas um dia após a declaração de Jair Bolsonaro, o Hamas, partido político palestino, considerado por alguns como um grupo terrorista, considerou a medida como sendo hostil em direção ao povo palestino e ao mundo árabe e muçulmano. Ao apoiar Israel, Jair Bolsonaro afrontou o Hamas e nos colocou em uma potencial rota para o terrorismo árabe.

O Brasil é um país completamente livre do terrorismo internacional. Nossos problemas internos já são enormes sem a preocupação de termos bombas explodindo nos metrôs. Diferentemente dos EUA e União Europeia, nós não temos a expertise necessária para combater o terrorismo. O combate ao terrorismo é uma tarefa árdua e extremamente complexa e mesmo com os avançados serviços de inteligência que EUA e União Europeia possuem, ataques ocorrem com certa freqüência.

A decisão de Jair Bolsonaro causou um problema geopolítico desnecessário para o Brasil. Nossas preocupações são outras e estão no âmbito social e econômico.

Porém, a decisão de Jair Bolsonaro é tão nociva para o Brasil que possivelmente afetará acordos de comércio internacional com o mundo árabe. Juntos, os países árabes são o segundo maior comprador de proteína animal brasileira. Para se ter uma noção da importância do comércio com os árabes, em 2017, as exportações para tais países somaram US$13,5 bilhões e o superávit para o Brasil foi de US$ 7,17 bilhões. De acordo com Rubens Hannun, presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, a decisão de Jair Bolsonaro abre portas para concorrentes como Turquia, Austrália e Argentina.

O comércio de carne com os árabes já passou por ruídos por conta da Operação Carne Fraca e da greve dos caminhoneiros. Porém, nada tão severo quanto a mudança da embaixada para Israel.

Em menos de uma semana, Jair Bolsonaro tomou duas decisões que impactam diretamente o agronegócio brasileiro, setor que o ajudou a eleger-se. Se o presidente eleito continuar tomando decisões prejudiciais ao agronegócio, nossa principal fonte de exportações e superávit comercial, o apoio será perdido em pouquíssimo tempo.

Da mesma forma que Jair Bolsonaro reviu a posição de fundir o Ministério da Agricultura com o Ministério do Meio Ambiente, espero que a decisão de mudar a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém também seja revista. Caso o governo continue tomando decisões prejudiciais ao agronegócio e mantenha a decisão sobre Israel, o presidente eleito, além de perder o apoio dos ruralistas, também irá perder o apoio das elites que começarão a ter a tão sonhada experiência de viver na Europa mesmo estando no Brasil. Experiência completa, incluindo o temor ao terror.

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