Durante a Guerra de
Canudos, o exército brasileiro, recém saído vitorioso da Revolta Federalista,
acreditou que seria fácil enfrentar sertanejos analfabetos, desnutridos e sem
qualquer tipo de treinamento militar e armamento pesado. O resultado foi um vexame
do exército que, apesar de ter vencido a guerra, saiu desmoralizado perante a nação.
Outro caso de má
interpretação do contexto ocorreu com a Disney no início dos anos 90 com a
abertura da chamada Eurodisney. No início dos anos 90, a Disney buscou levar
para a Europa a experiência do “mundo mágico Disney” e inaugurou um parque
temático nos arredores de Paris. O resultado foi um enorme fracasso e o grupo
precisou investir milhões para reformulação da marca e do parque, hoje chamado
de Disneyland Paris.
Os exemplos anteriores
ilustram o quanto a análise correta do contexto, que engloba características
sociais, antropológicas, econômicas, históricas, pessoais, ambientais e
tecnológicas, é importe. Tudo para dizer sobre o potencial perigo das medidas
neoliberais planejadas pelo futuro ministro Paulo Guedes.
Paulo Guedes é um
economista formado pela Universidade de Chicago, famosa pelo pensamento
econômico conhecido como Escola de Chicago que prega um Estado reduzido e o
liberalismo econômico.
A Escola de Chicago fez
muito sucesso na América Latina entre as décadas de 70 e 80 durante o governo
chileno de Augusto Pinochet com os Chicago Boys. Os Chicago Boys foram um grupo
de economistas que estudaram na Universidade de Chicago e aplicaram as idéias
liberais no Chile, resultando em um dos países com a maior liberdade econômica
do mundo.
Fã do modelo e
representante da Escola de Chicago, Paulo Guedes buscou instaurar o mesmo plano
econômico chileno no Brasil ao fazer parte da equipe do candidato à presidência
da república Afif Domingos em 1989. Afif foi derrotado e Paulo Guedes tem mais
uma chance de colocar sua idéia em prática trinta anos depois. O problema é que
a idéia de Paulo Guedes pode estar trinta anos atrasada.
O contexto global mudou
radicalmente. Se nos anos 70 o mundo vivia dividido por dois blocos
hegemônicos, as conexões e as trocas rápidas são o que ditam a modernidade.
Baumann diria que a “modernidade é líquida” e o capital viaja livre entre as
fronteiras dos países.
Se o contexto global é
diferente, o contexto dos dois países também é pouco similar. Em 1973, ano do
início do governo Pinochet, o Chile tinha um PIB, com valores atualizados para
hoje, de US$ 17 bilhões e atualmente possui um PIB de US$ 33 bilhões. O PIB
brasileiro é de US$ 2 trilhões.
Se a população chilena
era de apenas 10 milhões em 1973 e hoje é de 18 milhões, a população brasileira
é de 209 milhões.
O Chile é um país com
um território infinitamente menor que o brasileiro. O território pequeno e
coberto pela Cordilheira dos Andes dificulta qualquer tipo de produção
agrícola, limitando o país a exploração de metais. Sem uma produção interna
forte, a única opção é a abertura do mercado. Entretanto, o Brasil possui
território para produzir e produz em grande quantidade, principalmente produtos
agrícolas. Em um governo neoliberal, como ficariam os subsídios agrícolas dos
produtores rurais?
Com os pontos
anteriores foi possível notar que os contextos brasileiros e chilenos são
completamente diferentes. As dimensões de ambos os países, sejam elas
econômicas, populacionais e territoriais são incomparáveis. Aplicar medidas que
deram certo há quase 50 anos em um contexto semelhante ao que a cidade de São
Paulo possui hoje pode ser devastador.
Outro fator de
complicação para a “Política Guedes” é a mentalidade social democrata que a
população brasileira possui. Paulo Guedes tentará colocar em prática uma visão
econômica diferente da população brasileira.
Para agravar a
situação, criado durante o governo Pinochet, o modelo previdenciário chileno,
pensado em ser implantado no Brasil, resultou em um aumento considerável de
suicídio em pessoas com mais de 80 anos. Considerada como um exemplo há época
pelo FMI, a previdência chilena apresenta um modelo privado e alguns
aposentados recebem em torno de 30% de um salário mínimo. Sem condições de
arcarem com seus custos de vida, os idosos chilenos têm optado por retirar suas
próprias vidas.
É óbvio que menos
intervenção do Estado e maior liberdade individual é excelente e quase todos
desejamos isso. Porém, sem analisar corretamente o contexto brasileiro, Paulo
Guedes pode colocar em prática uma política incompatível com a identidade do
Brasil.
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