quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O que mais irá embora além dos médicos?



O governo de Cuba optou pela retirada dos médicos cubanos do Programa Mais Médicos por conta das declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro contra a ditadura do governo da ilha caribenha. A decisão cubana reacendeu um problema histórico brasileiro que é a má distribuição médica no território nacional. Com saída de Cuba do Programa Mais Médicos, mais de oito mil médicos cubanos deixarão o país sem médicos em áreas afastadas.

Lançado em 2013, a medida recebeu críticas e elogios da sociedade e de pessoas especializadas no assunto. Entretanto, com a saída de Cuba do programa, muitos têm afirmado que o Mais Médicos era uma forma de financiamento da ditadura cubana e uma afronta aos direitos dos trabalhadores caribenhos e, portanto, o rompimento seria uma forma de combater a ditadura comunista e afastar relações nacionais com nações à esquerda. Porém, tais argumentos são facilmente contestados com um pouquinho de profundidade em estratégias de relações internacionais.

Na verdade, o Brasil tem potencialmente mais chances de sair perdendo do que ganhando com o afastamento de Cuba.

A saída de Cuba do Programa Mais Médicos representaria uma perda de US$ 300 milhões para os cofres nacionais. Obviamente, o impacto seria sentido para um país que possui restrições comerciais impostas pelos EUA. Entretanto, o valor pago pelo Brasil ao governo de Cuba é inferior a 3% do total recebido pelas exportações de serviços de saúde cubanos. Anualmente, Cuba recebe US$ 14 bilhões com a exportação de bens e serviços, sendo US$ 11 bilhões recebidos pelo envio de profissionais da saúde.

Também é relevante destacar a relação comercial entre os dois países. Enquanto Cuba exportou em 2017 para o Brasil US$ 20 milhões, nós exportamos o valor de US$ 346 milhões. Portanto, sem o valor do Programa Mais Médicos, enviado indiretamente pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), a balança comercial com Cuba possui um saldo favorável ao Brasil superior a US$ 326 milhões.

O principal produto de exportação brasileira para Cuba são cortes de aves ou outros despojos congelados com um valor de US$ 58 milhões. Atualmente, as exportações de frango brasileiras sofreram um duro golpe com o embargo imposto pela União Europeia. O Brasil era o maior exportador de frango para o bloco com uma receita de quase US$ 800 milhões ao ano.

As relações internacionais, principalmente as comerciais, são marcadas pela tensão e sempre passíveis de retaliações. A velocidade com que o governo cubano tomou a decisão de retirar os médicos do território nacional chama a atenção. A resposta cubana foi muito rápida, indicando possível existência de margem para negociação e espaço para retaliação. Não existem ingênuos na diplomacia.

O comércio internacional funciona de modo semelhante ao comércio realizado em um shopping. É muito mais fácil você conseguir alguém para vender do que alguém para comprar. Cuba poderia substituir a carne de frango brasileira pela mexicana ou pela carne argentina ou pela americana. Os EUA são os maiores produtores mundiais de carne de frango e gradativamente estão retomando relações diplomáticas com Cuba.

Para agravar a situação, o ministro da saúde, Gilberto Occhi, disse que o governo brasileiro não irá arcar com os custos logísticos da saída dos médicos cubanos do país. O Brasil, por sua vez, poderia dar mais dignidade para os médicos cubanos, tendo em vista que a relação comercial, excluindo os valores do Programa Mais Médicos, é favorável a nós.

A opção por sair do acordo é justificada por todos os argumentos apresentados. Todos os argumentos apresentados são válidos apesar de rasos. Entretanto, o acordo deveria ter sido desfeito de modo a preservar as boas relações internacionais entre os países.

Por mais que Cuba possa ser considerada um país comunista e ditatorial pelo próximo governo, os cubanos são um bom cliente e o dinheiro recebido deles é importante. O dinheiro não tem ideologia, classe social ou gênero. O dinheiro tem valor. Nós precisamos aprender tal lição.


Nenhum comentário:

Postar um comentário