quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A quem você está ajudando?


Uma das atividades de lazer que mais aprecio é ir ao shopping. Quase tudo que eu preciso reunido em um só lugar sob uma temperatura controlada de 22°. Lojas, cinemas, caixas eletrônicos, agências bancárias, restaurantes, exposições, gente bonita, sorveterias e estacionamento coberto. Uma delícia de passeio, principalmente nas noites quentes que logo irão iniciar. O único problema do shopping é o domingo. Aos domingos, principalmente durante o horário do almoço, os shoppings são inundados por uma enxurrada de pessoas em busca de um dia de folga de suas respectivas cozinhas, da qual minha família também faz parte. 

No último domingo, eu estava almoçando e observava o gesto nobre das pessoas de jogarem sua sujeira alimentícia no lixo ao invés de deixarem na mesa para os funcionários responsáveis pela limpeza recolherem. Tal atitude me intrigou: por que tais pessoas, das quais eu me incluo, jogam seu lixo na lixeira mesmo com funcionários responsáveis por isso? Talvez a resposta seja para ajudar ao próximo e facilitarmos a árdua labuta destes incansáveis trabalhadores. Mas será mesmo que estamos ajudando a pessoa certa?

O preço que pagamos pela refeição já está inclui o serviço da limpeza do shopping, ou seja, estamos pagando por um serviço e não estamos utilizando. Ao jogarmos o lixo fora, facilitamos o trabalho dos funcionários da limpeza e tiramos a necessidade do administrador de contratar mais funcionários para tal função. Por isso, não estamos ajudando quem pensamos estarmos auxiliando, na verdade, o estamos prejudicando, pois acenamos para o administrador que o trabalho do funcionário não é necessário.

Muitos poderão dizer "mas se mais funcionários fossem contratados, o preço das refeições iria aumentar". Sim, isso é verdade. Porém, não caiam na ingenuidade que menos funcionários resultaria em redução de preços das refeições. Os clientes não associam o custo indireto do trabalho dos funcionários do shopping com o preço pago pela alimentação.

A mágica está em fazer com que o cliente trabalhe para a empresa sem que ele saiba e com uma "recompensa" artificial, transformando algo prejudicial em benéfico. O segmento bancário executa tal façanha com maestria: ao reduzir o número de atendentes no caixa, os bancos aumentam o volume das filas e forçam com que os clientes executam suas operações pelo "auto atendimento", forçando o cliente assumir um papel de "funcionário". A "recompensa" do cliente é poder realizar suas operações bancárias em um tempo menor e sem filas. Entretanto, tudo isso poderia ser evitado se o banco tivesse mais funcionários contratados para o atendimento.

Transformar clientes em "funcionários" é a grande sacada das organizações. As empresas perceberam que poderiam extrair dos clientes não somente capital, mas também trabalho. Basta fazer com que o cliente sinta a sensação artificial de recebimento de uma recompensa ao final, pois não existe forma mais sublime de trabalho do que trabalhar sem perceber que está. É por isso que sempre ouvimos "se trabalhar com algo que gosta, nunca terá que trabalhar".

Por mais contraditório que possa parecer, suplico ao leitor para não confundir meu texto como uma crítica ao sistema, muito pelo contrário. Minhas palavras nada mais são do que letras carregadas de admiração por um arranjo cultural muito bem elaborado, com direito a um "obrigado" estampado na "boca" da lixeira. Um agradecimento pela ação de jogar o lixo na lixeira ou pelo favor de não obrigar o shopping à contratar novos funcionários?

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