segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Qual a causa para a má distribuição médica?


Após declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro, o governo de Cuba decidiu abandonar o Programa Mais Médicos, retirando aproximadamente dez mil médicos cubanos do território brasileiro.

Instituído pela Lei nº 12.871, de 22 de Outubro de 2013, o Programa Mais Médicos tem como objetivo combater a má distribuição médica no Brasil. Apesar de dados do estudo intitulado Demografia Médica apontar que o Brasil possui 2,18 para cada 1.000 habitantes, o grande território, parcialmente coberto por florestas densas, cria um enorme desafio para a garantia do acesso universal à saúde garantido pela Constituição de 1988. Enquanto algumas regiões como o Rio de Janeiro e o Distrito Federal possuírem mais de 3,0 médicos para cada 1.000 habitante, Estados como Maranhão e Pará possuem menos 1,0 médicos para cada 1.000, número bem abaixo da estimativa ideal de 2,0 a 2,5 médicos para cada 1.000 habitantes.

A distribuição equitativa de médicos é um problema social e político que afeta praticamente todos os países do mundo. No Brasil, o problema da má distribuição médica é antigo e diversos governos tentaram criar medidas para combatê-lo, à saber: Projeto Rondon; Programa de Interiorização do SUS (PISUS); Programa de Migração do Trabalho para a Saúde para o Interior (PITS); Telessaúde; Programa de Apoio à Formação de Doutores Especialistas em Áreas Estratégicas; Fundo de Financiamento do Estudante do Ensino Superior (FIES); Programa de Valorização dos Profissionais de Saúde Básica (PROVAB). Entretanto, mesmo com todos os esforços, o problema permanece até os dias atuais.

A principal responsável pela má distribuição médica no Brasil é a desigualdade social e econômica brasileira. Enquanto São Caetano do Sul e Florianópolis possuem IDH superiores a Portugal e Chile, Fernando Falcão (MA) e Melgaço (PA) são piores que Serra Leoa, Haiti e Moçambique. Ao todo, vinte e oito municípios brasileiros têm IDH inferior ao Haiti e novecentos e vinte e sete possuem IDH piores do que Angola. Colocar um médico para trabalhar em tais regiões é semelhante a colocá-lo para trabalhar na parte mais pobre e miserável da África.

O problema da distribuição médica é muito complexo de ser resolvido. O problema existe porque o Brasil é desigual. Entretanto, para reduzir a desigualdade, são necessários médicos. Porém, para ter médico, é preciso reduzir a desigualdade. Um problema gera o outro em um ciclo sem fim.

O fato de o Brasil ser desigual gera desigualdade no acesso de opções de lazer e entretenimento, opções de consumo, oportunidades de emprego para o cônjuge e boa educação para os filhos dos médicos. Portanto, a solução simples e superficial defendida por muitos de pagar mais para os médicos ocuparem tais regiões é insuficiente. Se uma pessoa tem dinheiro e não tem como e onde gastá-lo, o dinheiro perde a utilidade porque só existem duas formas de utilizá-lo: comprar produtos e serviços ou queimar o papel para aquecimento durante o frio.

Além da falta de opções para gastar o dinheiro, a enorme desigualdade brasileira prejudica o acesso à estrutura mínima ideal para o médico realizar o atendimento. É extremamente comum os postos de saúde de cidades menores sofrerem com o abastecimento de produtos simples e necessários como gaze, esparadrapo e papel higiênico. Lembre que novecentos e vinte e sete municípios possuem IDH piores do que de Angola.

Em uma situação de calamidade como várias cidades estão, o risco de um médico ser processado por algum procedimento mal realizado é muito grande. Para um médico, um processo judicial possui um nível de estresse semelhante a problemas financeiros graves e morte de pacientes. Portanto, mesmo com um alto salário, que o médico não teria como usufruir, ir para algumas regiões é muito arriscado.
Os médicos cubanos aceitaram a ir para tais regiões porque ficariam provisoriamente e tiveram garantias não atendidas de que teriam boas condições de trabalho. Eles nunca foram a primeira opção para a ocupação. Em primeiro lugar seriam os médicos brasileiros formados no Brasil e depois os médicos brasileiros formados no exterior. Se após as duas seleções as vagas continuassem sem ocupantes, os médicos cubanos seriam chamados.

O problema da má distribuição médica é muito complexo e problemas complexos exigem soluções complexas. Soluções complexas exigem mais do que frases prontas e discursos rasos como “Mais Médicos Brasileiros” e que médicos são elitistas. Uma boa forma de iniciarmos o combate aos problemas complexo do país é com seriedade e profundidade de ideias.



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