Após declarações do
presidente eleito Jair Bolsonaro, o governo de Cuba decidiu abandonar o
Programa Mais Médicos, retirando aproximadamente dez mil médicos cubanos do
território brasileiro.
Instituído pela Lei nº
12.871, de 22 de Outubro de 2013, o Programa Mais Médicos tem como objetivo
combater a má distribuição médica no Brasil. Apesar de dados do estudo intitulado
Demografia Médica apontar que o Brasil possui 2,18 para cada 1.000 habitantes,
o grande território, parcialmente coberto por florestas densas, cria um enorme desafio
para a garantia do acesso universal à saúde garantido pela Constituição de
1988. Enquanto algumas regiões como o Rio de Janeiro e o Distrito Federal
possuírem mais de 3,0 médicos para cada 1.000 habitante, Estados como Maranhão
e Pará possuem menos 1,0 médicos para cada 1.000, número bem abaixo da
estimativa ideal de 2,0 a 2,5 médicos para cada 1.000 habitantes.
A distribuição equitativa de
médicos é um problema social e político que afeta praticamente todos os países
do mundo. No Brasil, o problema da má distribuição médica é antigo e diversos
governos tentaram criar medidas para combatê-lo, à saber: Projeto
Rondon; Programa de Interiorização do SUS (PISUS); Programa de Migração do
Trabalho para a Saúde para o Interior (PITS); Telessaúde; Programa de Apoio à
Formação de Doutores Especialistas em Áreas Estratégicas; Fundo de
Financiamento do Estudante do Ensino Superior (FIES); Programa de Valorização
dos Profissionais de Saúde Básica (PROVAB). Entretanto, mesmo com todos
os esforços, o problema permanece até os dias atuais.
A principal responsável pela
má distribuição médica no Brasil é a desigualdade social e econômica brasileira.
Enquanto São Caetano do Sul e Florianópolis possuem IDH superiores a Portugal e
Chile, Fernando Falcão (MA) e Melgaço (PA) são piores que Serra Leoa, Haiti e
Moçambique. Ao todo, vinte e oito municípios brasileiros têm IDH inferior ao
Haiti e novecentos e vinte e sete possuem IDH piores do que Angola. Colocar um
médico para trabalhar em tais regiões é semelhante a colocá-lo para trabalhar
na parte mais pobre e miserável da África.
O problema da distribuição
médica é muito complexo de ser resolvido. O problema existe porque o Brasil é
desigual. Entretanto, para reduzir a desigualdade, são necessários médicos.
Porém, para ter médico, é preciso reduzir a desigualdade. Um problema gera o
outro em um ciclo sem fim.
O fato de o Brasil ser
desigual gera desigualdade no acesso de opções de lazer e entretenimento,
opções de consumo, oportunidades de emprego para o cônjuge e boa educação para
os filhos dos médicos. Portanto, a solução simples e superficial defendida por
muitos de pagar mais para os médicos ocuparem tais regiões é insuficiente. Se
uma pessoa tem dinheiro e não tem como e onde gastá-lo, o dinheiro perde a
utilidade porque só existem duas formas de utilizá-lo: comprar produtos e
serviços ou queimar o papel para aquecimento durante o frio.
Além da falta de opções para
gastar o dinheiro, a enorme desigualdade brasileira prejudica o acesso à estrutura
mínima ideal para o médico realizar o atendimento. É extremamente comum os
postos de saúde de cidades menores sofrerem com o abastecimento de produtos
simples e necessários como gaze, esparadrapo e papel higiênico. Lembre que novecentos
e vinte e sete municípios possuem IDH piores do que de Angola.
Em uma situação de calamidade
como várias cidades estão, o risco de um médico ser processado por algum
procedimento mal realizado é muito grande. Para um médico, um processo judicial
possui um nível de estresse semelhante a problemas financeiros graves e morte
de pacientes. Portanto, mesmo com um alto salário, que o médico não teria como usufruir,
ir para algumas regiões é muito arriscado.
Os médicos cubanos aceitaram
a ir para tais regiões porque ficariam provisoriamente e tiveram garantias não
atendidas de que teriam boas condições de trabalho. Eles nunca foram a primeira
opção para a ocupação. Em primeiro lugar seriam os médicos brasileiros formados
no Brasil e depois os médicos brasileiros formados no exterior. Se após as duas
seleções as vagas continuassem sem ocupantes, os médicos cubanos seriam
chamados.
O problema da má distribuição
médica é muito complexo e problemas complexos exigem soluções complexas.
Soluções complexas exigem mais do que frases prontas e discursos rasos como “Mais
Médicos Brasileiros” e que médicos são elitistas. Uma boa forma de iniciarmos o
combate aos problemas complexo do país é com seriedade e profundidade de ideias.
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