O governo de Cuba optou
pela retirada dos médicos cubanos do Programa Mais Médicos por conta das
declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro contra a ditadura do governo da
ilha caribenha. A decisão cubana reacendeu um problema histórico brasileiro que
é a má distribuição médica no território nacional. Com saída de Cuba do
Programa Mais Médicos, mais de oito mil médicos cubanos deixarão o país sem
médicos em áreas afastadas.
Lançado em 2013, a
medida recebeu críticas e elogios da sociedade e de pessoas especializadas no
assunto. Entretanto, com a saída de Cuba do programa, muitos têm afirmado que o
Mais Médicos era uma forma de financiamento da ditadura cubana e uma afronta aos
direitos dos trabalhadores caribenhos e, portanto, o rompimento seria uma forma
de combater a ditadura comunista e afastar relações nacionais com nações à
esquerda. Porém, tais argumentos são facilmente contestados com um pouquinho de
profundidade em estratégias de relações internacionais.
Na verdade, o Brasil
tem potencialmente mais chances de sair perdendo do que ganhando com o
afastamento de Cuba.
A saída de Cuba do
Programa Mais Médicos representaria uma perda de US$ 300 milhões para os cofres
nacionais. Obviamente, o impacto seria sentido para um país que possui
restrições comerciais impostas pelos EUA. Entretanto, o valor pago pelo Brasil
ao governo de Cuba é inferior a 3% do total recebido pelas exportações de
serviços de saúde cubanos. Anualmente, Cuba recebe US$ 14 bilhões com a
exportação de bens e serviços, sendo US$ 11 bilhões recebidos pelo envio de profissionais
da saúde.
Também é relevante
destacar a relação comercial entre os dois países. Enquanto Cuba exportou em
2017 para o Brasil US$ 20 milhões, nós exportamos o valor de US$ 346 milhões. Portanto,
sem o valor do Programa Mais Médicos, enviado indiretamente pela Organização
Pan-Americana da Saúde (Opas), a balança comercial com Cuba possui um saldo favorável
ao Brasil superior a US$ 326 milhões.
O principal produto de
exportação brasileira para Cuba são cortes de aves ou outros despojos congelados
com um valor de US$ 58 milhões. Atualmente, as exportações de frango
brasileiras sofreram um duro golpe com o embargo imposto pela União Europeia. O
Brasil era o maior exportador de frango para o bloco com uma receita de quase
US$ 800 milhões ao ano.
As relações
internacionais, principalmente as comerciais, são marcadas pela tensão e sempre
passíveis de retaliações. A velocidade com que o governo cubano tomou a decisão
de retirar os médicos do território nacional chama a atenção. A resposta cubana
foi muito rápida, indicando possível existência de margem para negociação e
espaço para retaliação. Não existem ingênuos na diplomacia.
O comércio
internacional funciona de modo semelhante ao comércio realizado em um shopping.
É muito mais fácil você conseguir alguém para vender do que alguém para
comprar. Cuba poderia substituir a carne de frango brasileira pela mexicana ou
pela carne argentina ou pela americana. Os EUA são os maiores produtores
mundiais de carne de frango e gradativamente estão retomando relações
diplomáticas com Cuba.
Para agravar a
situação, o ministro da saúde, Gilberto Occhi, disse que o governo brasileiro
não irá arcar com os custos logísticos da saída dos médicos cubanos do país. O
Brasil, por sua vez, poderia dar mais dignidade para os médicos cubanos, tendo
em vista que a relação comercial, excluindo os valores do Programa Mais
Médicos, é favorável a nós.
A opção por sair do
acordo é justificada por todos os argumentos apresentados. Todos os argumentos
apresentados são válidos apesar de rasos. Entretanto, o acordo deveria ter sido
desfeito de modo a preservar as boas relações internacionais entre os países.
Por mais que Cuba possa
ser considerada um país comunista e ditatorial pelo próximo governo, os cubanos
são um bom cliente e o dinheiro recebido deles é importante. O dinheiro não tem
ideologia, classe social ou gênero. O dinheiro tem valor. Nós precisamos
aprender tal lição.
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