terça-feira, 23 de abril de 2019

Lula e PT trocam de posição

“Vidas Secas” é a obra-prima do alagoano Graciliano Ramos e uma das principais obras da língua portuguesa. No romance, o leitor acompanha a história de uma família de retirantes sertanejos a caminho do litoral. Durante a jornada, o autor trás uma bonita reflexão sobre a vida e como o ambiente molda o ser humano.

Fabiano, pai da família de retirantes da obra, é um ser humano “embrutecido” pela seca. Da mesma forma que o sertão nordestino, Fabiano é selvagem, bruto, seco de palavras e cultura, um ser humano animalizado pelo ambiente inóspito que habita. Para o leitor mais jovem e presente na cultura pop, o raciocínio é o mesmo apresentado por Paulie, personagem dos filmes Rocky: de tanto tempo que você fica em um lugar, você acaba sendo parte dele.

O mal de Fabiano no sertão e de Paulie no açougue onde trabalhava é o mesmo mal sofrido por Lula e pelo PT. O Partido dos Trabalhadores se envolveu tanto com a prisão do ex-presidente Lula que acabou ficando preso junto ele.

Após o término da eleição, integrantes do partido disseram que o PT iria se voltar totalmente para a campanha “Lula Livre”. Justo motivo de existência para uma estratégia eleitoral visando 2022. O PT não conseguiu forjar um herdeiro político para Lula e fortalecer a narrativa da prisão injusta do ex-presidente poderá ajudar o partido com a tarefa.

Entretanto, quanto mais para dentro da prisão em Curitiba o partido se concentra, mais envolvido pelo ambiente carcerário o PT encontra-se. Da mesma forma que Fabiano e Paulie gradativamente foram se transformando nos ambientes por eles habitados, o PT vai se transformando na própria prisão de Lula, prendendo-se a Lula e prendendo-se por Lula.

O perigo da estratégia do partido é o PT se transformar em um preso assim como Lula.

Nos primeiros 100 dias do governo Bolsonaro, o partido que elegeu a maior bancada de deputados em outubro, sendo superado pelo PSL no decorrer do ano, pouco tem feito e viu seu protagonismo ser ameaçado pelo PDT.

Se a política hoje é pautada na internet e pela internet, a única ação de grande repercussão de um parlamentar do partido foi a definição de Zeca Dirceu ao ministro Paulo Guedes, sendo chamado de “tigrão de pobre e tchutchuca de banqueiro”. Pouco para um partido que continua sendo o mais importante do país.

Com relação a Fernando Haddad, segundo colocado nas eleições de 2018, a situação é ainda pior. Depois da derrota no segundo turno, Haddad sumiu. Era esperado, pelo menos por mim, que Haddad fosse fortalecer o rótulo de herdeiro de Lula durante o ciclo eleitoral de 2022.

Fernando Haddad saiu de um candidato desconhecido, derrotado em primeiro turno na prefeitura de São Paulo por João Doria, para 45% dos votos em um segundo turno de eleição presidencial. O caminho para Haddad como líder da oposição ao governo Bolsonaro parecia claro e óbvio. Entretanto, quem tomou o caminho de Haddad foi Ciro Gomes.

Enquanto Haddad está preso na prisão de Lula e do PT, Ciro Gomes está livre percorrendo o Brasil fazendo oposição a Bolsonaro. O terceiro colocado nas eleições 2018 se transformou no principal líder da oposição momentaneamente.

A liberdade de Ciro Gomes contrasta com a prisão de Haddad que parece estar mais preso do Lula.
A liberação do STF à entrevistas com o ex-presidente deixam Lula mais livre que o próprio Haddad e do que o PT. Se Haddad e PT estão praticamente presos a Lula, o ex-presidente, por outro lado, terá a liberdade para falar o que bem quiser. É como se o PT e Lula tivessem invertido as suas posições.

Preso a Lula e a Curitiba, o PT apequena-se e vê seu espaço na oposição ser reduzido por Ciro Gomes. Pela primeira vez em décadas, o maior partido de esquerda do país está com sua hegemonia ameaçada.

Um comentário:

  1. Ficou muito claro que Lula ficou muito maior do que o PT propriamente dito. Se o partido quiser se manter no espectro político no Brasil, ele precisa criar um herdeiro para o ex-presidente. Se o partido houvesse investido desde o início no Haddad nas eleições, provavelmente teria vencido. Mas não, o PT ficou tão preso em Lula, que quando acordou, já era tarde demais.

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