domingo, 4 de agosto de 2019

Povo acima de tudo, Bolsonaro acima de todos


Confesso a você, leitor, que nunca dei muita importância, além da eleitoral, para o slogan da campanha de Bolsonaro “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. O slogan repetido à exaustão por Bolsonaro candidato e por Bolsonaro presidente posteriormente sempre pareceu para mim um aceno para a comunidade evangélica. Uma comunidade que pode estar vendo na política uma forma até de aliviar a repressão religiosa sobre si mesma, ou seja, colocando no âmbito público as restrições e opressões vividas no âmbito privado que, inconscientemente, estavam vendo como pouco suportáveis.

Entretanto, depois de alguns meses de análise do comportamento do presidente, começo a ter outra interpretação sobre o slogan. Na minha nova forma de interpretar, tento observar as entrelinhas do slogan e vejo que Bolsonaro está falando sobre si mesmo ao citar Deus e sobre o povo ao falar sobre o Brasil.

Mais de uma vez o presidente já disse que todo o poder emana do povo. Portanto, se todo o poder emana do povo, quem possui o poder é povo. Sem povo, não há poder. Sendo assim, as instituições brasileiras, incluindo a própria pátria, só possuem poder por conta do povo. Logo, é o povo que está acima de tudo, desde as instituições até o país.

Acima do povo estaria Deus no slogan de Bolsonaro. Entretanto, para Bolsonaro, ele é o próprio Deus. Portanto, ele está acima do povo. Logo, também está acima das instituições e do próprio país.

Tal pensamento justifica ações do presidente que contrariam e passam por cima das instituições nacionais. O caso da indicação de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, para ser embaixador nos EUA é um exemplo. Bolsonaro passar por cima dos ritos estabelecidos pelo Itamaraty para favorecer seu próprio e admite sem o menor pudor que irá favorecer sua prole. Bolsonaro só age assim porque pensa estar acima de tudo.

Outro episódio foi a contestação de dados oficiais do INPE sobre o desmatamento. O INPE é um órgão do próprio governo. Se Bolsonaro contesta dados oficiais emitidos pelo governo sem ter conhecimento para tal, ele se coloca acima do próprio governo.

Quando o povo está acima das instituições, as referências estão perdidas. O modelo a ser seguido é sempre mais elevado do que nós. Buscamos uma grandeza a ser seguida, uma santidade quase inalcançável que nos guiará para a perfeição. Se as instituições estão abaixo do povo, elas perdem o seu valor de guia e inspiração.

Tudo o que está abaixo do povo é mundano e descartável. Bolsonaro, porém, como sendo o único acima do povo, torna-se o guia natural e única referência a ser seguida pelos brasileiros. Ele garante a si próprio um ar místico e santificado, blindando-o das acusações das instituições mundanas que estão abaixo do povo.

Por ser o guia natural mais elevado, Bolsonaro se coloca como a única opção disponível para seus eleitores em 2022.

Muitos criticam Bolsonaro por ele não ter um projeto de governo. De fato, o presidente não possui um. Porém, ele possui um projeto de poder em curso e as constantes pesquisas de avaliação que apontam uma aprovação sistemática de 30% da população mostram que está dando certo.

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