terça-feira, 5 de março de 2019

Nós somos Lula

O ex-presidente Lula é um paradoxo difícil de ser entendido e explicado pelos seus opositores. A morte da esposa em 2017, as investigações da Operação Lava Jato, a primeira condenação, a prisão, a morte do irmão Vavá, a segunda condenação e o recente falecimento do neto Arthur de apenas sete anos são possivelmente o pior período da vida Lula. O constrangimento, a humilhação e a dor das perdas enfraquecem o homem. Entretanto, para desespero dos opositores, o constrangimento, a humilhação e a dor das perdas fortalecem o símbolo.

Lula nunca esteve tão fraco e tão forte ao mesmo tempo.

Lula mostrou, com o episódio do sepultamento do neto, que desperta enorme emoção nacional sem falar. Somente a imagem de Lula é capaz de provocar emoções. Em alguns casos, apenas a palavra lula já é suficiente.

Pessoas que nem sabiam da existência de Arthur choraram a morte do neto. Desafetos e opositores se emocionaram e lamentaram o falecimento do menino. Por outro lado, religiosos e cristãos, pessoas que deveriam se sensibilizar com a morte, comemoram a dor do ex-presidente como se Lula tivesse que pagar pelos seus atos com sua vida e com a vida de seus entes, mesmo já estando cumprindo sua pena encarcerado.

Somente alguém cuja imagem transcendeu o corpo do homem e se transformou em símbolo ou mito seria capaz de provocar tanta emoção negativa ou positiva nas pessoas. É um carisma natural, um dom divino muito raro que poucas pessoas possuíram, possuem e possuirão.

Ciro Gomes, principal concorrente de Lula para liderar a oposição ao governo de Jair Bolsonaro, não possui, nem de longe, tal carisma “lulístico”. O pedetista precisa de um esforço quintuplicado para convencer as pessoas de sua figura. Ciro Gomes tem andado o Brasil concedendo entrevistas em rádios, aparecendo em palestras e promovendo seminários para convencer a população de que é o líder mais preparado e capacitado para a oposição e para a esquerda. Entretanto, com um décimo do esforço e com apenas poucas palavras, Lula teria um resultado muito melhor.

Há uma identificação natural do brasileiro com o ex-presidente Lula que não há com nenhum outro político na atualidade. Lula é a síntese do Brasil e do brasileiro. Todos nós somos ou fomos Lula em algum momento da nossa história porque a história de Lula é igual a nossa.

Lula veio de uma família de imigrantes de Garanhuns, uma cidade do interior de Pernambuco. Com apenas sete anos de idade, a mesma do neto falecido, Lula veio com sua família, liderada pela mãe, para o litoral de São Paulo em busca de melhores condições de vida. Uma história que poderia ser a nossa própria história porque somos um povo de imigrantes. Mesmo que não sejamos nordestinos que vieram para o Sudeste em busca de melhores condições, em algum ponto do passado das nossas famílias, italianos, portugueses, árabes, espanhóis, alemães e asiáticos imigraram para o Brasil em busca de melhores condições de vida.

Com mais ou menos intensidade, nós olhamos para Lula e nos reconhecemos porque, em algum nível, somos também imigrantes em busca de melhores condições de vida.

Em seu discurso antes de ser preso, Lula disse a frase “todos vocês são Lula”. O ex-presidente nunca esteve tão certo porque a sua história provoca uma identificação natural porque sentimos em Lula o sentimento do brasileiro. Nós e a nossa história somos Lula.

Se toda a trajetória de vida já não fosse suficiente para causar identificação entre Lula e o povo brasileiro, no final de sua vida há o processo judicial e a condenação que muitos julgam como sendo sem provas, incluindo personagens da direita. Um típico caso de opressão e perseguição do Estado que todos nós brasileiros sentimos diariamente quando saímos para a rua. Segundo o antropólogo Roberto DaMatta, a rua é, na visão do brasileiro, o ambiente onde somos oprimidos e perseguidos pelas leis injustas impostas pelo Estado apenas para nos prejudicar, as mesmas leis que perseguem e oprimem Lula. Para muitas pessoas, suas vidas se tornam cada vez mais parecidas com Lula, causando uma identificação cada vez mais intrínseca.

Quanto mais o homem Lula sofre e se enfraquece, mais forte o símbolo Lula fica. Lula não precisa falar, Lula não precisa ser visto e Lula não precisa existir porque todos nós somos Lula em algum nível.

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