Confesso a você,
leitor, que nunca dei muita importância, além da eleitoral, para o slogan da
campanha de Bolsonaro “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. O slogan
repetido à exaustão por Bolsonaro candidato e por Bolsonaro presidente
posteriormente sempre pareceu para mim um aceno para a comunidade evangélica.
Uma comunidade que pode estar vendo na política uma forma até de aliviar a
repressão religiosa sobre si mesma, ou seja, colocando no âmbito público as
restrições e opressões vividas no âmbito privado que, inconscientemente,
estavam vendo como pouco suportáveis.
Entretanto, depois de
alguns meses de análise do comportamento do presidente, começo a ter outra
interpretação sobre o slogan. Na minha nova forma de interpretar, tento observar
as entrelinhas do slogan e vejo que Bolsonaro está falando sobre si mesmo ao
citar Deus e sobre o povo ao falar sobre o Brasil.
Mais de uma vez o
presidente já disse que todo o poder emana do povo. Portanto, se todo o poder
emana do povo, quem possui o poder é povo. Sem povo, não há poder. Sendo assim,
as instituições brasileiras, incluindo a própria pátria, só possuem poder por
conta do povo. Logo, é o povo que está acima de tudo, desde as instituições até
o país.
Acima do povo estaria
Deus no slogan de Bolsonaro. Entretanto, para Bolsonaro, ele é o próprio Deus.
Portanto, ele está acima do povo. Logo, também está acima das instituições e do
próprio país.
Tal pensamento
justifica ações do presidente que contrariam e passam por cima das instituições
nacionais. O caso da indicação de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, para
ser embaixador nos EUA é um exemplo. Bolsonaro passar por cima dos ritos
estabelecidos pelo Itamaraty para favorecer seu próprio e admite sem o menor
pudor que irá favorecer sua prole. Bolsonaro só age assim porque pensa estar
acima de tudo.
Outro episódio foi a
contestação de dados oficiais do INPE sobre o desmatamento. O INPE é um órgão
do próprio governo. Se Bolsonaro contesta dados oficiais emitidos pelo governo
sem ter conhecimento para tal, ele se coloca acima do próprio governo.
Quando o povo está acima
das instituições, as referências estão perdidas. O modelo a ser seguido é
sempre mais elevado do que nós. Buscamos uma grandeza a ser seguida, uma
santidade quase inalcançável que nos guiará para a perfeição. Se as
instituições estão abaixo do povo, elas perdem o seu valor de guia e
inspiração.
Tudo o que está abaixo
do povo é mundano e descartável. Bolsonaro, porém, como sendo o único acima do
povo, torna-se o guia natural e única referência a ser seguida pelos
brasileiros. Ele garante a si próprio um ar místico e santificado, blindando-o
das acusações das instituições mundanas que estão abaixo do povo.
Por ser o guia natural
mais elevado, Bolsonaro se coloca como a única opção disponível para seus
eleitores em 2022.
Muitos criticam
Bolsonaro por ele não ter um projeto de governo. De fato, o presidente não
possui um. Porém, ele possui um projeto de poder em curso e as constantes
pesquisas de avaliação que apontam uma aprovação sistemática de 30% da
população mostram que está dando certo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário