sábado, 17 de novembro de 2018

De que lado você está?


Estamos vivendo um período de guerra cultural no mundo e também no Brasil. Talvez, o termo “guerra cultural” possa ser considerado impróprio por alguns porque um embate entre culturas é algo maior onde um país tenta impor seus valores a determinadas nações, utilizando a cultura como propaganda de um estilo de vida. Os Estados Unidos sempre foram excelentes em tal prática de guerra fria ao utilizarem o cinema como forma de propagação cultural. De tantos vermos nos cinemas as crianças americanas fantasiadas e pedindo doces, começamos a ter os mesmos hábitos no dia 31 de outubro.

O termo mais apropriado talvez seja “batalha ideológica” por se tratar de algo menor do que uma guerra e mais relacionado com sobreposição de pensamentos ideológicos do que sobreposição de culturas. Entretanto, “guerra cultural” é obviamente um termo muito mais chamativo e impactante, sendo necessário em uma sociedade que adora o espetáculo.

Compreender que vivemos em uma sociedade do espetáculo é importante para entender a guerra cultural. Em uma sociedade do espetáculo, as pessoas deixam de consumir produtos ou serviços e passam a consumir o espetáculo que tais produtos ou serviços proporcionam. Quanto maior o espetáculo, maior a chance de consumo e, principalmente, maior o valor transmitido. Vencer a guerra cultural passa pelo quanto de espetáculo uma ideologia proporciona.

Outro ponto importante da guerra cultural é a iconografia. Toda cultura possui representações visuais de símbolos e imagens que transmitem algum significado e determinam características da cultura adotada. A iconografia é uma das representações máximas de uma cultura e guia o comportamento e sentimentos das pessoas abrangidas pela cultura.

Quando a iconografia é colocada na sociedade do espetáculo, ocorre a transmissão de tais símbolos e entendimentos para todo o imaginário coletivo. Na guerra cultural dos Estados Unidos, os filmes são os maiores espetáculos que pulverizam a comunicação cultural para os outros países. Na guerra cultural brasileira, ou batalha ideológica, as redes sociais fazem o papel dos filmes.

A grande falha da esquerda nos últimos anos foi a falta de entendimento do novo paradigma democrático. A democracia hoje é feita online por vídeos, fotos e mensagens. Quem dominar a propagação de conteúdo em tais canais irá vencer a guerra cultural.

Após as manifestações de junho de 2013, explodiram diversos movimentos com inclinação à direita no Brasil. Por serem pioneiros, tais movimentos dominaram a comunicação e conseguiram propagar a iconografia desejada. Ajudados por uma onda conservadora global, os movimentos de direita cresceram, ocuparam espaços e criaram barreiras contra a penetração de movimentos de esquerda de grande expressão nas redes. Com discursos bélicos, ataques pessoais e conteúdo acessível para a classe média, os movimentos de direita compreenderam e desenvolveram o espetáculo que a sociedade queria consumir para dominarem o imaginário popular.

Com o domínio das mídias, foi possível desenvolver a iconografia necessária para blindar o avanço da esquerda e propagar a mensagem da direita ao poder. Ao longo dos anos, políticas raciais e sociais foram associadas a aspectos negativos; a pobreza foi associada a uma questão de meritocracia e esforço pessoal; e o comunismo e o socialismo foram ligados com a miséria e a opressão. Sem as pessoas entenderem de fato o que cada um dos pontos anteriores significava, a guerra cultural vencida pela direita associou tais arquétipos de modo negativo ao imaginário popular. Portanto, quando ouvimos comunismo ou políticas de cotas, instantaneamente pensamos em algo negativo.

Apesar dos movimentos de esquerda também terem buscado a associação de elementos da direita com ideações negativas, como o fascismo e o nazismo, o impacto foi muito menor. Primeiramente, o espaço a ser utilizado já estava ocupado por integrantes da direita com uma estrutura muito maior e com mais abrangência para uma defesa rápida com mais espetáculo. Em segundo lugar, a iconografia utilizada pela esquerda era incompatível com o imaginário popular já dominado e o discurso “lacrador” já demonstrava sinais de fadiga.

Para a esquerda equiparar forças na guerra cultural, será necessário uma reformulação do discurso e repaginação da iconografia utilizada. O discurso lacrador e politicamente correto perdeu força. Qualquer ícone dito de esquerda que iniciar a fala com discurso “lacrador” será imediatamente associado a vitimização e perderá força. A abordagem precisa ser feita de outra forma.

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