domingo, 2 de dezembro de 2018

O principal defeito de um administrador

O pior defeito de um administrador é interpretar erroneamente o contexto que a organização está inserida. Sempre que ocorre um erro de interpretação do contexto, as conseqüências são devastadoras.

Durante a Guerra de Canudos, o exército brasileiro, recém saído vitorioso da Revolta Federalista, acreditou que seria fácil enfrentar sertanejos analfabetos, desnutridos e sem qualquer tipo de treinamento militar e armamento pesado. O resultado foi um vexame do exército que, apesar de ter vencido a guerra, saiu desmoralizado perante a nação.

Outro caso de má interpretação do contexto ocorreu com a Disney no início dos anos 90 com a abertura da chamada Eurodisney. No início dos anos 90, a Disney buscou levar para a Europa a experiência do “mundo mágico Disney” e inaugurou um parque temático nos arredores de Paris. O resultado foi um enorme fracasso e o grupo precisou investir milhões para reformulação da marca e do parque, hoje chamado de Disneyland Paris.

Os exemplos anteriores ilustram o quanto a análise correta do contexto, que engloba características sociais, antropológicas, econômicas, históricas, pessoais, ambientais e tecnológicas, é importe. Tudo para dizer sobre o potencial perigo das medidas neoliberais planejadas pelo futuro ministro Paulo Guedes.

Paulo Guedes é um economista formado pela Universidade de Chicago, famosa pelo pensamento econômico conhecido como Escola de Chicago que prega um Estado reduzido e o liberalismo econômico.

A Escola de Chicago fez muito sucesso na América Latina entre as décadas de 70 e 80 durante o governo chileno de Augusto Pinochet com os Chicago Boys. Os Chicago Boys foram um grupo de economistas que estudaram na Universidade de Chicago e aplicaram as idéias liberais no Chile, resultando em um dos países com a maior liberdade econômica do mundo.

Fã do modelo e representante da Escola de Chicago, Paulo Guedes buscou instaurar o mesmo plano econômico chileno no Brasil ao fazer parte da equipe do candidato à presidência da república Afif Domingos em 1989. Afif foi derrotado e Paulo Guedes tem mais uma chance de colocar sua idéia em prática trinta anos depois. O problema é que a idéia de Paulo Guedes pode estar trinta anos atrasada.

O contexto global mudou radicalmente. Se nos anos 70 o mundo vivia dividido por dois blocos hegemônicos, as conexões e as trocas rápidas são o que ditam a modernidade. Baumann diria que a “modernidade é líquida” e o capital viaja livre entre as fronteiras dos países.

Se o contexto global é diferente, o contexto dos dois países também é pouco similar. Em 1973, ano do início do governo Pinochet, o Chile tinha um PIB, com valores atualizados para hoje, de US$ 17 bilhões e atualmente possui um PIB de US$ 33 bilhões. O PIB brasileiro é de US$ 2 trilhões.

Se a população chilena era de apenas 10 milhões em 1973 e hoje é de 18 milhões, a população brasileira é de 209 milhões.

O Chile é um país com um território infinitamente menor que o brasileiro. O território pequeno e coberto pela Cordilheira dos Andes dificulta qualquer tipo de produção agrícola, limitando o país a exploração de metais. Sem uma produção interna forte, a única opção é a abertura do mercado. Entretanto, o Brasil possui território para produzir e produz em grande quantidade, principalmente produtos agrícolas. Em um governo neoliberal, como ficariam os subsídios agrícolas dos produtores rurais?

Com os pontos anteriores foi possível notar que os contextos brasileiros e chilenos são completamente diferentes. As dimensões de ambos os países, sejam elas econômicas, populacionais e territoriais são incomparáveis. Aplicar medidas que deram certo há quase 50 anos em um contexto semelhante ao que a cidade de São Paulo possui hoje pode ser devastador.

Outro fator de complicação para a “Política Guedes” é a mentalidade social democrata que a população brasileira possui. Paulo Guedes tentará colocar em prática uma visão econômica diferente da população brasileira.

Para agravar a situação, criado durante o governo Pinochet, o modelo previdenciário chileno, pensado em ser implantado no Brasil, resultou em um aumento considerável de suicídio em pessoas com mais de 80 anos. Considerada como um exemplo há época pelo FMI, a previdência chilena apresenta um modelo privado e alguns aposentados recebem em torno de 30% de um salário mínimo. Sem condições de arcarem com seus custos de vida, os idosos chilenos têm optado por retirar suas próprias vidas.

É óbvio que menos intervenção do Estado e maior liberdade individual é excelente e quase todos desejamos isso. Porém, sem analisar corretamente o contexto brasileiro, Paulo Guedes pode colocar em prática uma política incompatível com a identidade do Brasil.


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